terça-feira, 18 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11727: Blogpoesia (346): O Menino Homem (Felismina Costa)

1. Mensagem da nossa amiga tertuliana Felismina Costa, com data de 17 de Junho de 2013:

Caríssimo Amigo Carlos Vinhal
Na sequência das recentes homenagens prestadas, a título póstumo, aos militares que tombaram durante a guerra colonial, pretendo também prestar a minha homenagem a quantos deram a sua vida em nome de Portugal, com um modesto e sentido poema.

É a minha sentida homenagem.

Abraço colectivo a toda a tertúlia
Felismina Mealha




O Menino Homem

Cresceu o menino, que é de sua mãe 
E a Pátria o reclama! 
Chama-o apressada, porque estão em risco 
Os interesses de uns, que não lhe são nada. 
E rouba-o à vida, até aí tranquila, 
Somente pequena. 
Tão só madrugada! 
E o alvorecer, virou tempestade, 
Que caiu sobre os dias dessa curta idade. 
Que fazer dos sonhos dessa Mocidade? 
Congelar os sonhos? 
É pura maldade! 
E a terra vermelha, grávida de espanto 
Aborta atónita seus frutos em pranto… 
Terra que se oferece, que acolhe a raça 
Convive com uns, e a outros… mata! 
Sentenças de morte, quem foi que as ditou? 
Menino de 20, ou um pouco mais, 
Para onde te levam? 
Para onde vais? 
Sobre o Oceano, imenso, sem fim… 
Navega um cargueiro, que te afasta de mim! 
E nem tu nem eu sabemos o fim! 
Menino de vinte, meu amor primeiro, 
Que mal que me fez o velho cargueiro! 

Na terra lá longe, que só queria Liberdade 
Perdemos a Paz… choraram saudade! 

E o medo Menino? 
E a dor de matar? 
Mas tu és um homem… maior do que és! 
E por entre o medo, o tão grande medo… 
Primes o gatilho, 
E sem que o conheças 
Morreu mais um filho… 
Sobre a terra quente criadora e nua 
Rebentam petardos, mesmo à luz da lua! 
E muito distante, onde os lobos uivam… 
Tantas mães chorando e noivas viúvas… 
Mataram o Menino que seus pais criaram 
Mataram os sonhos que alimentaram 
E queimam a terra. 
E rasgam a carne. 
O sangue esvai-se em ferida mortal! 
O negro vestiu os campos alegres onde cresceste. 
E aqui e ali, em quaisquer lugares 
Erguem-se monumentos a assinalar 
Que o jovem da terra não pode voltar!

Felismina mealha 
Agualva,17/6/2013

(Foto: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados)
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Nota do editor:

Último poste da série de 15 DE JUNHO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11710: Blogpoesia (345): Estou vivo (Ernesto Duarte)

22 comentários:

José Botelho Colaço disse...

Verdade não é ficção foi realidade.

Tony Borie disse...

Olá Felismina.
Que maneira, pura e simples, de contar a verdade daqueles meninos de vinte, que nós combatentes fomos!.
Parabéns e recebe um abraço, deste lado do Atlântico.
Tony Borie.

Henrique Cerqueira disse...

Na verdade Felismina Costa
A sua homenagem é algo de tão simples e bom.A Felismina nem sequer lá esteve , mas SABE ESTAR.
Obrigado pelo seu poema aos que tombaram na guerra colonial.Recebi e aceitei o seu abraço coletivo.Aqui lho devolvo com muito carinho e grande respeito
Henrique Cerqueira

Cesar Dias disse...

Maneira tão simples de contar os factos, digo tão simples porque foi fácil entender, terá sido porque foi a nossa rota? talvez, mas gostei muito.
Também para si Felismina um forte abraço.
Bem haja

Torcato Mendonca disse...

Gostei muito Felismina.

Não sei em que Poste foi, você comentou e eu tomei nota: -Justíssima homenagem,a quem na flor da vida...se tornou chão! -

Que frase! Gostei e era para ter comentado. Faço-o agora,junto ao poema e dou-lhe os meus parabéns. Toca-me.

Um beijo e continue a escrever assim,poesia ou prosa,faz bem a quem a lê,a mim faz.

Ab,T.

Anónimo disse...

Amiga Felismina

Não costumo comentar as suas belas poesias, porque não sei apreciar como devia a poesia (sou um leitor mais virado para a ficção), mas sei que quem assim escreve, arrisca sempre belos textos, vem isto a propósito que este lindo poema muito me sensibiliza porque senão erro, é a segunda vez, que um poema seu é dedicado em absoluto aos jovens combatentes, é um hino aos combatentes que nós fomos, e eu
estou-lhe grato por isso, para mim é especial, gosto!
Agradeço-lhe do coração mais este, que vou copiar para a minha pasta de arquivo.

