sábado, 14 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12449: O que é que a malta lia, nas horas vagas (17): Jornais, revistas, ordens de serviço, circulares, autos, correspondência, etc (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA da CART 2732, Mansabá, 1970/72)


Como qualquer um, eu lia mais ou menos o que aparecia. Confesso que não me mandavam nada, mas lia aquilo que os outros camaradas me emprestavam.
Diga-se em abono da verdade que passava praticamente todo o tempo que estava no quartel, a ler, porque desde o início da comissão estava "dado" à Secretaria da Companhia, função que mantive mesmo após ter passado a operacional pelo acumular das baixas nos efectivos no pelotão e não só.
Lia Ordens de Serviço, Notas e Circulares, Autos disto e daquilo, etc.
Nas horas vagas, mesmo vagas, tão poucas elas foram, lia o que aparecia, revistas, jornais, livros, etc.
Não posso esquecer a leitura da imensa correspondência que recebia. Acho que posso afirmar, sem faltar à verdade, que era o campeão da 2732. Só me vencia, às vezes, o camarada Branco do Pel Art. A minha noiva escrevia-me seis dias por semana e os meus pais uma a duas vezes. Tinha ainda uma amiga no Algarve (Portimão) e outras familiares que me escreviam regularmente. Ainda trocava correspondência com camaradas em Moçambique e noutros SPMs da Guiné.

Das leituras avulsas, lembro-me de uma notícia incluída naquelas folhas que nos mandavam de Bissau, com notícias de todo o mundo, onde aparecia um tal Vignal (ou Vignale) que tinha protagonizado um assalto ou coisa parecida em França. Claro que naqueles dias fui conotado como parente daquele sujeito nada recomendável.
Outra notícia menos abonatória ao "meu bom nome", esta vinda em revista,  foi o caso de um conhecido jogador de futebol, natural de Matosinhos, por acaso também meu contemporâneo na Escola Industrial, então atleta do clube da águia, que supostamente terá torturado uma mulher da noite lisboeta. - Eh pá, cuidado com os gajos de Matosinhos, diziam-me.

Na foto em cima, tirada de certeza num domingo, estou a ler um livro que fez parte da minha formação escolar, dos quais levei alguns para a Guiné para não esquecer o que tinha aprendido. No caso é o livro de Laboratório de Electricidade (já com capas não originais), do qual os camaradas que passaram pelo Curso de Formação de Montador Electricista, se lembrarão, tinha capas tipo cartolina encarnadas.
Este livro que foi e veio da Guiné comigo, que "resistiu" a imensos ataques ao aquartelamento de Mansabá, acabou por "morrer afogado" em Leça da Palmeira. Passo a explicar.

O escritório onde trabalhava ficava a cerca de 100 metros do mar, separado do areal por uma muralha que, supostamente, nos defenderia do mar em caso extremo.
Num temporal, de intensidade felizmente nunca mais repetido, ocorrido na madrugada do dia 13 de Fevereiro de 1979, o mar, coisa nunca vista até então, galgou toda a praia, saltou a muralha, partiu portas e janelas do edifício, entrou sem pedir licença e mudou o mobiliário da minha sala para as salas contíguas mais recuadas. Por azar meu, a minha secretária que estava situada próximo das janelas por onde a água entrou, partiu-se, sendo despejados todos os meus haveres, entre eles os meus livros técnicos escolares, e entre eles o meu companheiro de comissão de serviço. Nunca mais lhe pus a vista em cima.

Voltando às leituras na Guiné, mal cheguei a Bissau, depois de abandonarmos Mansabá, logo no dia 29 de Fevereiro de 72, comprei um livro, na época um "best-seller", que mais tarde deu origem a um filme, o "Papillon" de Henri Charrière, que, acusado de homicídio, protagonizou uma das mais fantásticas fugas da Guiana Francesa. Viria a falecer a 29 de Julho de 1973, vítima de cancro.

Para provar que além de ler, sabia escrever, anexo foto.

