sexta-feira, 10 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11550: Notas de leitura (479): A História do BCAÇ 2845 em verso, por Albino Silva, e A política da luta armada - Libertação nacional nas colónias africanas de Portugal, por Basil Davidson (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Janeiro de 2013:

Queridos amigos,
É a primeira história de uma unidade que combateu na Guiné que encontro literalmente em verso, isto graças à solicitude da Teresa Almeida, da Biblioteca da Liga dos Combatentes, confesso que desconhecia esta veia poética, o trabalho de Albino Silva é espantoso na dedicação e na afetuosidade.

Impunha-se igualmente a recensão do livro de Basil Davidson, cheio de clichês, às vezes com erros grosseiros, impressiona como homens de grande vigor intelectual cedem aos caprichos da propaganda, esquecendo o mínimo dos mínimos do contraditório.
Talvez por isso, o Basil Davidson ande agora a escrever, compungido, sobre os dramas africanos atuais…

Um abraço do
Mário


"A história do BCAÇ 2845 em verso", de Albino Silva 
"A política da luta armada, libertação nacional nas colónias africanas de Portugal", por Basil Davidson

Beja Santos

A história do BCAÇ 2845 em verso, de Albino Silva

“História da Unidade, BCAÇ 2845 em verso”, por Albino Silva, edição de autor, 2003, é um livro singular, confesso que nunca tinha lido a história de uma unidade, toda ela, em verso. O Albino Silva foi soldado maqueiro entre 1968 e 1970. Em 1959 estava em Angola, assustou-se com os massacres e os horrores de 1961, regressou, depois fugiu para França. E escreve: “Mas com os meus 20 anos e em França há já um ano eu pensava no tempo que lá iria estar e pensava também nos que iam para o Ultramar lutar por aquilo que eu fui obrigado a abandonar. Comecei a pensar que estava a ser cobarde para com a minha Pátria. Comecei a pensar que era Angola que precisava de mim e que eu tinha por direito vingar aqueles que lá tombaram sem cabeça no norte de Angola, na minha zona e gente minha amiga”.

O destino trocou-lhe as voltas, a unidade mobilizadora foi o BCAÇ 10, sito em Chaves. Em 1 de Maio de 1968 o BCAÇ 2845 parte para a Guiné, a bordo do Niassa. Albino Silva forjou toda a obra em quadras ao gosto popular, como se exemplifica: “Alcântara foi o cais/ onde íamos embarcar/ manhã cedo lá chegámos/ com familiares a chorar”. E vão para Teixeira Pinto, apresenta a sua CCS: “A CCS era composta/ por maqueiros e doutores/ enfermeiros eletricistas/ mecânicos e condutores/ Fui maqueiro da CCS/ com voz e alegria/ para o ano venham todos/ há festa da companhia”.

Guarda saudades de todo este tempo, das bajudas, dos petiscos, do trabalho de enfermaria, foi de bom relacionamento e não gostava de contumélias, manteve uma excelente relação com o médico: “Na enfermaria o doutor/ era bom e como tal/ consultava de manhã/ de tarde no hospital/ Mas a nossa enfermaria/ também tinha enfermeiro/ atenciosos p’ra vós/ estavam lá os maqueiros”. Mostra fotografia de enfermaria e maternidade em Teixeira Pinto, não esconde o seu orgulho: “Era uma enfermaria/ pela tropa procurada/ pois tendo um pouco de tudo/ pouco faltava ou nada”. Ficou-lhe a vontade de voltar à Guiné, não esconde esse desejo: “Se não fossem escaramuças/ daquela gente sem fé/ de certeza que eu já tinha/ visitado a Guiné./ Mas tenho esperanças que um dia/ a Guiné vou visitar/ e até sendo possível/ algum tempo lá ficar”.

Dá um grande relevo à composição da CCS, enumera todos os camaradas um a um e depois dedica a sua atenção às companhias operacionais (CCAÇ 2366/2367 e 2368, regista os louvores, as operações, os locais onde se combateu, é verdade que teve acesso a história do batalhão e diz com orgulho: “De tantos de nós falei/ de nenhum me esqueci/ em tudo que tu já leste/ e que fui eu que escrevi”. É caloroso com África, manifesta pesar com as dificuldades da Guiné: “Gosto de ti ó Guiné/ das aldeias e raças/ dói muito às vezes ouvir/ tudo por quanto tu passas”. Repete insistentemente que a Guiné não lhe sai da memória, tal como o serviço que ali prestou: “Guiné foi castigo/ Guiné foi verdade/ Guiné foi juventude/ Guiné hoje saudade”. Termina o seu livro com agradecimentos, dizendo que foi por pura brincadeira que um dia se lembrou de escrever toda esta história em verso, dedica a sua obra ao sargento António Manuel Mestra, agradece ao coronel Aristides de Araújo Pinheiro o empréstimo da história da unidade, se ali tudo estava registado então havia que pôr em verso, apesar do seu mau jeito, como ele diz, despede-se dizendo que ainda hoje vive no dia a dia aquela Guiné e a sua saudade é incontida.

