terça-feira, 6 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11910: (Ex)citações (224): Da caça, da guerra, dos copos e das nossas peripécias do dia a dia... (David Guimarães, ex-fur mil minas e armadilhas, CART 2716, Xitole, 1970/72)

1. Mensagem do David Guimarães, com data de 4 do corrente,  a propósito do poste P11903


Pois é,  Luís e mais amigos (e camaradas)... Tudo isto se passava no nosso tempo, na Guiné, e das pequenas histórias se fez a nossa história de guerra...

Estes ambientes onde todos andámos, os que lá estivemos, tinham destas coisas como a que contei. Aliás eram peripécias que no dia a dia aconteciam, umas mais giras outro menos, umas mais ou menos graciosas e outras nem tanto... A guerra, enfim, era um facto, parece que disso ninguém tem dúvidas. 

O pano de fundo de todo o combatente era a guerra, num local muito difícil de viver, a Guiné, território tão pequenino em que ela, a guerra,  se ouvia em toda a parte: quer dizer, e posso exagerar um pedaço mas não muito, sei que os obuses de Aldeia Formosa eram ouvidos bem longe, e inclusive os bombardeamentos de aviões em  zonas de intervenção do Com Chefe seriam ouvidos em toda (ou quase toda) a Guiné... 

A realidade eram as pequeninas coisas. Quando comecei a escrever neste blogue, e faz uns anitos [, em 2005,], nunca pensei em discutir em quem tinha ou não razão na guerra, Nunca vi senão operações por norma bem sucedidas, fora aquelas que o não eram e, enfim, passava-se à frente dos escritos. 

Assim leio agora reacções inflamadas,  que nós fizemos isto e aquilo, a força era esta e aquela... Fazia-se a operação tal em que se tomava conta da tabanca X do inimigo, incendiava-se e fazia-se um ronco... Depois voltava-se ao quartel e a ocupação não era feita... E Satecuta, Ponta do Inglês, disto e daquilo [, no setor L1,] ,  sempre pertenceram à tropa IN...

Também tomei boa nota de uma coisa, e muito entendem,  outros não... Sei, e por testemunhos de nossos caros camaradas,  que Mansambo, por exemplo, foi muito atacado quando se fazia a estrada para o Xitole. São testemunhos que existem aqui e são verdadeiros. No meu tempo, 1970/72,  quem me dera ter estado em Mansambo [, onde estava a CART 2714]. Quirafo, no meu tempo,  nunca aconteceu, aconteceu mal eu parti  (e parece que houve razões que facilitaram). O Xitole no meu tempo foi flagelado muitas vezes,  parece que a seguir não.... Será que temos explicações para isso ? Talvez que sim, mas isso pertence à história, só que continua mal contada e só passa a testemunho histórico passados 100 ou 200 anos. 

Porque é que a ponte Marechal Carmona estava partida? Bem,  existiam na altura três explicações: ou teriam sido eles, ou nós ou então foi um colapso da ponte. Como não interessava ao IN nem a nós dar cabo daquela via de comunicação essencial,  tanto para uns como para outros,  inclino-me para que tivesse sido um colapso. Mas que interessa isso ?  O facto é que ela estava
interrompida e está e pronto... 

Mas na vida fora de guerra também aconteciam peripécias como a caça às lebres em Cambesse, nos campos de mancarra e pela noite. Ou o  dia em que coloquei o comandante de pé a fazer a continência a um arrear de bandeira... Ou ainda o  episódio de eu e do Branquinho (António, do Pel Caç Nat 63, irmão do Alberto) a passear na zona atrás da pensão Chantra, em Bissau,  ambos à civil,  a chamarem-nos de furriéis... Que coisa, nós nem dali éramos, então sabiam quem nós éramos... 

Outra: A vez em que andava eu já com cerveja a mais na cabeça, no Xitole, debaixo de uma grande trovoada e deu um trovão maior . Os camaradas pararam e disseram: porra que isto não é trovoada! Disse eu:  vocês são malucos,  já estão com medo dos trovões... 

Pois é,  eles tinham razão: uma faisca caiu junto a um poste de iluminação onde havia o fio condutor ligado ao "explosor" e foi rebentar um fornilho feito logo a seguir ao arame farpado para o lado da pista de helicópteros... E tinha sido mesmo, que grande buraco!... E, afinal,  a azelhice tinha sido minha: coloquei um fio subterrâneo debaixo de um poste elétrico!

Tudo isto são peripécias... giras da guerra, mesmo que avulsas, sem individualizar. E  creio que são coisas que caem bem num blogue como o nosso... 

Estas são as centenas de peripécias que guardo em mente e retenho. Claro que os episódios de guerra foram evidentes mas que nunca sejam ficcionados e haja rigor e conte-se um pedaço de cada asneirita que íamos fazendo. 

Foi no meu tempo e teu,  Luis,  que o Furriel Henriques (tu mesmo) chamou assassino de guerra ao 2º Comandante [do BART 2917] depois daquela operação maldita que conheces,,, Viste,  correste um risco mas ao menos disseste o nome próprio do major.... Gostei de ver novamente essa a história que contei há uns anos  e que ainda não consigo nem retirar uma virgula, Foi mesmo assim...

