terça-feira, 10 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12024: Blogoterapia (234): É muito difícil para mim falar da guerra da Guiné (Francisco Baptista)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 6 de Setembro de 2013:

É muito difícil para mim falar da guerra da Guiné.
Porque eu não quis essa guerra nem as das outras colónias.

Três ou quatro anos antes de ser mobilizado comecei a fazer uma reflexão sobre a sua justiça e sobre a sua utilidade e cheguei à conclusão que humanamente não era justa nem sequer útil para Portugal.

Para esse estudo baseei-me em jornais e revistas menos afectos ao regime que a censura permitia e nalguns livros poucos, recordo um livro escrito por um exilado romeno que defendia as ideias do regime (ainda tenho esse livro, na aldeia, já não sei onde). Nesse tempo nunca pertenci a nenhum grupo politico ou associação ideológica de qualquer tipo. As conclusões a que cheguei foram pois independentes e autónomas, naturalmente influenciadas pelas leituras que fiz.

Atendendo a isso travei uma batalha muito desgastante comigo mesmo para decidir qual a melhor atitude a tomar. Quando não se toma nenhuma atitude, os outros tomam-na por nós. Foi o que me aconteceu, obrigaram-me a ir para a tropa e a ir para a Guiné lutar por uma causa que eu considerava perdida.
Outros já tinham entendido o mesmo e muitos outros entenderam isso depois, incluindo estrategas políticos e militares.

Foram muitos, que eu não conheci, que fugiram para a Europa livre, muitos por caminhos difíceis de contrabandistas.
Alguns deles só por medo, e outros porque resolveram votar (e ter voz) da única forma que o regime lhes permitia, com os pés.
Estes últimos admirei-os a par dos outros, esses foram um milhão ou mais, que na década de sessenta fugiram em massa à miséria a que estavam condenados.
Outros houve, encontrei alguns na Guiné, que com mil pretextos ou cunhas procuraram a paz e a segurança de Bissau, não eram maus tipos, talvez só tivessem medo e não tivessem tido a coragem de fugir para a França.
Por causa desses, tendo eu já 17 meses de "mato" em Buba, quando a CCAÇ 2616 regressou, fui empandeirado para a CART 2732 em Mansabá.

Na altura não me queixei porque talvez eu não quisesse mesmo ficar em Bissau, a aturar os burocratas da guerra, Não gostei foi do abuso e falta de consideração das chefias de Bissau.
Aos beneficiários "activos" desses atropelos das regras, sem os apreciar tolero-os.

Lisboa > 4 de julho de 2012 > A lista infindável de mortos... 1969, 1970, 1971, 1972...
Foto: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados.

A minha homenagem vai sobretudo porém para todos os camaradas que morreram ou ficaram estropiados no fogo cruzado do regime e dos movimentos de libertação, alguns deles pouco crentes nessa luta.
Vai igualmente para todos os outros combatentes que, por convicção própria, se bateram com coragem por Portugal pois foi como um chamamento da Pátria que entenderam a sua ida para as várias frentes de combate. Muitos deles pertencentes às tropas especiais também por lá ficaram e outros regressaram com marcas terríveis duma guerra atroz.

Continuo a pensar em todos eles com muito respeito e admiração.

Um abraço a todos
Francisco Maria Magalhães Baptista
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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE JULHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11868: Blogoterapia (233): A Bem da Nação!... A Medalha Comemorativa das Campanhas das Forças Armadas Portuguesas, Guiné 1968/70... (António Azevedo Rodrigues, Comando de Agrupamento 2957, Bafatá, 1968/70)

8 comentários:

Anónimo disse...

Caro Camarada, respeito a tua opinião, que considero, mas que não aceito, por várias razões. Aquilo que pensaste 4 anos, todos nós pensámos mas não com tanta antecedência. Tratava-se dum dever e haveria que aceitá-lo. Tratava-se lá, de matar ou morrer. E quando tivémos que ver os amigos ali sem vida,( e também esses poderiam ser os teus heróis se tivessem fugido). vinha-nos apenas o desejo de vingança e vingava-mo-nos. De qualquer forma e porque mencionas apenas o teu respeito por aqueles que se bateram por convicções próprias e por isso me eliminaste, sempre te digo: A MAIORIA DE TODOS NÓS, FOMOS PARA LÁ OBRIGADOS.
De Veríssimo Ferreira
Fur.Mil. CCAÇ 1422 Guiné 65/67

FARINHA disse...

Respeito a opinião deste combatente.
Não concordo com ela. A maioria combateu por convicção e por amor a Portugal. Depois do 25 de Abril é moda ter ido para o Ultramar sem convicção.
É tudo caro amigo.
Arlindo Farinha
Ex-Furriel Miliciano - Bissorã.

José Marcelino Martins disse...

