terça-feira, 17 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12050: 9º aniversário do nosso blogue: Os melhores postes da I Série (2004/06) (17): Memórias de Guileje ao tempo da CART 1613 (1967/68), por José Neto (1929-2007) - Parte V: Terra de ecumenismo e tolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos (I): A capela






Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 1 > Vistas diversas da capela. Na pequena festa de inauguração da capela,  e a convite do Capitão Corvacho, o Régulo Suleimane compareceu com toda a sua família e vestido a rigor, embora fosse muçulmano.




Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) 1967 > Fotos do álbum de José Neto > Guileje 2 > Início das cerimónias do Ramadão. O régulo em traje de gala.


Fotos: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: L.G.]


1. Continuação da republicação das memórias do 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (, falecido em 2007, com o posto de capitão reformado), relativas à sua comissão na Guiné, quando exerceu funções de 1º sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68).

O Zé Neto, como era conhecido entre nós, é um dos primeiros 50 camaradas a ingressar no nosso blogue. Hoje somos 12 vezes mais, a maior parte dos tabanqueiros não o conheceram nem têm acesso à sua colaboração, dispersa, incluindo as valiosas fotos do seu álbum . Daí também esta nova edição dos seus postes sobre Guileje, no ano em que celebramos o 9º aniversário. Por outro lado, fez 40 anos, a 22 de maio de 2013, que as NT retiraram de Guileje.

2. Memórias de Guileje, ao tempo da CART 1613, por José Neto (1929-2007) > Parte V:  Terra de ecumenismo e tolerância religiosa entre cristãos e muçulmanos (I)


Uma das boas características do meu pessoal era a de que não gostavam de estar parados nos intervalos das operações. Cada um, nas suas profissões ou aptidões, ia bulindo e foi assim que  (i) se reconstruíram e melhoraram abrigos, (ii) se implantou uma horta que aproveitava a água, depois de decantada, dos chuveiros das praças e (iii) se construiu a obra mais emblemática que deixámos em Guileje: a Capela.

Por sugestão do capelão, Padre João Batista Alves de Magalhães, que apenas pediu um coberto para oficiar a missa quando ia a Guileje, pois dava a volta a toda a área da responsabilidade do batalhão, os Furriéis Maurício (Transmissões) e Arclides Mateus (Atirador), ambos com conhecimentos de desenho de construção civil, planearam e dirigiram a construção do pequeno templo.

Vinte ou trinta anos depois muito se falou em ecumenismo e outras ideias do mesmo sentido, mas nas profundezas da Guiné isso já se praticava.

Na pequena festa de inauguração da Capela e a convite do Capitão Corvacho, o Régulo Suleimane compareceu com toda a sua família e vestido a rigor, embora fosse muçulmano.

As portas da Capela nunca se fecharam. Os europeus iam lá fazer as suas orações e nunca constou que alguém tivesse mexido fosse no que fosse. Do mesmo modo, quando da celebração do fim do Ramadão, com rituais próprios, mas completamente desconhecidos para a quase totalidade dos rapazes, estes comportaram-se com respeito, a que não faltou uma ponta de curiosidade, é certo.

Saliento o facto ocorrido durante a festa do fanado em que as meninas foram preparadas para a, para nós bárbara, ablação de parte dos seus órgãos genitais.

Atraídos pela música, os militares metropolitanos acercaram-se do local onde decorria o ritual – as meninas postadas à volta do enorme almofariz enquanto as mulheres, com o pilão, moíam cereais cuja farinha se derramava sobre as cabeças das ainda crianças – e sem quaisquer constrangimentos dançaram e cantaram como se fossem parte da cerimónia.

Houve nesta festa uma excepção que me apraz referir: eu fui o único fotógrafo autorizado a registar as cenas preliminares. Na palhota onde se procedeu à cirurgia nem pensar.

Tal deferência nada tinha a ver com o meu cargo ou posição na companhia, mas sim porque quando o correio me trazia os slides revelados, eu montava o cenário e mostrava à população as suas caras e os seus lugares que provocavam grandes ovações e expressões de alegria dos visados. Era o que chamavam de cenima do nosso sargenti.

(Continua)

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3 comentários:

Luís Graça disse...

(...) "Houve nesta festa uma excepção que me apraz referir: eu fui o único fotógrafo autorizado a registar as cenas preliminares. Na palhota onde se procedeu à cirurgia nem pensar. (...).

Infelizmente, o Zé Neto já n
ao está cá para comentar ou acrescentar algo mais sobre esta cerimónia do "fanado"... De qualquer modo, é ele próprio que qualifica de "bárbara" (aos olhos dos tugas) a cerimónia:

"Saliento o facto ocorrido durante a festa do fanado em que as meninas foram preparadas para a, para nós bárbara, ablação de parte dos seus órgãos genitais."... Repare-se na frase: (...) " preparadas para a, para nós bárbara, ablação de parte dos seus órgãos genitais"...
A Organização Mundial de Saúde, as Nações Unidas, a comunidade científica, a opinião pública internacional não usam mais efemismos na designição dessa prática... Chamam-lhe pura e simplemente como "Mutilação Genital Feminina" e hoje é criminalizada na maior paret dos países decentes... Os fulas, hoje, e nomeadamente os que conviv eram connosco, ou que foram nossos camaradas, já não a defendem (a excisão). E, no entanto, era uma prática conhecida pelos nossos antropólogos e autoridades coloniais... As autoridades civis e militares, na época colonial, fechavam os olhos. O Amílcar Cabral também nunca se lhe opôs, que eu saiba. Nem sei se alguma vez se pronunciou sobre esta brutal violação dos direitos humanos. Nós, mesmos os mais informados, também assobiávamos para o lado... E quando muito tínhamos uma visão "etnocêntrica" desta milenar prática cultural, muito mais antiga que o Islão...Num próximo poste vamos publicaas as fotos, possíveis, que o Zé Neto tirou na festa do fanado de Guileje, em 1967 (presumo eu)...

Anónimo disse...

Meu Caro Luís
Aos olhos dos Tugas? Ké isso de Tugas?
Eu sou português que é aquilo que todos somos.
Etnocentrica? Desde quando a sensibilidade e a atenção para com os outros - neste caso as crianças - é uma prática etnocentrica?
Já disse noutro comentário que "os tempos eram outros" e, por isso temos e de aceitar a tal prática bárbara, sem ir procurar significados e etnologias.
Bárbaro é bárbaro e mais nada!
Não sei se o Amílcar Cabral era a favor ou contra essa prática. Se era a favor, confirma-se que seria mais um dos grandes leaders da África... Mas não entendo como é que um homem que formado pela universidade de Lisboa poderia aceitar esse prática.
Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Joaquim L. Fernandes

Ilustre camarada Luís Graça

Peço licença para discordar da classificação de ecumenismo às práticas e comportamentos dos militares portugueses, na sua maiosia cristãos católicos, e dos povos islamitas de Guileje, nesses anos já remotos e tão presentes de 1967/68. O que observo é uma louvável
tolerância religiosa no respeito recíproco, a dizer bem dos dois Povos: Guinéus e Portugueses.

Ecumenismo seria a participação conjunta nas celebrações e orações uns dos outros, dirigidas ao Deus Único, Senhor de toda a Criação. Não está evidente nas imagens e descrições, que era isso que se passava.

Com amizade, um abraço.

J.L.F.