Um abraço,  e ainda gostava de saber o que me levou um dia, no fim da comissão,  até á ponte do Geba em Bafatá onde eu estava de serviço... Acordei pelas três da manhã e um soltado disse-me: "Furriel, está melhor ?"... Que grande bebedeira eu tinha apanhado na cidade...

David Guimarães



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Subsetor de Xitole > Carta de Xitole (1955) (Escala 1/50 mil) > posição relativa de Xitole e de Cambesse (ou Cambéssé), na estrada que conduzia ao Saltinho. Em Cambesse havia um cruzamento para os rápidos do Cusselinta (zona paradisíaca do Rio Corubal, interdita em tempo de guerra... Cusselinta e não "Cussilinta"...).

Infografia: Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné (2013)
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 dce julho de 20l3 > Guiné 63/74 - P11817: (Ex)citações (223): As lágrimas amargas do brig António de Spínola e do cor Hélio Felgas... "Presenciei-as no fim da Op Lança Afiada"... (António Azevedo Rodrigues, ex-1º cabo, Cmd Agrup 2957, Bafatá, 1968/70)... Ou não terá sido antes, na sequência do desastre do Rio Corubal, em Cheche, na retirada de Madina do Boé, em 6/2/1969 (Op Mabecos Bravios) ? No dia seguinte, Spínola deslocou-se a Nova Lamego, onde falou, às 12h00, aos sobreviventes da Op Mabecos Bravios...

7 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro David Guimarães,tenho que te fazeruma correcção,eu não era da C Caç 12,mas sim do Pel Caç Nat 63.
Apoós feita a correcção,passo a comentar o teu post.Lembro-me perfeitamente da situação,foi numa rua paralela ao Liceu de Bissau e junto á pensão Chantra.A,rua,bastante escura,ou seja sem iluminação,fomos chamados "Ó furrieis!",sem que tenhamos visto ou vislumbrado o nosso interlocutor.Ficámos deveras estupefactos pelo facto de estarmos á civil.A única "arma" que tinhamos para nos defender,era um canivete,que tjnha comprado,no dia anterior,no Mercado de Bissau.Nunca percebemos,como nos reconheceram,em termos de patente,naquele local (Bissau),e ainda numa rua tão escura.Inacreditável!
Um abraço amigo e camarada David Guimarães.
António branquinho (Pel Caç Nat 63)

Hélder Valério disse...

Caros camaradas

Podem continuar a ficar 'intrigados' com essa de vos chamarem "furriéis".

Mas podem também considerar a hipótese de o alegado interlocutor ou 'chamador' atirar para o ar a ver se reagiam ao 'chamamento', já que sendo só os dois a passear certamente teriam alguma roupa, ou postura, ou atitude, que os distinguia dos soldados, que se deslocavam normalmente em grupo, e também teriam menos hipóteses de serem "alferos" que, de um modo geral se comportavam de modo muito mais 'afectado'....

Já agora, de passagem, isso do "furriel" parece que se 'pega'!
Sei de um amigo meu, que por acaso também esteve na Guiné, que chegou a pensar que ia 'mudar o mundo' e como tal colocou-se a contestar, já cá na "metrópole", a política governamental. Resultado, foi preso, torturado e encarcerado, sendo um dos que voltou à liberdade como resultado da acção "daquela límpida e clara madrugada".
Mas o interessante para esta caso é que quando o 'malhavam' para 'entrar nos eixos' e 'voltar ao bom caminho' os torcionários iam dizendo, "então nosso 'furriel', ganha ou não ganha juízo"?
Cá está, "furriel" era uma coisa vulgar....

Quanto ao que o David diz e se interroga, e que no fundo também orienta uma determinada 'postura' relativamente ao que se vai por aqui 'postando', concordo plenamente.

Abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Sem perdão David! Pel. Caç. Nat. 63!

O melhor Pelotão da Guiné!Meu e do Branquinho,pois então...

ABRAÇÃO!

J.Cabral

JD disse...

Caro David,
Apoio as tuas aproximações ao "nonsense", e algum anti-heroísmo do teu relato, numa incursão que não evita confrontos entre riquezas e misérias da nossa participação na guerra.
Recentemente um camarada publicou um texto crítico do super-ego que tem sido difundido por uma escassa minoria que ainda exulta o espírito das cruzadas. Na Guiné não estivemos para criar raízes.
Abraço fraterno
JD

Luís Graça disse...

Branquinho, o lapso foi do editor, foi meu... Confundi-te com o outro Branquinho, tamb+ém furriel mil, atirador, alentejano, esse, sim, da CCAÇ 12... Vou corrigir... Peço desculpa aos três. LG

Luís Graça disse...

... Peço desculpa aos quatro, incluindo o "alfero Cabral", fero, farfalhudo e glorioso comandandante do Pel Caç Nat 63, no meu tempo (1969/71), que é também, grosso modo, o tempo do António Branquinho, beirão da Covilhã.

Anónimo disse...

Caro David:
Gosto deste estilo, só teu : coloquial, descomprometido, humilde, sincero, lavado de qualquer intuito doutrinal...

uM ABRAÇÃO

Carvalho de Mampatá