sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12511: Notas de leitura (547): "Portugal em África", por Richard Pattee (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Julho de 2013:

Queridos amigos,
Enquanto o governador Sarmento Rodrigues se preocupou em convidar estudiosos portugueses para alargar os horizontes da investigação e fazer crescer o interesse pelos estudos guineenses (veja-se Orlando Ribeiro, Mendes Corrêa e o melhor que dispúnhamos a tempo na medicina tropical, agronomia, zoologia, etc.) agora se fazia sentir a pressão internacional hostil ao colonialismo, os convites eram endereçados a professores e jornalistas convictos da missão colonizadora do governo português.
Richard Pattee era um professor com pergaminhos que acreditava na missão colonizadora portuguesa, todo o seu texto é muito temperado e procura justificar as inércias do passado. E vê-se que se tratava de um intelectual convicto na missão portuguesa em África.

Um abraço do
Mário


Richard Pattee na Guiné, em 1957

Beja Santos

Quando Richard Pattee chegou à Guiné, era já um conceituado professor de história e ciências políticas em universidades como Puerto Rico, Cidade do México, Friburgo e Quebec, era considerado um especialista da história moderna e contemporânea dos países ibero-americanos. Dedicava-se igualmente ao jornalismo sobretudo na imprensa católica. O seu filho, Samuel, acompanhou-o nesta digressão que compreendia a Guiné, Cabo Verde, S. João Batista de Ajudá, Angola e Moçambique.

A Agência Geral do Ultramar deu à estampa, em 1959, a tradução do seu livro “Portugal and the Portuguese World”, a quem foi conferido, em 1958, o prémio Camões, instituído para galardoar a melhor obra publicada no estrangeiro sobre Portugal.

No início da sua viagem pela Guiné, recorda o leitor a má reputação da região: sepulcro do branco. Depois reflete sobre os maus juízos proferidos por pessoas que sobre elas escreveram, dizendo, entre outras apreciações absurdas, que a Guiné não tinha importância para Portugal nem qualquer significado internacional, era um exemplo pavoroso de colonialismo decadente, ser o exemplo vivo da parte mais atrasada do continente africano; mas também que a Guiné tinha muito poucos portugueses e que a penetração económica portuguesa tinha sido insignificante, etc., etc. Ora acontece, diz Pattee, que o governo da Guiné está nas mãos de uma administração competente e imparcial e que o progresso económico marcha a um ritmo considerável. Inicia a sua viagem em S. Domingos, tomara um avião de Dakar a Ziguinchor, foi acolhido pelo administrador da circunscrição o goês Alfonsinho Gomes Pereira. Passou a primeira noite em Varela, uma praia com uma extensão de 40 quilómetros de areia, ele classifica-a como uma beleza alucinante. Até Varela, viu Felupes armados de arcos e flechas e na segunda noite, no posto de Susana, assistiu a uma exibição de desporto pelos lutadores Felupes.

De seguida, faz a apresentação da Guiné Portuguesa e observa: “A pequena capital da Guiné Portuguesa começa já a tomar o aspeto de cidadezinha. Eu, antes da minha visita, tinha formado no meu espírito uma ideia de Bissau como de uma aldeia de palhotas com alguns edifícios à maneira europeia. Mas a realidade é bem outra: cidade de lojas e hotéis, construções sólidas e até de estabelecimentos de luxo onde não falta a patisserie e lembro-me com surpresa de uma formidável joalharia”.

A grande impressão que ele tem da Guiné é a sua aquosidade, refere regiões, marés, o clima, as estradas que, adianta, são perfeitamente transitáveis na época seca. Deslumbra-se igualmente com os Bijagós. Anota que os funcionários vestem uniforme branco de rigor, “o que dá à vida oficial e administrativa portuguesa uma nota de dignidade e de respeito pelas formas de civilização que contrasta com o desmazelo de outras partes de África".