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A política da luta armada, Libertação nacional nas colónias africanas de Portugal, por Basil Davidson

Em 1976, em pleno rescaldo da descolonização, Basil Davidson, um historiador e publicista com imensos títulos publicados sobre a luta da libertação na Guiné-Bissau, Angola e Moçambique. Basil Davidson, traça um quadro sumário sobre o desenvolvimento dessas lutas e apresenta as caraterísticas inovadoras dessa emancipação. Davidson faleceu em 2010.

A primeira consideração que tece é sobre a motivação da guerrilha vitoriosa: “O motivo essencial da sua capacidade de vencer era exterior ao campo militar. A guerra de guerrilha bem-sucedida é sempre e principalmente guerra política. Os homens e as mulheres que conduziam tais lutas eram sem dúvida eficientes na tática e na estratégia militar. Mas na política eram excelentes. A sua política explica o que, sem ela, permaneceria misterioso (…) A vitória política foi ainda maior do que a vitória militar a que dera também origem. Esta vitória política dos africanos podia tornar-se também uma vitória política dos portugueses”.

A segunda consideração tem a ver com a análise que faz do colonialismo português no contexto do movimento independentista africano, exibe números e vê-se que está bem documentado sobre o quadro cultural dos dirigentes que pugnaram a favor do Portugal imperial citando uma obra “Os nativos na economia africana” em que o seu autor, Marcello Caetano assim se pronunciava, em 1954: “Os pretos em África têm de ser dirigidos e enquadrados por europeus (…) Os negros em África devem ser olhados como elementos produtores enquadrados ou a enquadrar numa economia dirigida por brancos”.

A terceira consideração refere-se à natureza estratégica do lado colonial e do lado independentista, aqui cita abundantemente Amílcar Cabral e as suas insistentes iniciativas junto do governo português para evitar o conflito armado, mostra igualmente os diferentes processos que levaram a divisões, sobretudo em Angola e Moçambique.

A quarta consideração prende-se com a evolução da guerra e o sentido crítico manifestado pelos dirigentes mais lúcidos. Cita Cabral a criticar em 1965 debilidades militares do PAIGC e em concreto a deplorar insuficiente trabalho político e a emergência de “militarismo”, devido ao qual alguns dirigentes se tinham esquecido de que eram militantes armados e não militaristas. Vê-se que Davidson admirava profundamente Cabral e a sua inovação em procurar nas áreas libertadas houvesse participação e processo de aculturação entre o movimento e as massas. Para Cabral, removido o sistema colonial havia que encontrar um desenvolvimento específico que pudesse travar a tentação neocolonial, como ele assim explicava: “A nossa resistência cultural consiste no seguinte: ao mesmo tempo que erradicamos a cultura colonial e os aspetos negativos da nossa cultura, temos de criar uma cultura nova, também baseada nas nossas próprias tradições, mas respeitando tudo quanto o mundo conquistou para o serviço da humanidade”.

Comenta a evolução militar nos últimos anos, vê-se perfeitamente que estava influenciado pelos dados da propaganda dos movimentos de libertação e às vezes diz asneiras de que posteriormente se deve ter arrependido, do género: “Em Março de 1973,o PAIGC começou a abater os bombardeiros de Spínola com mísseis terra-ar. Em Julho, o campo fortificado de Guileje, de importância decisiva, foi arrasado, e a sua guarnição aniquilada num bombardeamento de artilharia e morteiros que durou algumas horas e a que Spínola não pôde replicar”.

Por fim dedica a sua atenção aos acontecimentos posteriores ao 25 de Abril, de novo cede à retórica, neste caso dando opiniões destemperadas sobre os conflitos angolanos e cita Luís Cabral exatamente onde este dirigente falhou rotundamente: “O que queremos é desenvolver os nossos países das aldeias para as cidades e não inversamente”.

Enfim, uma obra datada e conceitos que a História se encarregou de arquivar.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11532: Notas de leitura (478): Homem de Ferro, edição de autor, por Manuel Pires da Silva (2) (Mário Beja Santos)

2 comentários:

José Marcelino Martins disse...

O Albino Silva não é nosso tabanqueiro?

Se é ele que se "acuse".

Hélder Valério disse...

Caros camaradas, em particular o JMMartins

O Albino é de facto nosso tabanqueiro e já tem passado aqui alguns dos seus poemas.
Aliás ele disse, salvo erro, que boa parte deles eram da 'história da Unidade'.

Abraço
Hélder S.