domingo, 10 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11230: Em busca de ... (218): O meu amigo Inhatna Biofa, um dos jovens guineenses que gravitavam à volta da tropa (Henrique Cerqueira)

Inhatna Biofa com o pequeno Miguel Nuno

1. Mensagem do nosso camarada Henrique Cerqueira (ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74), com data de 4 de Março de 2013:

Olá Boa noite camarada e amigo Carlos Vinhal.
Hoje deu-me para a nostalgia, pois que andei a ver umas fotos da nossa Guiné e veio parar às minhas mãos precisamente uma fotografia que para nós cá em casa é muito importante. É que esta foto conta-nos estórias da nossa passagem pela Guiné.
Eu aqui falo no plural porque esta fotografia é muito importante para mim, para a NI e para o Miguel Nuno que na altura tinha dois anitos.
Foi então e como do costume ao  "correr da pena” e com o coração nas mãos que resolvi escrever uma espécie de homenagem ao “meu” Inhatna Biofa.

A foto não tem grande qualidade de imagem, a escrita também não lhe fica a dever nada em qualidade mas, o sentimento é verdadeiro e como tal se achares por bem gostaria de ver publicado esta singela homenagem e como sempre darás o tratamento que achares por bem.
Sei que tens imenso trabalho, daí ficará ao teu critério a oportunidade da publicação.

Um abraço
Henrique Cerqueira


INHATNA BIOFA, MEU AMIGO

Hoje ao rever velhas fotografias dos meus tempos na Guiné deparei com esta que aqui será publicada. Mas antes narrarei uma breve estória sobre o meu amigo Inhatna Biofa.

O Inhatna era mais um dos muitos jovens da Guiné que gravitavam à volta das nossas tropas, sobrevivendo com algum dinheiro que nós lhes íamos pagando por pequenos trabalhos que eles estavam sempre prontos a executar. Iam conseguindo também alguma alimentação que algumas das vezes levavam para a sua tabanca para repartir com familiares, quando os tinham.

O "meu" Inhatna foi-me "passado" no Biambe por um Furriel que eu rendi. Já era muito querido pela malta antiga e sentiram-se na obrigação de garantir a continuidade do bom tratamento desses rapazinhos .

Passado muito pouco tempo de convivência com o Inhatna ganhei logo muita admiração pelo empenho e seriedade do seu comportamento isto no que se relacionava com as atividades "domésticas" ou seja cuidar da minha roupa junto das lavadeiras mas muito especialmente ele me acompanhava sempre para o mato carregando um bornal com granadas e munições suplementares para o caso de ser necessário. Foi o que veio a acontecer.

Certo dia numa operação de patrulha o nosso grupo caiu numa emboscada. Eu ia na frente juntamente com três milícias e logo atrás de mim, como sempre, o meu amigo Inhatna. Nós só tínhamos três meses de mato e como é natural nos primeiros momentos do ataque pelo menos deitei-me no chão e só não escavei um buraco porque não sabia se devia usar as mãos para escavar ou tapar a cabeça. Eis que passados alguns eternos minutos olho para o lado e vejo o meu Inhata a municiar a minha arma com as instalaza e a preparar-se para disparar. Aí senti alguma "vergonha" saquei-lhe a arma das suas mãos e toca a disparar e o Inhatna sempre a meu lado a municiar. Este, numa breve acalmia do ataque, teve o cuidado de me confortar dizendo que já estava habituado e que só queria municiar a arma . Eu acho que ele se apercebeu que inicialmente eu estava era todo acagaçado e na verdade estava mesmo.

A partir daí se eu gostava dele fiquei ainda mais seu amigo. Tentei sempre que nada lhe faltasse dentro das nossas carências. Até porque era "fácil" satisfazer algumas das suas necessidades, eles davam-nos muito mais que aquilo que nos pediam... daí ainda hoje me sinto em dívida com o "meu" Inhatna.