Lança seguidamente sobre os antecedentes históricos e socorre-se das obras de Teixeira da Mota e Mendes Corrêa, que ele conhece na perfeição. “A Guiné ocupa um lugar de posto avançado do lusitanismo na África Ocidental. Comparando a extensão colonial da Guiné no passado com as fronteiras atuais, dá a seguinte explicação: “O expansionismo francês durante o século XIX muito contribuiu para abalar o regime português na Guiné. A situação precária da Metrópole refletiu-se na longínqua colónia: incerteza na política a seguir; incapacidade de Portugal, depois da invasão napoleónica, para restabelecer a sua autoridade eficazmente em África, e os distúrbios e dissensão na mesma Guiné com as revoltas das guarnições, lutas entre fações opostas e divisões de toda a espécie”. Mais adiante, cita com detalhe a Memória sobre o estado atual da Senegâmbia portuguesa, causas da sua decadência e meios de a fazer prosperar, de Honório Pereira Barreto.

Para Pattee, a situação mudou radicalmente. “Agora, não só há governantes, mas há um governo, e a eficiência com que funciona e o prestígio absoluto de que goza dão uma forte impressão aos que visitam a província. E exalta o trabalho do pessoal administrativo: “Servir no mato isolado dos centros de cultura e sociabilidade, mesmo quando as condições materiais não são intoleráveis, exige um grande espírito de missão e um profundo sentido de vocação”. Está deliciado com as festas populares a que assiste, nos Bijagós, no Gabu. E lança-se a fundo nas considerações políticas que levantam a religiosidade guineense. A missionação, em termos históricos, mostrou-se um fracasso. Interpreta o êxito do islamismo como a resposta que os africanos encontraram para não serem escravizados.

Colecionou opiniões de vários administradores sobre o totemismo e as dimensões do animismo, sobretudo das populações litorâneas. Confirma que não há praticamente portugueses na Guiné, o comércio é exercido sobretudo por sírios e libaneses. E retorna à questão islâmica que lhe acicata a curiosidade, caso do sincretismo entre o Islão e o animismo. Do que viu, as escolas corânicas pouco estavam a contribuir para o desenvolvimento da Guiné. E aproveita para referir que o Islão vive na Guiné pelo estabelecimento confrarias e pela influência dos marabus, à semelhança do que se passa na África Ocidental Francesa.

Sente-se encantado com a assimilação praticada pelos portugueses. Ele sabe das objeções que decorrem sobre o valor dessa assimilação, pois não devem passar de dois ou três mil os pretos ou mestiços que podem ser considerados como assimilados ou incorporados na vida portuguesa. Ele sabe que é verdade haver poucos assimilados, sob o ponto de vista social. Mas refere outros dados que, na sua ótica, são conducentes à assimilação: a obra de saúde, de higiene, dos melhoramentos em todos os domínios. É também verdade que a ausência de colonos europeus pesa no número de assimilados. Mas há dados animadores, é a sua maneira de ver, pois não há elites africanas repelidas pelos europeus e forçadas a achar expressões violentas para obterem o poder. E mais, escreve: “A atitude do português para com o mestiço, que é única no mundo moderno entre as nações europeias, evita o que é muito mais importante em áfrica do que a questão de níveis sociais ou de progresso material – o choque psicológico entre as raças”. E dá uma explicação para o papel civilizador em marcha: “É preciso convencer o indígena a renunciar, quando for o momento oportuno, ao seu sistema de vida; de compreender as vantagens indiscutíveis da vida civilizada e de vir para ela com a consciência tranquila. É preciso na Guiné, antes de tudo, criar os organismos, combater as doenças, ensinar a viver com saúde e com decência. Quando penso que na Guiné só o número de indivíduos observados como possíveis vítimas da doença do sono aumentou entre 1946 e 1951 de 15689 a 214000, compreendo que o governo português não faz isto em benefício dos europeus, que são apenas um punhado no território”. Para Pattee, havia ainda situações coloniais que era preciso continuar a eliminar. E no final da sua visita considera que a Guiné é uma terra de esperança e de confiança, a Guiné é uma revelação para as pessoas de boa vontade que lá foram com o fim de conhecer este maravilhoso microcosmo de raças, culturas e costumes. E termina agradecendo a hospitalidade ao governador, Álvaro da Silva Tavares, ele personificaria o tipo de alto administrador ao serviço do Portugal moderno.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12492: Notas de leitura (546): "O Conhecimento Etnológico da Guiné-Bissau. Uma Perspectiva de Género", de Manuela Borges e "Perspectivas para o Estado da Evolução das Representações dos Africanos nas Escritas Portuguesas de Viagem: O Caso da Guiné e Cabo Verde - Séculos XV a XVII", por José da Silva Horta (Mário Beja Santos)

5 comentários:

Antº Rosinha disse...