Carlos Vinhal
Ex-Fur Mil Art MA
CART 2732
Mansabá, 1970/72

Mansabá - Arma em repouso porque é hora de escrever à família
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Nota do editor

Último poste da série de 14 de Dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12447: O que é que a malta lia, nas horas vagas (16): A correspondência que me era enviada, e os autores Ramiro da Fonseca, José Régio, Vergílio Ferreira, etc. (António Eduardo Ferreira)

9 comentários:

Anónimo disse...

Borracho, Cabelo bem cortado, e também sabia ler e escrever.

Une-nos o tempo, amigo!

Também li "Papillon"

Abraço fraterno, que estendo a todos que viveram esse tempo.

Felismina mealha

Hélder Valério disse...

Caríssimo Carlos

Começo pela primeira foto.
Nota-se uma 'decoração' do quarto fortemente inspiradora. Por outro lado também me parece que não sofrias de problemas de alimentação... ainda bem!

Agora as leituras.
Gostei de te ver dedicado ao livro do "Laboratório de Electricidade". Já não me recordo do autor, só me ocorre o nome do Pool da Costa, mas não tenho a certeza.

Quanto ao resto.
É claro que algumas das cosias que relatas também as passei assim. Ler um pouco de tudo o que circulava: jornais, revistas, livros. Sobre livros tinha os meus que já dei conta, em parte, no post, que dediquei a isso. Alguns jornais, também. Lia o que havia no Bar de Sargentos de Santa Luzia.
Mas eu tinha a grande vantagem de estar diariamente actualizado por via de acompanhar as rádios e os despachos das agências noticiosas.

Também escrevia alguns aerogramas, algumas cartas, não muitas, é verdade.
Em relação a camaradas de curso lembro-me de um em Angola que me enviou um aerograma dizendo que tinha levado uma 'porrada' e tinha sido enviado para o Luso de tal modo que agora ouvia os canhões, por vezes, a cerca de 20 km... e recebi esta maravilha num dia em que se 'embrulhou' em directo e ao vivo, em Piche, durante uns largos 20 minutos.
Houve um outro que estava numa Companhia qualquer em Moçambique e que me confidenciou que tinham como lema qualquer coisas como "C. Andando" e que tinham 'vendido' a ideia ao Comando que aquilo queria dizer "Combatendo e Andando"... coisas!

Abraço.
Hélder S.

manuel carvalho disse...

Camarigo Vinhal

O que me chama mais a atenção no teu poste é o mobiliário onde estás a escrever, que a maioria de nós bem conhecemos e que muitas vezes servia para quase tudo para escrever para comer para jogar cartas e as vezes até podia servir para coisas menos convencionais.Aqueles trastes iam passando de mão em mão e ás vezes quase faziamos um testamento.Quem sabe se alguns homens que estão a dar cartas em Paços de Ferreira no mobiliário não tiraram ideias na Guiné.Estou a lembrar-me daqueles cadeirões feitos de aduelas de pipa onde nos sentava-mos com uma cervejinha na mão.
Um abraço para todos
Manuel Carvalho

Francisco Baptista disse...

Amigo Carlos
Escrevo-te com alguma inveja porque a mim já nenhuma mulher me chama borracho, nem pelo tempo presente, nem pelos tempos passados. Tua és assim apelidado por uma poetisa de rara sensibilidade que todos apreciamos muito.
Sim porque a Felismina Mealha é a deusa grega da poesia deste blogue.
Sobre o que tu lias nas horas de serviço ou de lazer, penso que tu comparado com a maioria dos camadas desde soldados a oficiais superiores podias ser considerado um intelectual.
Aproveito este comentário porque doutra forma, tu como meu editor, rejeitarias um texto meu sobre este assunto, pela sua pobreza.
Eu pouco li, melhor dizendo nada li. Li antes da tropa, na tropa sobretudo na Guiné, por cansaço ou por motivos que não cabem neste comentário, só lia os rótulos das garrafas de cerveja e de wiskhi e procurava adivinhar a sorte nas cartas de jogar.
Um grande abraço a todos
Francisco Baptista

Anónimo disse...

