domingo, 12 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11557: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (35): 36.º episódio: Memórias avulsas (17): A invenção do "X"

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 7 de Maio de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65-67 - MEMÓRIAS AVULSAS

17 - A INVENÇÃO DO "XIS"

Aquando do CSM em Mafra e foram cinco meses iniciados a 24 de Janeiro de 1964, uma das instruções que nos prodigalizaram, foi precisamente o treinar visando um "xis" que desenhávamos em qualquer vetusta árvore ali do parque onde ensaiávamos guerras.

Depois e com os pés bem paralelos e melhor assentes no chão, à distância um do outro de mais ou menos 20 centímetros, e com o objectivo a 4 ou 5 metros, íamos atirando pedrinhas num movimento brusco.

Diziam-nos e eu acreditei, que esta era a forma de aprender a disparar sem apontar com a G3, quer fosse no tiro a tiro, quer de rajada, mas tudo instintivo.

Em princípio pensei que se tratasse duma forma de nos concederem alguns bons momentos de descanso e ainda por cima naquele local paradisíaco.

Verifiquei depois e com a arma já na mão, que na realidade a coisa até funcionava mesmo, ao contrário do que hoje me acontece que e embora esteja farto de colocar "xises" nos jogos da Santa Casa, não acertei ainda nada e relembrando o descrito atrás, vou começar já esta semana a praticar de novo com a finalidade de que possa vir a ficar mais rico ainda, se tal for possível.

Põe-se-me-le contudo a questão de não saber em que árvore. Lá no monte dos meus sogros em Foros do Mocho-Montargil, junto à barragem onde pesco achigãs enormes, tenho oliveiras, figueiras, laranjeiras, pessegueiros, pinheiros bravos e mansos e até um sobreiro vejam bem... mas diz-se que dormir à sombra da figueira não é saudável e debaixo das oliveiras também não me apetece pois qu'agora estão cheias de candeio e deitam um pó verde bem desagradável.

Debaixo do pinheiro manso, também não me atrevo, porque as pinhas no ano passado não foram colhidas e de quando em vez caiem.

Ora com a sorte que tenho e considerando o peso das ditas, decerto saio de lá com a cabeça meio, ou mais, desfeita. Com os pinheiros bravos não me meto, estão cheios de nemátodo, uma espécie de lagartita originada por uma mosca, depois escaravelho, grande com'o caraças e mais parecendo um aspro, lagarta ainda maior, que tal como algumas sogras, tem de morder sete vezes por dia, senão falece.

É por isso que vou de ter de pensar melhor.

Também treinávamos enquanto instruendos, o atirar da faca de mato contra quaisquer outras árvores, se possível de tronco preto.

A intenção era a de possível eliminação de sentinelas, é verdade.

Hoje mesmo e às vezes a brincar com a que estripo e escamo os achigãs MUITA GRANDES qu'atrás mencionei e quando ainda estão vivos, às vezes atiro o facalhão contra qualquer salgueiro ali à borda e acerto mesmo.

Por acaso na última vez, vi-me aflito para o retirar, que se entranhou desmesuradamente.

De qualquer forma ali passávamos por aqueles momentos em sossego depois do matinal crosse, que é assim uma espécie de ir passear em formatura, de fato de trabalho e a correr, com cantil cheio, capacete e Mauser e com a barriguinha pesada do pequeno almoço tomado em púcaro d'aço e composto de qualquer mistela a que chamavam café com leite condensado desfeito na amarelada água do convento, amarelo decerto oriundo da ferrugem amontoada nos velhinhos canos.


Em tais crosses do que mais gostava era quando os excelentíssimos instrutores diziam uma frase assim estilo: -A tua prima é boa?

Nós correndo e ao bater do pé direito teríamos de responder:
- É.

- Angola é nossa? - e a gente tadinhos:
- É.

Em Abrantes e Tomar onde tive a honra de ajudar a preparar recrutas, inventei novas perguntas que e sendo essa a intenção, divertiam e ajudavam a suportar o sacrifício. Frases bem simples, maliciosas "qb", mas que não posso dizer pois qu'a minha superior educação não me permite recordar tamanhas indecências.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11534: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (34): 35.º episódio: Memórias avulsas (16): Os dois amigos ao chegar à Guiné

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Ora bem, caro Veríssimo

Hoje apanhei esta quase em cima da hora e como tal vou já comentar 'antes que arrefeça'.

Se bem entendo estas tuas memórias, que reflectem experiências do passado, têm também como objectivo aproveitá-las para 'projectar' para os tempos actuais ou futuros alguma orientação.

É assim o facto de confessares que vais porfiar na procura da árvore certa para fazeres as tais cruzinhas que te farão milionário e que certamente não deixarás de partilhar com os amigos parte dessa fortuna.

Olha, tenho de facto a ideia que algumas inspirações nascem 'debaixo das árvores' e por isso pode ser vantajoso que aproveites essas estadias na zona de Montargil (a propósito, vê se trocas de lentes porque estás a AUMENTAR muito o tamanho dos achigãs...) para tentares obter essas inspirações.

Já 'descartaste' algumas espécies arbóreas, não tendes referido as frutíferas. Nas figueiras há que ter cuidado com as cobras e quanto a citrinos verifiquei que indicas laranjeiras mas não limoeiros.

Ora bem, dizem que ficar muito tempo debaixo dum limoeiro acaba por dar um 'piquinho a azedo', mas não creio que corras esse perigo...

Quanto à cena da faca espetada 'com gosto' numa pobre e inocente árvore fico a magicar em quem ou o quê estarias a pensar no momento.

Abraço
Hélder S.