Beja Santos, será que em Lampedusa não aterra a TAP?

Este Richard, que nunca ouvi falar chega a ser quase tão reacionário e colonialista quanto eu.

Ele hoje diria, como eu digo hoje, que aquela qualidade de vida "atrazada" da colonização à-lá-tuga. é que iludiu uns tantos mestiços e auto-intitulados brancos de 2ª.

Atenção que estes tais que se vangloriam que eram tratados como brancos (portugueses) de 2ª, eram eles que abusavam desse termo, para se diferenciarem pela positiva sobre o atrazado branco das nossas berças,qe era final a terra dos pais deles.

Em 1958, data deste livro, ainda a TAP não tinha aviões a turbina, mas já o Salazar tinha criado uma TAP colonial.

A TAP tem sido o último símbolo colonial portuga na Guiné.

Bem caro nos tem ficado, após a independência principalmente quando os guineenses pagavam em "pês".

Portugal deve uma homenagem bem grande a todos os africanos de todas as côres que jogaram nas nossas selecções desde o Matateu até Almada Negreiros, desde Mário Wilson até Bana e Raúl Indipo.

Foram milhões que nos «obrigaram» «cativaram» «convenceram» a escrever uma página da história de Portugal, muito especial.

A meia dúzia dos que se iludiram, apenas acompanharam os ventos da história e isso, infelizmente para a europa e África é uma página da história tão ou mais negra que a época da escravatura.

Será que em Lampedusa não aterra a TAP?

Francisco Baptista disse...

Tanto conhecimento, tanta erudição intimida, falo por mim, que por ter conhecimentos tão escassos, tenho que me limitar a procurar aprender mais alguma coisa com um mestre como tu. Sempre me atraiu o estudo da história antiga e contemporânea e a investigação à volta dela que tu dominas também. Acompanho também bastante tudo o que escreves sobre livros doutros camaradas ou outros sobre assuntos africanos ou sobre outras matérias.
Muito obrigado por tantas lições que nos dás, que tanto enriquecem este blogue. Muito obrigado por nunca te esqueceres dos velhos camaradas, muitos deles como eu a léguas dos teus conhecimentos.
Um grande abraço
Francisco Baptista

JD disse...

"A meia dúzia dos que se iludiram apenas acompanharam os ventos e uisso, infelizmente para a Europa e a África, é uma página da história tão ou mais negra que a época da escravatura".
Disse o velho cólon e eu subscrevo, apesar das eventuais reacções de quem não conheceu, nem conhece a África, apenas se estriba em questões de princípio que não se repercutem na realidade, ou dos que se comprometeram com a debandada, e por isso carecem de justificações "filosóficas", mas não solidárias. Por que razão somos tão bem quistos em África? Mesmo que em meras passagens turísticas?
Abraços fraternos
JD

Anónimo disse...

Em julho de 98 ao entrar em Pirada como voluntário da A.M.I. acompanhava-me um Senegalês que ficou estupefacto com a recessão.

Disse que nunca estiveram em guerra com a França mas que odiavam os franceses e nós (tugas) que tínhamos estado em guerra com os Guineenses (uma parte) éramos recebidos assim..

Porque seria ?

Caro reaccionário e colonialista "colon" Rosinha...será que fomos colonialistas puros e duros ou fomos colonialistas de "treta"...

Um tuga das berças com muita honra.

C.Martins

Anónimo disse...

PS

Onde se lê "recessão" deve ler-se recepção.

C.Martins