segunda-feira, 8 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11817: (Ex)citações (223): As lágrimas amargas do brig António de Spínola e do cor Hélio Felgas... "Presenciei-as no fim da Op Lança Afiada"... (António Azevedo Rodrigues, ex-1º cabo, Cmd Agrup 2957, Bafatá, 1968/70)... Ou não terá sido antes, na sequência do desastre do Rio Corubal, em Cheche, na retirada de Madina do Boé, em 6/2/1969 (Op Mabecos Bravios) ? No dia seguinte, Spínola deslocou-se a Nova Lamego, onde falou, às 12h00, aos sobreviventes da Op Mabecos Bravios...


Guiné > Zona leste > Comando de Agrupamento 2957 (Bafatá, 1968/70) > Guião. O Cmd Agr 2957 esteve em Bafatá, no período de Novembro de 1968 a Setembro de 1970. Os seus elementos metropolitanos sairam do ex-RAL 1 e embarcaram no T/T Uíge, em 9 de Novembro de 1968. O comandante do Cmd Agrup 2957 era o então cor Hélio Felgas [ 1920-2008], mais tarde substituído pelo cor Neves Cardoso. Na Tabanca Grande, temos dois camaradas que pertenceram ao Cmd Agr 2957: o António Azevedo Rodrigues e o Fernando Gouveia.

Foto: © António Azevedo Rodrtigues (2011). Todos os direitos reservados


1. Mensagem dirigida ao nosso camarada António Rodrigues:

De: Luís Graça
Data: 26 de Junho de 2013 às 18:44
Assunto:  Ex-1º.Cabo Rodrigues, Comando de  Agrupamento 2957, Bafatá, 1968/70 [, foto à esquerda]

António, camarada de Bafatá:

Como vai essa saúde ? Espero que bem... Tenho aqui uma questão a esclarecer contigo. Em 1/12/2010, publicaste na 1ª série do nosso blogue o seguinte comentário [,poste CXXXIII, ou seja, 133, de 2/8/2005]

Um dúvida minha: presenciaste esta cena no regresso da Op Lança Afiada (8 a 19 de março de 1969) ou da Op Mabecos Bravios (desastre no Cheche, Rio Corubal, na retirada de Madina do Boé, em 6/2/1969)...

O relatório da Op Lança Afiada foi escrito pelo então cor Hélio felgas e datilografado por ti... Confirmas ? Tens mais lembranças desta operação e da reação do coronel ? Tens mais fotos do teu Cmd Agrup 2957 ? Queria publicar um poste que estes teus pequenos comentários... Um abraço. Luis

No dia 27 de Maio de 2008,. o António Rodrigues mandara-nos uma primeira mensagem, entrando depois para a Tabanca Grande... Nessa mensagem apresentava-se como 1º cabo do Cmd Agrup 2958, que trabalhou "na parte de operações e informaçoes", e que "privou de perto" com o gen Spinola, cap (e mais tarde gen) Almeida Bruno, maj Carlos Saraiva (do batalhão de Lamego), cor Teixeira da Silva bem como o seu "grande amigo" cor (e mais tarde maj gen) Helio Felgas, na altura ainda vivo..,

"Tive a felicidade de no ano passado [, 2007,] ter uma conversa com ele ao telefone, e hoje lembrei-me dele mas como não sei da sude dele, até tenho receio de voltar a ligar e já não o encontrar, mas para agora, gostava de poder fazer parte desta terulia, pois só agora disporei de algum tempo que gostava de falar convosco se isso me for permitido, pois também tenho algumas boas/más recordações da Guiné, como por exemplo a operação Lança Afiada, que foi por mim escrita, e reescrita., não sei quantas vezes, mas isso fica para mais tarde, pois vi o Spinola a chorar em Bafatá com a barba por cortar de cinco dias e o Helio Felgas abraçado ao Teixeira da Silva, também a chorar" (...).

2. Resposta do António Rodrigues,  que vive em Vila Nova de Famalião, com data de  28 de Junho de 2013:

Eu estive nos preparativos da Operação Lança Afiada, fui eu e o 1º cabo Correia a dactilografar todos os documentos de toda a operação quer o antes, durante e depois da mesma. Essa operação marcou-me, e de que maneira, pois, como se pode imaginar, são 44 anos passados, e para quem chega em 15 de novembro de 1968 a Bafatá, ao Comando de Agrupamento nº 2957, designado CAGRUP 2957, e logo passados 4 meses ter de levar com uma operação deste calibre, depois de todos os dias receber na altura msg urg imediato confid e por aí, fora a descrever o que se passava na zona de Madina de Boé...

E a forma detalhada como foi planeada, num gabinete onde sempre marcava presença o brig Spinola, o cor Helio Felgas, o ten cor Teixeira da Silva, o major Carlos Saraiva, o cap Almeida Bruno, o tal do pingalim e óculos rayban à piloto, o alferes Fernando Gouveia, o alf Martins das transmissões, o fur Carlos Cocho e eu próprio 1º cabo escriturario para tudo tomar nota e datilografar e depois passar a stencil para policopiar em séries de 10/20 folhas para distribuir pelos chefes intervenientes na tal Op Lança Afiada...

