quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12192: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (4): O anúncio,em 4 de janeiro de 1961, do envio para a China, para a Academia Militar de Nanquim, dos futuros dez primeiros comandantes do PAIGC, João Bernardo Vieira [Nino], Francisco Mendes, Constantino Teixeira, Pedro Ramos, Manuel Saturnino, Domingos Ramos, Rui Djassi, Osvaldo Vieira, Vitorino Costa e Hilário Gomes.

1. Transcrição de uma carta,  dactilografado, assinada por Amílcar Cabral (nome de guerra, Abel Djassi), datada de Conacri, 4 de janeiro de 1961 (, dois anos antes do início oficial da guerra colonial na Guiné, ou "guerra de libertação", no vocabulário do PAIGC), e dirigida ao secretário geral adjunto do Instituto Popular de Negócios Estrangeiros, em Pequim.  Nessa carta, Amílcar Cabral dá conta do nível de "desenvolvimento da luta de libertação" no interior do país, e anuncia a partida para a China dos dez primeiros militantes do PAIGC que irão receber treino político-militar.

[À direita: foto do secretário geral do PAIGC, incluída em O Nosso Livro de Leitura da 2ª Classe, editado pelos Serviços de Instrução do PAIGC - Regiões Libertadas da Guiné (sic). Tem o seguinte copyright: © 1970 PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Sede: Bissau (sic)... A primeira edição teve uma tiragem de 25 mil exemplares, tendo sido impresso em Upsala, Suécia, em 1970, por Tofters/Wretmans Boktryckeri AB.]

Uns meses antes, em agosto de 1960. Amílcar Cabral em pessoa tinha-se deslocado a Pequim para negociar o treino dos quadros do PAIGC na Academia Militar de Nanquim.
Sabemos, por outras fontes, os nomes desses militamtes que irão tornar-se nos primeiros comandantes do PAIGC: veja-se aqui, no Arquivo Amílcar Cabral, a foto em que um grupo de quadros do PAIGC que ia receber treino militar na Academia Militar de Nanquim. é recebido pelo dirigente máximo da China, Mao Tse-Tung,  em Pequim, 1961 ... Eram eles: João Bernardo Vieira [Nino], Francisco Mendes, Constantino Teixeira, Pedro Ramos, Manuel Saturnino, Domingos Ramos [, irmão de Pedro Ramos e amigo do nosso Mário Dias], Rui Djassi, Osvaldo Vieira, Vitorino Costa ], irmão de Manuel Saturnino] e Hilário Gomes.

A carta, a entregar por mão própria, está escrita em frâncês, língua em que Amílcar Cabral  era fluente. Tradução de L.G., para efeitos meramente informativos e com destino exclusiva aos leitores do nosso blogue.   Agradecemos, mais uma vez, à entidade detentora do arquivo e dos respetivos direitos,  a amabilidade com que tem atendido os nossos pedidos de consulta de documentos e de cedência de imagens, que de resto estão  disponíveis para o grande pública. A cedência de imagens é condicionada, por razões que nos foram explicadas e que acatamos. (LG).

Fonte:

(1961), "Comunica a situação da luta de libertação na Guiné. Anuncia a partida de dez militantes do PAIGC para a República Popular da China [formação militar na Academia de Nanquim].", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_39330 (2013-10-23)


Portal Casa Comum
Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07066.091.019.
Título: Comunica a situação da luta de libertação na Guiné. Anuncia a partida de dez militantes do PAIGC para a República Popular da China [formação militar na Academia de Nanquim].
Remetente: Amílcar Cabral (Abel Djassi), Secretário Geral do PAIGC.
Destinatário: Secretário Geral Adjunto do Instituto de Negócios Estrangeiros da República Popular da China.
Data: Quarta, 4 de Janeiro de 1961.
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relações com a China, Coreia, Vietname (anos 60).
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.
Tipo Documental: Correspondencia 


2. Transcrição do documento, traduzido de francês para português por L.G., para efeitos deste poste



Conacri, 4 de janeiro de 1961

Caixa Postal 289 –Conacri


Ao senhor secretário geral adjunto do Instituto Popular de Negócios Estrangeiros da China
Pequim


Caro camarada:

Recebi a sua carta, anunciando o regresso dos meus dois camaradas. Eles chegaram [bem] e estamos contentes. Nunca será demais sublinhar a importância da ajuda fraterna que o povo chinês está a dar ao nosso povo na luta comum pela liquidação total do imperialismo e do colonialismo.

