sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11969: Notas de leitura (513): "Misiones en Conflicto, La Habana, Washington y África, 1959-1976", por Piero Gleijeses (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Maio de 2013:

Queridos amigos,
Trata-se de uma obra fundamental para conhecer o que foi a participação dos cubanos ao lado do PAIGC.
O encontro entre Che Guevara e Cabral, em Conacri, terá sido determinante, numa primeira fase. Depois, quando Cabral participou na Conferência Tricontinental, em Havana, Fidel ficou impressionado pela sua ideologia e determinação. 1966 é o ano que marca a presença de cubanos a formar artilheiros, como médicos, como consultores. Será assim até à independência efetiva.
Para os cubanos, foi o seu maior êxito em África. E os comandantes do PAIGC nunca esqueceram esta colaboração.

Um abraço do
Mário


Os cubanos na Guiné (1)

Beja Santos

“Misiones en Conflicto, La Habana, Washington y África, 1959-1976”, por Piero Gleijeses, Editorial de Ciencias Sociales, La Habana, 2007, é o livro indispensável para conhecer a natureza da participação dos cubanos na luta armada da Guiné. Piero Gleijeses é um prestigiado investigador de origem italiana, professor nos Estados Unidos, que durante anos procedeu a uma minuciosa pesquisa nos arquivos e entrevistou pessoalmente centenas de participantes em diversos conflitos africanos onde houve intervenção cubana. Em Janeiro de 1967, Fidalgo Castro não escondia o seu pessimismo sobre as questões africanas. A única exceção era o PAIGC, e este ponto de vista coincidia com as informações que a diplomacia norte-americana transmitia para Washington (que o PAIGC era o movimento de libertação nacional mais bem-sucedido de África). Para um movimento revolucionário cubano, a Guiné tornara-se na sua prioridade estratégica em África.

O professor Gleijeses procura caraterizar Cabral. O líder do PAIGC era admirado pela maneira como tinha desenvolvido a mobilização política e sabido estabelecer novas estruturas políticas nas zonas libertadas. Era respeitado por toda a gente. Os seus estudiosos mais próximos não ignoravam a sua influência marxista, mas reconheciam que ele não era marxista. E cita-se um dos seus principais biógrafos, Patrick Chabal: “Chegou a ver o marxismo como uma metodologia e não como uma ideologia. Se considerava útil para analisar a sociedade guineense, servia-se dele. Quando o método era insatisfatório, abandonava-o sem hesitação”. De igual modo, os cubanos sabiam que ele não era comunista, definiam-no como um líder progressista com ideias muito avançadas e uma grande clareza sobre os problemas africanos. Além disso, era considerado um grande comandante e tático militar, as suas decisões eram acatadas e ele sentia-se diretamente responsável pela coordenação das operações. Aprendeu muito com o desaire de Novembro de 1966, os líderes do PAIGC julgavam que iam tomar Madina do Boé e tiveram um enorme fracasso, Cabral aprendeu a lição, adotando a técnica do desgaste e do confinamento das unidades militares portuguesas dentro do arame farpado.

Os primeiros contactos do PAIGC com Cuba datam de 1963, cinco membros do PAIGC receberam bolsas e foram Cuba em 1964. Che Guevara esteve em África três meses, em 1964, foi então que se consolidou o vínculo com o PAIGC. Che reuniu-se em Conacri com Cabral, em 12 de Janeiro de 1965. Começaram a chegar armas e medicamentos a partir de Maio. Em Julho desse ano, um punhado de cabo-verdianos que havia estudado na Europa, partiu de Argel para Havana para receber treino militar. Em Janeiro de 1966, Cabral fez a sua primeira viagem a Cuba, participou na Conferência Tricontinental. Os serviços secretos norte-americanos consideraram que foi o mais influente dos participantes africanos e que tinha causado uma boa impressão nos anfitriões. Fidel e Cabral encontraram-se em privado, acompanhados de Oscar Oramas. Cabral pediu insistentemente artilharia e instrutores, Fidel compreendeu que também necessitavam de médicos e meios de transporte mais eficazes. Após estas conversações, Fidel convidou Cabral para uma viagem que durou três dias em Cuba. Cabral pediu igualmente que fosse nomeado um novo embaixador para Conacri que servisse de ligação com o PAIGC, e Fidel nomeou Oscar Oramas.

