segunda-feira, 1 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11781: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (40): 41.º episódio: Memórias avulsas (22): Alô Guiné... estou a chegar

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 24 de Junho de 2013, enviou-nos mais umas peripécias d"Os melhores 40 meses da sua vida", dando-nos conta do seu contentamento por finalmente ter chegado à Guiné.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65-67 - MEMÓRIAS AVULSAS

22 - ALÔ GUINÉ... ESTOU A CHEGAR

E pronto... embarquei e cheguei todo lampeiro a Bissau, naquela manhã de Agosto de 1965.

Afinal não havia grande diferença da África que eu já conhecia através dos filmes do Tarzan e lá estavam os macacos dependurados nas árvores e os autóctones a descarregar farinha dos barcos, o que lhes dava a cor mais branca que branca. Pareciam gentes boas, nanja como aqueles que depois nos tentavam atingir nas matas do Oio, selvagens que não se mostravam... que utilizavam a crueldade das minas.

Diziam os seus mentores, que não combatiam o Povo Português, mas então se cada Companhia tinha cerca de 150 homens, todos (exceptuando os 4 ou 5 profissionais militares, mas Povo também) arrancados às suas terras e forçados a ir e a maioria nem sabia do porquê nem para quê, todos Portugueses que se tornaram heróis, então combatiam quem?
Porque utilizaram o assassinato cobarde com o uso das minas?

Se num verso inspirado, houve um poeta que disse: "num monte de pedra pode nascer uma flor", porque substituíram a flor por tais artefactos de morte, encafuados num buraco tapado com terra?

É que dói... e hoje 12 de Junho de 2013, completam-se 47 anos, que homenageio só, mas com um grande abraço, o Capitão Dinis Alberto Corte Real, Comandante que foi da minha CCAÇ 1422, vil e traiçoeiramente liquidado por uma, comandada à distância, ali perto de Farim na estrada que liga ao K3.
E já antes, a 17 de Maio de 1966, se fora o meu amigo Fur Mil Higino Arrozeiro, levado pelo mesmo método de horror, ali perto dos "carreiros".
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Dizia eu atrás... cheguei a Bissau.
Ali passei uns dias e logo a seguir andei a apagar fogos, por aqui e por ali, apenas com a minha Secção de morteiros 60.
Assim conheci Manhau, onde aprendi a dor da perca, em 22 de Setembro de 1965, doutro amigo, o Jaime Feijão, Fur Mil da CCAÇ 1421, ele também vitimado por uma "bailarina" e recordo o seus gritos "arame" (o estrondo) e "médico" e mais não disse.

Conheci Mansabá e saber o que custa ser emboscado perto da Serração;
depois Bissorã e a flagelação junto ao rio;
Jolmete onde pela primeira vez reagi ao ataque ao quartel;
Pelundo e o sossego durante um mês, com morança na tabanca, a guardar um cofre do Homem Grande.

Localização da Serração na estrada Mansabá/Mansoa, e de Manhau na antiga picada que ligava Mansabá a Bafatá
Vd. carta de Farim

Interior do quartel de Bissorã em 1969
Foto: © Carlos Fortunato (2005)

Vista aérea de Jolmete
Foto: © Albino Silva (2007)

Entrada do aquartelamento do Pelundo
Foto: © António Teixeira (2011)

Só após o Natal de 1965, que passei na Amura, fui de novo integrado na Companhia que iria ser colocada em Mansabá, ao que se dizia e até fiz parte da Secção de Quartéis.
Deram-nos a volta, tal não aconteceu e acabámos sim, por trocar com a 1421, na época a construir de raiz o K3.

O depósito, onde se pode ler, ao comprimento, “Água Quente” e no topo, “Cerveja a Copo”. Era só escolher!
Foto: © Gil André, ex-Alf Mil. Bat Caç 2879 / C Caç 2548, retirada com a devida vénia da página Rumo a Fulacunda

O local era aprazível, as instalações de primeira, quartos em terra vermelha, algumas bem acomodadas suites.
A cozinha requintada e bem fornecida, comida excelente e igual para todos, talheres em prata de lei... copos de cristal e tudo servido por profissionais de libré e acima de tudo o bar 5 estrelas.

Se estou a mentir... que me saia o euromilhões.

Não tínhamos vizinhos e como tal fui "povo que lava no rio" pois que nem lavadeiras existiam mas por escasso tempo porque um pouco mais tarde e gradualmente vieram a juntar-se, na Companhia, alguns militares "guias" casados e residentes em Farim que nos disponibilizaram tais úteis serviços.

Certo dia (Julho de 1966) e por motivos alheios à minha vontade, tive que me oferecer para a 3ª CCOM e para a qual pediam voluntários com alguma já comprovada experiência no uso das artes da guerra. Acabei contudo, por ir prestar serviço na Secção de Funerais e Registo de Sepulturas/QG.

Saíra do Inferno, entrei noutro sem querer, embora em termos de perigosidade nada tivesse a ver com o que me fora ofertado até então, mas muito mais difícil de gerir psicologicamente. Sei que tenho aqui um vazio de dois meses, que não descobri ainda como foi, mas que se deve talvez, ao uso de alguns adormecedores alcoólicos, utilizados contra-gosto mas numa tentativa, que não resultou, de atenuar o calvário das visitas que de quando em vez tive de fazer à morgue do Hospital Militar e elaborar todo um processo doloroso próprio duma realidade que magoava mesmo.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11752: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (39): 40.º episódio: Memórias avulsas (21): De lá para cá e vice-versa

4 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Veríssimo

Chegaste à Guiné e tiveste um 'sortido' de locais e acções que te permitiram ter visões diferentes e alargadas sobre aquela 'actividade'.

Tirando alguns intervalos mais aprazíveis (de que já vi fotos...), as vivências 'no mato' e as missões que resultaram depois da tua actividade em Bissau, foram marcantes e deram-te essa carapaça de força com que te vestes para elegeres esses como 'os melhores 40 meses da tua vida'.

Há no teu relato alguns aspectos que merecem outras considerações mas agora é só para te dar um Abraço de solidariedade.
Hélder S.

Tony Borie disse...

Olá Veríssimo.
Gosto da maneira como escreves.
Uma guerra perigosa e traiçoeira, é descrita como de uma aguarela "cor de rosa" se tratasse!.
Vê se te recordas dos tais dois meses que te fogem, e deve haver muitos pormenores, com interesse para nós combatentes, do tempo em que resolvias os assuntos dos heróis mortos em combate.
Um abraço, Tony Borie.

Manuel Carvalho disse...

Caro Veríssimo

Também gosto da forma irónica e divertida como falas daqueles tempos, mas tu sabes e nós também sabemos que a maioria dos dias não eram fáceis de passar. Quanto à foto de Jolmete do Albino deve ter sido tirada em principio de 69, já tem muita coisa construida de edifícios e abrigos e ainda mantém junto á porta de armas aqueles dois barracões grandes de cibes ao alto que devem ser do teu tempo porque diziam que eram armazéns de um comerciante antigo.E continua porque deves ter muito que contar.
Um abraço

Manuel Carvalho

admor disse...

Caro Veríssimo,

Começo com o fim do comentário do camarigo Manuel Carvalho.

Continua porque deves ter muito para contar.

Agora digo eu "e contas sempre bem". Quanto à "branca" daqueles dois meses troca-a por uma preta, que pode ser que te venhas a lembrar d´algo.

Um grande abraço para todos.

Adriano Moreira