terça-feira, 17 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12053: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (60): Nos trilhos da guerra

 


1. Em mensagem do dia 14 de Setembro de 2013, o nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) enviou-nos o 60.º episódio da sua série Viagem à volta das minhas memórias.




VIAGEM À VOLTA DAS MINHAS MEMÓRIAS (60) 

1 - Nos “trilhos da guerra”

Introdução

Vinte e cinco longos meses passados na Guiné, em defesa da Bandeira Portuguesa, tiveram a sua origem em todo um trajecto preparatório que se espraiou por diversas regiões do, à altura, ”Portugal do Minho a Timor”.
No meu caso metropolitanas, essas andanças em aprendizagens diversas, que se estenderam por uns quinze meses, levaram-me por ordem cronológica, a Caldas da Rainha, a Lamego, a Tancos, a Évora e a Oeiras (Espargal) de onde saímos uma madrugada, para embarcar no Carvalho Araújo, que nos levaria num “cruzeiro” em mares por vezes alterosos, excursando por duas ilhas nos Açores e por Cabo Verde até nos largar no destino: Guiné

 “Viagem à volta das minhas memórias” ficará com certeza menos incompleta se nela forem incorporadas lembranças deste período preparatório, também ele longo e recheado de momentos e peripécias que me ficaram retidos em memória, e que por vezes relembro com saudade e prazer.

Com um filho já a prestar serviço militar na Guiné, na hora da minha ida à inspecção, minha mãe dizia que a guerra não chegaria até mim, ao que meu Pai retorquia com um “vamos a ver…,vamos a ver?!”.
Filho “caçula” de cinco, quatro rapazes e uma rapariga, quatro anos me separavam do irmão seguinte, que estava mobilizado na Guiné (Alf - 3ª CCmds) e dez da irmã, a mais velha.

Com o filho ainda na Guiné, meus Pais viram o mais velho dos rapazes avançar para Angola (Alf -médico), ao que me parece saber em opção à faina do bacalhau que lhe teria sido proposta.
Entrementes, se não erro, o filho do meio, Alf Eng fica-se por Beirolas (material de guerra?).

Depois… bem, depois as dúvidas de meu Pai confirmaram-se e arranquei eu para a Guiné estando ainda meu irmão em Angola, a par do outro na Metrópole. Só dos Açores dei conhecimento por Bilhete Postal, o que quererá dizer que já estaria n Guiné quando meus Pais souberam! Achei, talvez mal, melhor assim. Explicarei posteriormente!

Assim, de 66 a 72 tiveram quatro filhos a prestar Serviço Militar, sendo que, em permanência e com sobreposições temporárias, um de três filhos mobilizado no Ultramar. Se fosse Enfermeira se calha nem a filha teria escapado! Não há dúvidas que, como tantos outros, a minha família deu um bom contributo para o esforço de guerra na defesa de um Hino e de uma Bandeira, símbolos que se sentiam.

Tendo “chumbado” a Matemática e Física no sétimo ano e como “manobra de recurso“ não ter corrido nada bem a prova de desenho no Instituto Engª Porto (?) (actual ISEP), não me foi possível ingressar na Medicina ou na Engenharia Técnica. Ponderada a situação, com possibilidade de adiamento de incorporação e já a trabalhar, optei por me voluntariar para a tarefa militar, já que a guerra parecia estar para durar. Ganharia tempo e como militar passaria a poder ter mais uma época de exames (mais facilitados?), creio que em Janeiro, o que acabou por me não ser possibilitado.

É facto que, se tudo tivesse corrido normalmente, minha Mãe acabaria por ter tido razão e eu não teria talvez ido para aquela guerra, já que estaria a cursar. Assim, o meu destino imediato: 

CALDAS DA RAINHA - RI 5
Chegado antes da hora estipulada, um magote de Mancebos aguarda ao portao de entrada, mirando-se na esperança de reconhecimentos. Claro que os houve, alguns até seriam das mesmas terras. Quanto a mim, conterrâneo e amigo, julgo que só o A. Varela.

Não recordo já o seguimento, talvez partes burocráticas e apresentação distribuição por Companhias. A mim coube-me a 3.ª
Giacomino Mendes Ferrari era o Comandante do RI5.
Distribuída a Companhia, houve que escolher o beliche e respectiva cama, situação que me parece recordar, resolvida sem conflitos, pela generalidade da Mancebagem!

Nova fase da vida:
INSTRUENDO
Dos Instrutores recordo o nome do 1.º Cabo Mil Op Esp Henrique(s), nariz meio ”apapaigado”, inicialmente incisivo e meio duro mas… compreensivo. A mandar ”encher"… era useiro e vezeiro!! Até que gostei dele! Do Capitão e do Alferes, não lembro nada. Do outro Cabo Mil, recordo as feições ao tempo arruivado, mas do nome???