"Estes últimos admirei-os a par dos outros, esses foram um milhão ou mais, que na década de sessenta fugiram em massa à miséria a que estavam condenados."

Aqui há um erro de análise que é necessário, para que não haja atropelos, fazer sobressair.

Não sei onde o camarada de armas Francisco Barista obteve este "número".

É que sem fazer "grandes calculos" chega-se à conclusão de que 10% da população portuguesa, já que os censos indicam cerca de 10 milhões de recenceados, teria desertado.

Outra comparação: asestatisticas indicam que, para o ultramar, foi mobilizado um milhão de homens, da matrópole e das províncias ultramarinas.

Será que na população portuguesa havia, entre 61 e 73, 20% da população entre os 10 e 21 anos?

Sinceramente, creio que não.

Acrescento que, num estudo por mim efectuado e baseado nos dados da CECA, entre 1961 e 1973, com dados corrigidos já que há dois anos sem elementos, estavam recenseados 1.097.049 mancebos, e faltaram à inspecção 197.348 recenseados, o que representa 17,98%.

O estudo que refiro está publicado em ultramar.terraweb - Recenseamento, Inspecção e Distribuição de Pessoal Militar -
1961 a 1973

Anónimo disse...

Os "ideais" e os números näo estaräo de acordo.
Infelizmente säo os "números"que sempre acabam por ter razäo.

Francisco Baptista disse...

Alguém disse um dia que a clareza era a cortesia de quem escrevia. A frase não sendo bem esta pode adaptar ao caso. Peço pois desculpa por não ter sido claro e por esse motivo ter recebido só criticas dos comentátios remetidos.
Pela consideração que devo a todos vou tentar esclarecer algumas dúvidas:
O Verissimo Ferreira diz que eu só respeito os que se bateram por convicção própria e que portanto o exclu-o a ele já que como a maioria foi para lá obrigado. Isso não é verdade porque tu camarada tal como eu , não estás referido no parágrafo que homenejeia todos os camaradas"que morreram ou ficaram estropiados no fogo cruzado do regime e dos movimentos de libertação, alguns deles pouco crentes nessa luta", mas facilmente se subentende que a mesmo respeito se deve aos sobreviventes na mesma situação.
Quanto ao Farinha acho que temos opiniões que não coincidem mas reafirmo que sempre respeitei as convicções de uns e de outros. Só nunca concordei muito com alguns comportamentos.
O José Marcelino Martins discorre bastante sobre um assunto que não merece tanta análise. Amigo José Marcelino na sequência do parágrafo anterior eu escrevi"Estes últimos admiro-os a par dos outros, esses foram um milhão ou mais, que fugiram em massa, à miséria a que estavam condenados" ESte milhão ou mais, fala dos nossos emigrantes, que representavam à época a classe mais pobre do país. Normalmente os desortores até pertenciam às classes médias baixa ou alta. Quantos fugiram não sei, talvez centenas ou poucos milhares.
O Joseph Belo procura dar a machadada final e com todo respeito que merece um portugês estranjeirado apetece-me dizer " também tu meu filho Bruto"

Um Abraço a todos
Francisco Baptista

Anónimo disse...

Aquele que não é PATRIOTA não merece ser PORTUGUÊS.

Cumprimentos,
Constantino Costa

Anónimo disse...

Meu Caro Francisco Batista.
Lamentavelmente, os meus mais que óbvios limites como "escritor" näo teräo tornado de fácil compreensäo a melancolia do meu curto comentário anterior.
De modo algum crítico ao que por Ti foi escrito,mas antes um amargo reconhecimento de ser impossível uma "Dialéctica-Estatística" entre números e ideais.
Um grande abraco do José Belo.

Francisco Baptista disse...

Joseph Belo , procuei no blogue e fiquei espantado com a qualidade da tua escrita. É leve, espirituosa e cheio de humor. Humor por vezes díficil de alcançar por mim. Para mim apesar da tua modéstia , quando falas nos teus óbvios limites de escritor, não posso falar de todos os deste blogue porque ainda não os conheço, mas tu és do melhor que já encontrei. Há muita literatura editada que não tem a qualidade daquilo que tu escreves.
Será a mistura de raças que tu terás e de ambientes sociais, culturais, ambientais e outros que te fazem tão universal sem deixares de ser português!
Muito obrigado pelo teu primeiro comentário porque foi a forma de conhecer a qualidade da tua escrita.
Sou um tosco a escrever, mas para mim a literatura é a arte sublime, a arte a que sou mais sensível.
Peço desculpa ao Carlos Vinhal e ao Luìs Graça porque em termos de tempo do blogue já me estarei a exceder , mas talvez fosse a oportunidade de manifestar o meu grande apreço pelas qualidades literárias deste camarada.
A todos um grande abraço

Francisco Baptista