É partir daí que começa o fornecimento de bens muito apreciados: tabaco, peças de algodão, açúcar, uniformes, camiões com peças de substituição, munições. Em Março de 1966, Oramas entrega a Sékou Touré uma mensagem de Fidel informando-o que Cuba tinha decidido dar uma ajuda ao PAIGC importante e pedia a melhor colaboração de Conacri.

Dois artilheiros e três médicos chegam a Conacri em 8 de Maio, a seguir vieram os técnicos cubanos. As promessas de Fidel a Amílcar começavam a ser cumpridas. Em pouco tempo, estavam 31 voluntários (11 especialistas em artilharia, 8 motoristas, 1 mecânico, 10 médicos) ao serviço do PAIGC coordenados por um oficial dos serviços secretos, o tenente Aurelio Ricard. Fidel tinha pedido voluntários de cor escura, para não dar nas vistas, data dessa altura a determinação de Cabral no uso da maior discrição na participação militar cubana, que será sempre omitida, mesmo quando, em 1969, o capitão Peralta for preso. Mas rapidamente os cubanos se tornaram notados em Conacri, a fumar os seus charutos.

A missão militar cubana destinada ao PAIGC tinha o seu quartel-general em Conacri. O relacionamento entre o PAIGC e Aurelio Ricard foi muito mau. Será substituído por Dreke, que tinha regressado do Zaire. Dreke virá a ser muito apreciado pelos comandantes do PAIGC.

Em Abril de 1967, havia quase 60 cubanos na Guiné. No ano seguinte, Schulz será substituído por Spínola, numa altura em que a situação militar se debilitava do lado português. O embaixador norte-americano em Dakar escrevia para os seus superiores: “Resta saber se a ajuda cubana será suficiente para conter a ofensiva portuguesa". Depois do insucesso parcial da invasão de Conacri, quando se agravou o isolamento diplomático português, Cabral pediu novas armas para os seus cerca de 7 mil soldados bem armados e treinados. Entretanto, o PAIGC ia-se convertendo num símbolo de orgulho que chegava aos afro-americanos, o partido das Panteras Negras quis mandar voluntários para a Guiné, o seu dirigente Stokely Carmichael viajou para Conacri, Cabral recebeu a proposta de apoio com imensa prudência. Depois Carmichael casou-se com Miriam Makeba e nunca mais se falou em apoios ao PAIGC.

Em que consistia a assistência militar cubana? É preciso ir atrás e recordar que o PAIGC não aceitava voluntários estrangeiros, ou melhor, e dito por Cabral em várias entrevistas, só aceitariam assessores militares, e nada mais, considerava que os voluntários iam roubar aos guerrilheiros a grande oportunidade de se afirmarem perante a história. Ora os cubanos chegaram a Conacri a pedido de Cabral. A luta armada, na ótica de Cabral, era o melhor remédio para ultrapassar as questões étnicas, mas cedo reconheceu que necessitava de especialistas sobretudo para as armas de longo alcance. Cabral limitou a participação estrangeira de duas maneiras: primeiro, só aceitou os cubanos, eles foram os únicos estrangeiros que combateram na Guiné, com a exceção de médicos, um vietnamita e um outro panamiano; segundo, reduziu a intervenção cubana a questões essenciais, recusou sempre a vinda de centenas de militares cubanos para os ajudar a atacar os quartéis portugueses.

Com o evoluir da guerra, o armamento sofisticado requeria artilheiros que soubessem fazer cálculos. Os cubanos eram também especialistas na colocação de minas e no uso de armas de infantaria mais sofisticadas. Os cubanos estiveram preparados para fazer rebentar a ponte de Ensalmá, Cabral reconsiderou e disse que não, não queria ver destruída uma ponte que viesse a exigir novas construções, ele queria no futuro uma cooperação para outras áreas e por isso recuou quanto à destruição de infraestruturas essenciais.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11954: Notas de leitura (512): Uma Breve História de África, por Gordon Kerr (Mário Beja Santos)

4 comentários:

João Carlos Abreu dos Santos disse...