É certo que datilografei mais uma série de operações mas esta foi a minha maior e mais marcante, pois esta nunca me passou vista fora, ficou me marcada para sempre e aqui e agora estou a viver 45º à sombra que ao sol não dá para imaginar o que la passei e saber ao minuto o que se estava a passar com uma série de rapazes da minha terra, Vila Nova de Famalicão, que comigo foram no Uíge. metidos como carne p'ra canhão, a 9 de novembro de 1968 e depois ter de escrever reescrever a história, viver e saber que morreu o soldado tal e tal e depois já do meu regresso, em 1973 no dia seguinte ao meu casamento saber que o meu irmão morreu em Moçambique... Fico por aqui, agora...

3. Comentário de L.G.:

Meu caro camarada de Bafatá, antes de mais um abraço solidário na dor, por teres perdido um mano, em em Moçambique, em 1973... Nunca nos tinhas dito nada sobre esta tragédia familiar.

Mas, voltando à Guiné do nosso tempo e à zona leste onde estivemos os dois... Continuo a pensar que a cena das lágrimas que tu descreves ocorreu no âmbito da Op Mabecos Bravios, já no final, em Nova Lamego, no dia 7/2/1969, e não no final da Op Lança Afiada, em 19/3/1969... Parece-me muito mais verosímil, e só prova que estes dois bravos guerreiros, António de Spínola e Hélio Felgas, eram afinal homens de carne e osso como nós, com emoções, com sentimentos, e independentemente do juízo que a História fizer deles...

Se calhar está na altura de reproduzirmos alguns postes, da I Série, sobre a Op Mabecos Bravios, Iniciada em 1 de Fevereiro de 1969, com a duração de 8 dias, tinha por missão retirar as nossas tropas de Madina do Boé. Tudo correu bem, até ao último dia, no regresso, na travessia, em jangada, do Rio Corubal, em
Cheche...

Talvez o Fernando Gouveia nos posso ajudar, com as suas memórias desse tempo.

PS - Recorde-se que Op Mabecos Bravios (destinada a cobrir a retirada das forças estacionadas em Madina do Boé) teve um desfecho trágico para 46 camaradas nossos, da CCAÇ 2405 (Galomaro) e da CCAÇ 1790 (Madina do Boé), mais um civil, guineense Na história do BCAÇ 2852 (Bambadinca,19768/70), lê-se resumida e cruamente, no final do rekatório da Op Mabecos Bravios (parte relatava ao Destacamento F, que era constituído pela CCAÇ 2405, sediada em Galomaro, e que pertencia ao BCAÇ 2852):

(...) "Durante a transposição do Corubal a jangada em que seguiam 4 Gr Comb [da CCAÇ 2405 e da CCAÇ 1790], respectivos comandos e tripulação afundou-se espectacularmente acerca de um terço da largura do rio, provocando o desaparecimento de 17 militares do Dest F  [, CCAÇ 2405,] e grandes quantidades de material perdido.

"Por voltas das 10.00h de D+ 4 [6 de Fevereiro] saímos de Cheche para Canjadude  que atingimos por volta das 16.30h com o pessoal deste Dest embarcado.

"Descansou-se e em D + 5 [7 de Fevereiro] às primeiras horas a coluna pôs-se em movimento para Nova Lamego que foi atingida por volta das 11.00h. Às 12.00h as tropas ouviram uma mensagem do Exmo. Comandante-Chefe que se deslocou propositadamente para a fazer.

"Permaneci em Nova Lamego para organizar a coluna do dia seguinte. Às primeiras horas de D + 6 [8 de Fevereiro] iniciei o movimento para Galomaro onde cheguei cerca das 10.30h." (...)
_____________

4 comentários:

Fernando Gouveia disse...

Luís:
Julgo que o António Rodrigues já anteriormente referiu que viu verter as tais lágrimas ao Cor. Felgas mas na sequência da Op. “Mabecos Bravios”.
Talvez o António Rodrigues se quisesse referir às lágrimas do Cor. em sentido figurado, pois eu próprio nunca vi tal, e mais, sempre achei que por mais razões que o Cor. tivesse, em público, não chegaria a tanto.
Fernando Gouveia

Fernando Gouveia disse...

Luís:
Lamento que o sistema repetisse o meu anterior comentário. Era bom que retirasses um deles.
De momento só quero prestar mais um esclarecimento: Como já anteriormente disse, ajudei, da forma que então referi, o Cor. Felgas a preparar a Op. “Lança Afiada” mas nunca, lá na sala de operações em Bafata, ou em qualquer lugar da Guiné me cruzei com o General Spínola.
Fernando Gouveia

Hilário Peixeiro disse...

Caros Luís e António Rodrigues, o episódio das lágrimas(?), não sei se as houve, passou-se em Nova Lamego com o Spínola no dia 07Fev quando falava às tropas regressadas da "Mabecos". A certa altura começou a falar com voz comovida (coisa rara)pelos mortos do dia anterior e no momento da comoção deixou cair o monócolo que conseguiu apanhar antes de atingir o chão.
Um abraço a ambos e a todos os Tabanqueiros.
Hilário Peixeiro

duarte.oiliba.abilio@gmail.com disse...

Cheguei á Guiné em 22.02.1969, e fui para Contuboel, dar instrução, as futuras Cart11 Ccaç.12.
Onde encontrei muitos soldados de 2ª.linha, que vieram para a recruta
normal do Exercito Português. Todos eles evacuados de Cheche, Beli e Madina do Boé, e ouvi o relato de
toda esta Op. e os seus desaires, no Rio Corubal.São estas memórias, que me fazem triste, e recordar, quanto a população da Guiné e nós Portugas, sofrerem para ao fim de 40 anos, nada de bom se aproveitou, com tanto sangue, suor e lágrimas.