O desenvolvimento da nossa luta de libertação está a decorrer de maneira acelarada, de acordo com o programa que vocês conhecem. Já mobilizámos uma grande parte das massas populares e o nosso povo está cada vez mais ligado ao nosso Partido cujas organizações de base estão presentes em todas as regiões e zonas do país. Estamos em vias de organizar as nossas bases de resistência, elemento fundamental da nossa luta decisiva contra os colonialistas portugueses. Enfrentamos, naturalmente, alguns problemas que gostaríamos de poder discutir convosco. Esperamos poder fazê-lo em breve.

Envio-vos alguns documentos – panfletos – distribuídos no nosso país. Apesar de serem em português, vocês podem ver como nós procedemos à agitação das massas populares, explorando ao mesmo tempo as contradições no seio do nosso inimigo.

Tenho o prazer de lhe anunciar a partida para a China de dez camaradas do nosso Partido, portadores desta carta, e cuja viagem tem a missão que você conhece. É uma nova grande contribuição para o desenvolvimento e vitória final da nossa luta. Temos pressa, mas caminharemos sempre na base da segurança, por etapas e sobre “os dois pés”.

Agradeço-lhe que apresente aos membros do Instituto os nossos melhores votos de prosperidade e de sucesso na luta contra o imperialismo e na construção do progresso e da felicidade do grande povo chinês.

Esperando notícias suas, peço-lhe, caro camarada, que aceite a expressão dos meus sentimentos muito fraternos.

Amílcar CABRAL (Abel DJASSI)

Secretário-Geral

___________

5 comentários:

Anónimo disse...

Até compreendo que devemos conhecer o passado, seja ele mau ou bom. Os Portugueses nada disso fazem e na história pós 25 de Abril, deitou-se abaixo tudo o que a fizesse lembrar ...ele foi a Ponte Salazar...ele foi a estátua (Presidente Carmona) ali ao fundo do Campo Grande...ele foi...ele foi...enfim, nem vinte post's aqui do n/blog dariam para as contar todas. Por isso e porque ninguém parece querer que se saiba, permito-me abraçar quem ainda têm a coragem de vir aqui mostrar-nos quem foram os nossos inimigos. A história não deve ser apagada, mas os nomes(dos dez) constante desta, eu preferiria nem os conhecer. Foram a causa de muitas mágoas e muitas dores ainda hoje não saradas e só os nomes me incomodam. De toda a maneira, os meus parabéns Luís Graça amigo e não ligues, que a velhice começa a toldar-me o bom senso.
Veríssimo Ferreira

Luís Graça disse...

Querido camarada e amigo Veríssimo:

Obrigado pelo teu comentário, pertinente e oportuno.

Todos estas homens que tu combateste, que nós combatemos, já morreram, exceto o Manuel Saturnino, se não me engano... Alguns foram para o "outro lado", também por "culpa nossa": o caso do Domingos Ramos, pro exemplo, que foi camarada do "comando" Mário Dias, nosso grã-tabanqueiro da 1ª hora... Estiberam juntos no 1º CSM, feito na Guiné, em 1959... (O Mário fez a tropa na Guiné, odne vivia desde muito jovem).

O Domingso Ramos, que será morto num ataque a Madina do Boé, em 1966, terá ido para o PAIGC, logo em 1960, depois de ser vítima de um "comportamento racista" de um oficial português, quando ele era cabo miliciano... (Quem contou, aqui no blogue, foi o Mario...).

Em campos opostos, Domingos Ramos e o Mário Dias continuaram a ser amigos, quando se encontram os dois, no mato, em 1965, na zona do Xitole, de armas na mão, um com a Kalash, outro com a G3...

Houve uma guerra, um conflito, porque havia duas partes... (na realidade, havia muitas mais, dos chineses aos suecos, dos russos aos cubanos...).

Os nossos serviços de informações (incluindo a PIDE/DGS) preocupava-se em saber "quem era quem"...No nosso blogue, também temos curiosidade em saber "quem era quem", de um lado e do outro...Quer queiramos quer não, alguns destes homens e dos seus subordinados cruzaram-se connosco... Não imaginas a "paz de espírito", a "serenidade", a "gratidão2 com que o António Fernando Marquesm e agradeceu, a mim, o ter descoberto (neste arquivo, o do Amílcar Cabral, integralmente tratado pelos competentíssimos técnicos da Fundação Mário Soares) o nome do sapador que nos pôs, a ele e a mim e às nossas duas secções do 4º Gr Com/CCAÇ 12, em Nhabijões, no dia 13/1/1971, uma bruta mina A/C para nos matar a todos... E depois pediu-me:
- Sabes mais alguma coisa desse tal Mário Mancassá ? Será que ainda é vivo ?...

Também há tempos descobri o homem que lançou o Strela contra o Miguel Pessoa... Esse já morreu , na guerra civil de 1998... Caba Fatyi, de seu nome...