... muy interesante y clarificador!

Unknown disse...

Caro Companheiro e camarada Beja Santos.
Creio que o panamenho a que te referes no teu comentario seria o Dr. Hugo Spadafora que eu conheci e com quem tive uma conversa numa das minhas viagens ao Panama.
Um abraco Ze

Anónimo disse...

Mário

Em 1968, aquando da construção de Gandembel sobre o chamado "corredor de Guileje", portanto, a cerca de de 5/6Kms. da fronteira da Guiné-Conakri, foi avistada, por pessoal da minha companhia (que fazia segurança aos trabalhos), uma coluna apeada constituída por brancos e negros.
(Claro que não pediram a identificação aos brancos...)
Alberto Branquinho

antonio graça de abreu disse...

Um pouquinho de polémica, por favor, para agitar este nosso extraordinário blogue mas que de vez em quando navega em águas chocas. Aí vai:

Diz Mário Beja Santos:

"Cabral aprendeu a lição, adotando a técnica do desgaste e do confinamento das unidades militares portuguesas dentro do arame farpado."

Isto é verdade, corresponde às realidades que todos vivemos na Guiné? Ou é mentira e nesse caso
falar em unidades militares portuguesas confinadas ao arame farpado é um insulto a todos nós que demos suor e sangue na Guiné em guerra exactamente porque soubemos ser dignos, lutar e não estávamos confinados ao arame farpado?
Falo do que sei.
Guiné, no meu CAOP 1, Junho 1972 a Fevereiro de 1973. Desde Teixeira Pinto estive no Jolmete, Cacheu, Bachile, Calequisse, Caió,Pelundo,
Có, Bula, eu e milhares de homens a movimentarem-se todos os dias.
"Confinados ao arame farpado?" Apetece largar um palavrão.
Falo do que sei.
Guiné, Fevereiro 1973 a Junho 1973, sediado em Mansoa fui a Cutia, Braia,Jugudul, Infandre e tínhamos a estrada para Bissau aberta todos os dias, 50 kms, nem era preciso escolta. Confinados ao arame farpado?
Falo do que sei.
Junho 1973, Abril de 1974, em Cufar,tínhamos sempre livre a estrada para Mato Farroba e para Impungueda, o porto no rio Cumbijã. E saíamos para Catió, em coluna, fiz isso apenas com o meu jipe e uma Daimler a abrir caminho.
E tínhamos os meios navais, com fuzos que batiam o Cumbijã, por Cobumba, Caboxanque, Cadique, Cafal, tudo lugares que visitei.
Mais os hélis, De héli e DO estive em Empada, Bedanda, em Cacine, em Cabedu.
E eu, pequeno alferes miliciano, não era nem sou importante. Havia centenas de homens NT a deslocaram-se todos os dias fora dos seus aquartelamentos. Naturalmente sujeitos a emboscados, a contactos de fogo, à dor e à morte.
Por isso, pelo muito que fizemos e sofremos, custa-me que uma pessoa com a autoridade(?) e conhecimento do Mário Beja Santos nos venha agora dizer que o Amílcar Cabral adoptou a táctica do "confinamento das unidades militares portuguesas dentro do arame farpado."
Da Guiné que conheci, 72/74, nos
em vinte ou trinta aquartelamentos onde estive,do Norte, Centro e Sul da Guiné jamais vi
o "confinamento das unidades militares portuguesas dentro do arame farpado."
O Mário Beja Santos deve ter mais cuidados nestas suas, às vezes úteis, recensões. Ou será que ele acredita mesmo mas mentirolas do PAIGC?
É que se acredita, com cubanos e tudo, para que servem estas recensões e aprimorados estudos?


Abraço,

António Graça de Abreu