Caríssimo Amigo Carlos. Pois a diferença existe em tudo. Eu escrevia em cima da perna e tu numa secretária de boa madeira africana...Miúdas...é o que se vê... rádio na suite !!!
E continua a escrever que gostei.
De
Veríssimo Ferreira

Anónimo disse...

Olá Carlos.
Também li "Papillon", tenho o livro, e como gostei de o ler.
Beijinho
Filomena

Anónimo disse...

Caríssimo Amigo e Mansanbanho Carlos

E depois ainda dizes e te queixes que andavas na guerra? Que o clima era de queimar os corpos? Com tais Fotos? Tão gordinho, tão branquinho, tão calminho e nuns aposentos tão confortáveis!
Com uma estampa tal, que até a nossa poetisa Felismina Mealha tão carinhosamente te apelidou de borracho!
Vê lá mas é se arranjas umas histórias mais convincentes para não andares a enganar cá a malta...

Afinal, o não me teres reconhecido como teu "distinto, brilhante e sei lá que mais Cmdt", já era sinal de que não tinhas lá estado!
Ai Dina...Dina que o rapaz nos enganou a todos...

Abraços, Boas Festas e Feliz 2014, para ti e tua Dina.

JPicado, ex-Cap Mil também da CArt 2732, por ter sido verdade!

Tony Borie disse...

Olá companheiros.
Vocês já disseram quase tudo, portanto só me vou referir aos pormenores das "Offices", do Carlos!.
Estava organizado, pois metade de uma caixa de uma granada, era o local das canetas e lápis, o piston de um motor, talvez fosse cinzeiro, ou talvez para colocar aqueles clipes, borrachas de apagar ou mesmo uma afiadeira, quem sabe!
Estava sentado num banco que devia de ter sido antes uma caixa de munições, assim como a excelente secretária, mas o mais importante, que vocês não deviam ter reparado era a "organização", o "aprumo", com que tratava as armas, as suas "queridas G-3's", pois estão lá numa "estante", (vão lá ver outra vez), aprumadas, em sentido, organizadas, tal como eu hoje trato as minhas "canas de pesca"!.
Um abraço, Carlos.
Tony Borie.

Carlos Vinhal disse...

Manda a boa educação que se responda a quem se nos dirige, mas como em casa de ferreiro o espeto é de pau, o meu tempo aqui é tão limitado face ao que há para fazer, que só agora e a propósito de uma conversa que acabo de ter, via telefone, com o meu ex-Comandante ex-Cap Mil Jorge Picado, vim ver os comentários aqui deixados.

Cara amiga Felismina, poetisa primeira deste blogue, muito obrigado pelo piropo, não endereçado a este já caco velho, algo remendado, mas àquele jovem que ali desperdiçou dois anos da sua juventude.

Caro Hélder, além do Poole da Costa, outro dos autores seria o A. Roseira. Digo de memória.

Caro Manuel Carvalho, o mobiliário era do melhor estilo, muito superior ao fabrico e design actual de Paços de Ferreira.

Amigo Francisco Baptista, assim não vale, olha que te elimino o comentário.

Veríssimo, acho que escrevias era nas pernas das bajudas.

Amigo Jorge, nunca me perdoaste o não te ter reconhecido logo como meu Comandante. Nem aceitaste a desculpa de ires para a Companhia quando eu estava ausente para férias, e de pouco depois de eu ter regressado tu teres ido para Teixeira Pinto. Pouco mais de 15 dias estivemos simultaneamente em Mansabá, mas une-nos ao menos aquela famosa peregrinação a Fátima, pouco recomendável, diga-se.

Caro Tony, a decoração foi herdada da CCAÇ 2403, e aquele quarto era Furriel Mecânico da minha Companhia, daí a presença dos pistons em cima da secretária.

Abraços para todos.
Carlos Vinhal
Leça da Palmeira