Parabéns pelo poema e um abraço fraterno do

Manuel Marinho

José Augusto Miranda Ribeiro disse...

Gostei deste seu poema.Obrigado. Foi a realidade... que muitos desconhecem. Parabéns. JRibeiro

Anónimo disse...

Caríssima Felismina

Muito obrigado pela sua sensibilidade e compreensão destes "tristes" combatentes...

"que partiram tão cedo desta vida descontentes"..uns..

e outros " a lei da morte os vai libertando desta vida" não menos descontentes.

C.Martins

Luís Graça disse...

Felismnina, é um poema que merece ser gravado na pedra, num próximo monumento aos combatentes, a inaugurar numa das nossas muitas terras que tenham perdido um ou mais dos seus filhos, na última "grande guerra" que travámos...no século passado, há meio século... Para nós, ex-combatentes, foi ainda ontem...LG

admor disse...

Cara Felismina,

Muito obrigada por este poema tão belo.

Um grande abraço.

Adriano Moreira

Álvaro Vasconcelos disse...

Mais um poema que toca bem fundo a todos nós.
Bem haja quem nos delicia com tanta e tão profunda sonoridade poética.
Um dia, compilar estes versos, juntar os poemas, publicar, será uma forma de deixar mais um testemunho muito digno para a história da nossa passagem por terras de África.
Obrigado estimada Felismina.

Rui Silva disse...

Obrigado Felismina pela parte que me toca (e que não é pouca).
Mais um seu poema revitalizante e reconfortante. Outra vez obrigado!

Passe bem e bem haja.

Rui Silva

Juvenal Amado disse...

Felismina

Este seu poema para além da homenagem é um grito de protesto pelos mortos, pelos feridos, pelas vidas destruidas numa guerra de enganos e de dádivas.

Um abraço

Anónimo disse...

Bom Poema!

Beijinhos!

J.Cabral

Joaquim Luís Monteiro Mendes Gomes disse...

Obrigado, Madrinha de guerra mortal. Melhor e mais lindo poema, d'alguém que não indo à guerra sofreu como eu...não será possível.


Parabéns e obrigado.
JLMG

Hélder Valério disse...

Felismina

Um poema cheio de força, perpassado de sofrimento.
É claro que também houve a alegria dos que voltaram e, felizmente, foram muitos mais.
E como voltaram?
Mais 'crescidos', mais adultos, muito mais amadurecidos, com ou sem mazelas, físicas ou psíquicas, com a satisfação do 'dever cumprido', com a determinação para agir na 'mudança', com a vontade de esquecer, com a vontade de lembrar, etc.?
Tudo isso, à vez ou em conjunto, mas é com essa amálgama que se chegou até hoje.

Gostei.
Hélder S.

Anónimo disse...

Querida amiga
Julgo que não haverá melhores palavras para descrever estes Meninos Homens e contar a verdade nua e crua.
Um grande abraço meu e do meu marido que também foi Menino Homem.
Maria Teresa Parreira

Bispo1419 disse...

Gostei, como gostei!
Um beijo, minha cara Felismina
Manuel Joaquim

Anónimo disse...

Felismina em ti , na tua alma, grande como o o universo inteiro, alma de poetisa, tudo cabe, o filho, o pai o namorado, porque tu abres o teu corpo e a tua alma para nos aliviares e protegeres de todos os males.
Muito obrigado Felismina pela bondade
e beleza dos teus versos. Vou dormir com eles.
Francisco Baptista

Anónimo disse...

Os poetas têm esse poder extraordinário de condensar a sabedoria em poucas palavras e iluminar a inteligência e a alma dos outros. A Felismina é uma grande poetisa, este poema é simples, belo, com muitas falas simultâneas ou sobrepostas. A fala da mãe, da irmã, da namorada, da mulher, toda a alma feminina se exprime e a Pátria ou Mátria (como lhe chamou essa poetisa desassombrada, Natália Correia) chora ao reconhecer o erro ou a agradecer o sacrifício. Agradeço à Felismina todo o amor por eles e foram tantos os Meninos que os deuses levaram cedo e os deuses levam cedo os melhores.

Francisco Magalhães

Virgínia Branco disse...

Gostei muito do seu Poema. Fiquei emocionada com a sua forma tão genuína de esplanar um assunto que quase fica esquecido. Foram os nossos meninos grandes quem pagou a maior factura. Um abraço amiga Felismina. - Virgínia Branco

Felismina mealha disse...

Agradeço-vos,meus amigos, com anos de atraso, mas sempre sincera...Eu própria!

Todos vós fazeis parte da minha juventude! De um tempo difícil, para todos nós!

Continuo chorando os que partiram cedo de mais, e rejubilando com vossos encontros anuais, ou mensais, onde celebram a vida.

Que seja longa e feliz, a vida de todos vós!

Muito obrigada pelas vossas carinhosas palavras.

Abraço colectivo, grande e sincero.

Felismina mealha