quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Guiné 63/74 - P12589: Memórias de Gabú (José Saúde) (38): Uma homenagem ao Major, aposentado, Brito, então 1º Sargento.


Um brinde com whisky entre o então 1º Sargento Brito, hoje Major, e claro, eu, José Saúde. As tabancas, ao fundo, retratam realidades num espaço distante onde as fortes e medonhas trovoadas se cruzavam com um cacimbo atroz e um arco ires que se sobrepunha a um horizonte belo, mas sempre carregado de incertezas. O calor sufocante hostilizava, também, as nossas vidas.


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Uma homenagem ao Major, aposentado, Brito, então 1º Sargento 

As minhas memórias de Gabu


Revendo uma pequena parte do meu livro GUINÉ-BISSAU AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU

Uma homenagem ao Major, aposentado, Brito, então 1º Sargento 

Visita a Madina Mandinga

Foi um dia memorável! Uma visita amigável à 1ª Companhia do BART 6523 sediada em Madina Mandiga, apresentou-se como uma viagem tranquila e anteriormente impensável. As estratégias no terreno estavam definidas. O PAIGC e a nossa tropa haviam estabelecido princípios de entendimento e o medo da picada, e a sua imprevisibilidade, antes constatado, oferecia agora uma segurança absoluta.

Foi a um domingo e já em tempo de Paz que um grupo da CCS, em Nova Lamego, e a Companhia destacada em Madina, combinaram um jogo de futebol. Dois Unimog com malta que se entregava às jogatanas pontuais, e eis-nos perante o grupo disposto a desbravar conteúdos de uma picada onde a ondulação do capim se misturava com árvores de grande porte nascidas na exuberância da densidade do mato cerrado.

O resultado final não interessou, tão-pouco ficou registado nas minhas memórias. Não interessa! O único objectivo foi o amplo convívio verificado. O festim decorreu de forma cordial, trocaram-se impressões, comentou-se o último ataque a Madina, apontou-se para o sítio das valas que serviram de proteção aos ilustres soldados e recordou-se os locais onde os foguetões haviam caído. Pelo meio de dois dedos de conversa umas fotos para mais tarde recordar.

Dessa viagem, com o pessoal completamente dispensado das G3, bazuca, ou do morteiro 60, ficaram momentos inolvidáveis passados entre camaradas de armas que contemplavam a Paz agora sentida em toda a largura do terreno. Recordo, que a dita viagem entre as duas populações dista (va) cerca de 20 kms. Todavia, os quilómetros de picada assumiam-se como um osso duro de roer. Lembro que o percurso dividia-se entre o asfalto (alcatrão) e a terra batida.

Revivendo esse já longínquo convívio por terras da Guiné, recordo agora a forma desinteressada como fomos recebidos pelos ilustres anfitriões. Uma receção extraordinária, uns chutos numa bola já defeituosa, um almoço bem regado, uma cavaqueira que se arrastou ao longo da tarde, uma mesa cheia de bebidas e, finalmente, as despedidas aos companheiros de Madina que determinou, como foi evidente, o nosso regresso a casa emprestada.

O Cap. José Luís, sempre simpático, congratulou-se com a visita, mas foi com o 1º Sargento Brito que dissequei os momentos mais ávidos sentidos pela Companhia ao longo da comissão em Madina Mandiga. A talho de foice, e com toda a justiça o digo, que o 1º Sargento Brito era, e é certamente, um homem de se lhe tirar o chapéu. Gostei dele!

Soube, agora, através do ex Alferes Miliciano António Barbosa, um camarada de armas que integrava o nosso BART 6523 e que pertencia à 2ª Companhia sediada em Cabuca, que o então 1º Sargento Brito está, actualmente, aposentada como Major. Confesso que me congratulo por saber tão feliz notícia. Um abraço, e bem grande, meu Major. A vida, por norma, sorri-nos quando dentro de nós existem fatores humanos que suplantam o nosso querer, a nossa enorme vontade e o nosso egocêntrico ego.

Na minha guerra – Operações Especiais/Ranger, Lamego – evocava-se, com vaidade absoluta e estilo próprio, um grito (com a devida vénia e respeito) que arrepiava o mais incrédulo efebo da apelidada tropa “macaca”: “Vossa Excelência, meu Major, dá-me licença que evoque o seu bom nome para o colocar no meu Quadro de Honra?”. Creio, com certeza, que a resposta do meu Major será: SIM!

 
Um abraço, camaradas
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
____________


Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: 

4 comentários:

Luís Graça disse...

Obrigado, Zé, pela história e pela foto... Já mandei ao Fernando Brito, através do neto... Ele vai ser o nosso próximo grã-tabanqueiro...

Curioso é ele ter-se cruzado nas nossas vidas, na tua e na minha, em épocas e sítios diferentes... Aquela pose é mesmo dele, era um pessoa algo histriónica, teatral, com um grande vozeirão, sedutora, mas amiga do seu amigo...

Anónimo disse...

Estamos a falar do 1º Brito da CCS/Bambadinca?!... Sem dúvida?!... É que,pela foto anexa, nunca eu o reconheceria.
Mário Migueis

José Saúde disse...

Luís, meu camarada e amigo

Há pequenas-grandes histórias que resvalam para o campo da saudade. Somos camaradas que passámos pelo palco da guerrilha guineense em épocas diferentes.

Ainda assim, ficaram retratos que umbilicalmente nos unirá através de militares que cruzaram os nossos destinos, embora sendo eles profissionais e nós simples guerreiros enviados obrigatoriamente para as frentes de combate.

O Major Brito, então 1º Sargento, foi, para mim, uma pessoa simplória que jamais se afastou da minha mente. Uma personagem gentil, amiga, e leal.

Dele guardo uma foto no meu recheado baú de imagens da Guiné, sendo que esse saudoso brinde entre dois copos com whisky em Madina Mandinga, se perpetuará eternamente na minha já velha memória.

Aliás, não foi por mero acaso que dele faço referência no meu livro sobre a temática guineense.

Fica o desafio para um reencontro com o Major Brito no nosso próximo almoço anual do blogue que, pressuponho, será em Monte Real.

Um abraço para ti e outro para o nosso grã-tabanqueiro.

Zé Saúde

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Quando se pensa que não há mais nada de novo para descobrir ou para relembrar, eis que surgem estes casos....

É agradável assistir a estes reencontros, ainda por cima quando se referem a pessoas sobre as quais as referências são as mais simpáticas possíveis.

Vai valendo a pena, tanto esforço e dedicação.

Abraço
Hélder S.