Começam as formaturas, a Ordem Unida, as aulas em semicírculo de armas e outras…
A injecção mata-cavalo a uma 6.ª feira e o recambiamento para casa com instruções para mexer bem o braço!!!
Depois, as marchas, os obstáculos… enfim a dureza vai aumentando gradualmente, a par de um entrosamento mais confiante entre os deveres e obrigações e a própria hierarquia.

A minha/nossa guerra havia começado e estaria para ficar durante longos meses.

Luís Faria
____________

Nota do editor

Último poste da série de 23 DE FEVEREIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11142: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (59): "Está na mala", azimute: "peluda"

8 comentários:

manuel maia disse...

OLÁ LUÍS,


COITADOS DOS TEUS PAIS QUE VIVERAM NUM SUFOCO TERRÍVEL DURANTE OITO ANOS...
MAS TUDO ACABOU POR CORRER BEM.
ABRAÇO
mm

Cesar Dias disse...

Luis Faria
Também a minha mãe viu partir dois filhos em 24 horas. Um no dia 6 e outro no dia 7 de Maio de 1969, um para Angola outro para a Guiné, eu como era o mais novo e tinha sido o ultimo a ser mobilizado, poderia ficar por ser amparo de mãe, mas quando o meu irmão voltasse iria eu. Perante esta alternativa optámos por seguir tentar a sorte.
Um abraço
César Dias

Cesar Dias disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
manuel carvalho disse...

Caro Luís

Também eu quando fui para a Guiné não disse a ninguém, pensando eu estupidamente que evitava tanto sofrimento à minha mãe. E então escrevi uma carta de Sta. Margarida no dia da partida já bem bebido foi pior a emenda que o soneto a minha mãe todos os dias à noite lia a carta e chorava até que omeu pai queimou a carta.É uma das coisas que eu fiz na minha vida de que muito me arrependo ainda hoje.Quanto ao fornecimento de carne para canhão os meus pais não ficaram atrás de 67 a 74 foram cinco mancebos, dois na Guiné um em Angola e dois ficaram cá mas o ultimo foi o 25 de Abril que o safou. Chegamos a estar um na Guiné outro em Angola e outro em Chaves ao mesmo tempo.Vidas.
Manuel Carvalho

armando pires disse...

ÀH! bom, Luís Faria.
Além de um e outro termos andado por Bula, também assentámos praça nas Caldas da Rainha.
Bonito, sim senhor.
armando pires

Anónimo disse...

"... a minha família deu um bom contributo para o esforço de guerra na defesa de um Hino e de uma Bandeira, símbolos que se sentiam." Seria bom que nunca esquecêssemos esse sentido patriótico.
A minha história difere da tua. No dia em que os meus pais e irmãos partiram para os EUA recebi a ordem da C. M. Horta para me apresentar em Tavira.
Só voltaria a reunir-me com a família cerca de 44 meses depois.
Abraço.
José Câmara

JD disse...

Viva Luís!
Em 9 de Janeiro de 69, um dia chuvoso, enquanto devia estar a receber a Gigliola Cinqueti (lembras-te?), abalava de Cascais com o meu amigo Tito Martins, para essa faina de defender a Pátria. Fui colocado na 6ª.Companhia, comandada por esse gordinho buliçoso de nome Vasco Lourenço, e no pelotão do tenete Clemente, um porreirão,e rapidamente tornei-me numa espécie de seu assessor. Havia ainda um cabo-miliciano de bom recorte moral e excelente trato, o Mourinho.
Ainda à civil, numa fila antes de receber o material, e já estava a dar nas vistas quando um furriel rangerizado vinha com duas ou três praças rapinar os petiscos que a malta carregava, à cautela.
Nunca tinha sido interno, mas comecei a dar barracas que podem ter sido decisivas para que o pelotão abrisse o desfile no dia do juramento, e talvez tenha valido um louvor ao tenente. Foi uma recruta de rebaldaria, mas de encenações eficazes, e constituíu excelente preparação para a guerra.
Fartei-me de reinar.
Aquele abraço
JD

Juvenal Amado disse...

O meu irmão esteve em Moçambique e como é mais velho que eu seis anos também a minha mãe pensou que a guerra acabaria antes de chegar a minha vez.
Grande erro.
Assim 8 dias antes de fazer 22 anos mais precisamente a 9 de Junho de 1971 entrei no CICA4 em Coimbra.