E sabes o que Miguel escreveu sobre ele (ou a propósito da informação que eu lhe deu) ?

Escreveu palavras de grande nobraza e dignidade que só o honram, como militar, como português e como homem... Deixa-me reproduzir aqui, a seguir, depois de te mandar um bom "quabra-costelas", á maneira da tua terra, Ponte Sor... LG
______________

"Luís.

Recebi esta tua notícia e não consigo encontrar um comentário adequado para te enviar. Bom, pensei 5 segundos e afinal cá vai este, só para ti:

Pelos vistos, ele teve mais sorte com os portugueses do que com os seus compatriotas...

Abraço. Miguel

PS - Devo dizer que nunca o encarei a ele como o "homem que me quis matar". Numa guerra muitas vezes nem há ódio envolvido nas acções que fazemos; trata-se, não de "querer matar alguém", mas sim de "querer evitar que alguém nos mate". Por isso nunca tive qualquer ódio ou ressentimento contra o Caba Fati, embora também não houvesse motivo para querer fazer dele meu "amigo do peito".

Por causa disto, lembrei-me daquela máxima que por vezes usávamos com ironia:

"Herói não é aquele que morre pela sua Pátria mas sim aquele que faz o inimigo morrer pela Pátria dele".

Quer-me parecer que, no nosso caso, mais do que heróis, houve mártires (que lá ficaram ou vieram estropiados ou traumatizados) e sobreviventes (que ainda andam por aí a tentar saber o porquê do sacrifício que lhes foi pedido)." (...)

28 DE ABRIL DE 2009

Guiné 63/74 - P4259: (Ex)citações (26): Caba Fati: Nunca poderia ser amigo do peito, mas também nunca senti ódio contra ele (Miguel Pessoa)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2009/04/guine-6374-p4259-excitacoes-26-caba.html

Anónimo disse...

Olá Camarada
Esta carta não traz nada de novo.
Sempre soubemos que o PAIGC era apoiado pelo PC da China.
Creio que esse apoio não deve ter tido grande efeito.
Os militantes que eram seleccionados não deviam ser os melhores e mais aptos, mas eram os disponíveis...
Seria bom que tivessem seguido a prendido procedimentos de organização de um país e outras áreas que não apenas a da guerra...
Não terá sido assim e o resto já sabemos...
Um Ab.
António J. P. Costa

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Do pouco que hoje sabemos do Amilcar enquanto dirigente do PAIGC, nao é dificil concluir que ele e a direccao do Partido, pelo menos até Jan.1973, estavam empenhados sim, mas nao obcecados pela Guerra em si e, sempre procuraram encontrar saidas politicas que nunca encontravam respostas favoraveis do outro lado.

A precupacao com a organizacao e administracao da economia e da sociedade depois da independencia era preocupacao constante, ja nesta altura, e muitos jovens foram depois enviados para formacao em paises amigos, da altura (Num post recente,o Pepito fez referencia as contradicoes surgidas, mais tarde, entre os quadros oriundos dos diferentes horijontes politicos e culturais que é perfeitamente normal).

As pessoas sao unanimes em dizer que o Amilcar conduzia a guerra, mas estava sobretudo preocupado com os aspectos do apos-Guerra; a tal questao filosofica colocada pelo Jornalista Portugues em 1972.

Um abraco amigo,

Cherno Baldé,

PS:
a)- A minha opiniao nao deve ser vista como nacionalista ou coisa que valha, porque, nao sendo um inimigo feroz, também, nunca aderi as fileiras do PAIGC tendo, no entanto, vivido sempre na Guiné.

Luis Graca, acho que o apelido correcto do homem seria (Mario)Nancassa e nao Mancassa.

Antº Rosinha disse...

Amílcar Cabral, fundador do PAIGC mas também do MPLA, fazia parte dos milhares de "burgueses" termo dele próprio, e que do ultramar vinham a Portugal para estudar ou para o Benfica e outros clubes.

Outros que não vinham estudar, vinham com os pais em férias.

Como tal conheciam a terra deles como ninguem, e também a metrópole e as gentes de cá, melhor que nós próprios.

Os poucos que se transformaram em revolucionários sabiam que as fragilidades de Portugal eram imensas e que Portugal era muito limitado.

E sabiam como cativar a simpatia das potências (China, URSS, EUA) para o seu lado.

Talvez o mais difícil para Amílcar foi criar este "saco de gatos" que se chama PAIGC.

Como correu tudo muito mal e muito violento, os guineenses hoje ainda não sabem como devem honrar a memória de Amílcar Cabral.

Era bom que cá se comece a pensar como em Bissau, que não foi Spínola nem a PIDE que mataram Amílcar Cabral.