Mais tarde fui para Bissorã para a CCAÇ 13 e como não poderia deixar de ser o Inhatna me acompanhou continuando a ser sempre o Fiel amigo e de certo modo "servidor" para os trabalhos relacionados com lavadeiras. Até porque ele se recusava a receber esmolas queria sempre justificar o pagamento que lhe dava em dinheiro.

Mais tarde eu chamei para junto de mim a minha mulher e filho, já todos sabem, e como não poderia deixar de ser, o Inhatna foi desde logo "adotado" pela família até porque eu tanto nas primeiras férias como por cartas já tinha falado muito sobre ele.

Então se até aí ele estava próximo de mim, muito mais tempo passou a conviver com todos nós, passando mesmo a fazer parte da família. Tínhamos um prazer enorme em lhe ensinar hábitos de comportamento tanto à mesa como outros que na altura pensávamos serem úteis. Até porque ele era extremamente inteligente e de trato delicado. E além disso era um excelente jogador de futebol.

O Inhatna tinha ainda um poder de partilha incrível e uma sensibilidade humana que a mim e aos meus nos serviu de alguma lição.

Certo dia estávamos à mesa e poisaram duas moscas a acasalar. Como eu pensava ser natural preparo-me para matar as ditas "desavergonhadas" e de imediato o Inhatna disse-me :
- Furiel não mata, elas só estão a falar e já vão embora. Foi tão sentida aquela sua intervenção que embora eu considerasse que mesmo assim era pouco saudável ter moscas na mesa de jantar eu não resisti à sua pureza de sentimentos, pois ele era assim com todo o tipo de animais ou insetos.

O seu sentido de partilha era de igual modo surpreendente. Como em nossa "casa" havia sempre uma ou outra guloseima, se por acaso ele estivesse a comer algo do género e aparecesse alguma visita da população, o que era muito frequente, ele partilhava sempre o que estava a comer mesmo tirando da própria boca. A minha família e eu aprendemos também com o Inhatna.

Há ainda a realçar o facto que ele era uma ótima companhia para o meu filho Miguel, estava constantemente alerta a todas as suas traquinísses e brincadeiras. Nós tínhamos total confiança no Inhatna, era como se fosse um irmão mais velho. Até ensinou algumas palavras em Balanta e crioulo ao Miguel e ele só tinha dois anos de idade!

Inhatna meu amigo, onde estás tu?
Quero aqui te prestar esta singela homenagem e quero que saibas que jamais sairás dos nossos corações.
Haveria muito mais a escrever sobre ti mas seriam necessárias muitas palavras para te descrever mais profundamente .

Bom caros camaradas do blogue de certeza muitos de vós também tiveram o vosso "Inhatna" o mais "famoso" aqui no blogue é precisamente o nosso camarada e amigo Cherno Baldé que teve a felicidade de conseguir construir um futuro e é hoje muito respeitado inclusive por mim que muito gosto tenho em ler os seus artigos e comentários.
Aliás sempre que ele escreve aqui no blogue eu me lembro ainda mais do "meu "Inhata Biofa.

E já agora, nem sei se é assim que se escreve o nome dele pois que eu o escrevo conforme se prenunciava. Ele era mais um dos que nem identificação tinha, creio até que nem família biológica tinha.

MAS O INHTNA ERA FAMILIAR DE TODOS.

Termino por aqui com um abraço saudoso ao Inhatna, esteja ele onde Deus quiser.
Partilho, tal como ele me demonstrou, este abraço com todos os "INHATNAS" que existiram na Guiné.

Henrique Cerqueira
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 5 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11193: Em busca de ... (217): Faltam 4 elementos para completar a lista nominal dos 184 camaradas que integraram a CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72)... Um deles é o Carlos Alberto de Oliveira Rodrigues... Quem saberá do seu paradeiro ? (Ricardo Lemos, Matosinhos)

3 comentários:

Antº Rosinha disse...

"...nem identificação tinha, creio até que nem família biológica tinha..."

Henrique Cerqueira, nas tabancas daquele tempo não havia nem filhos de pais incógnitos, nem crianças abandonadas.

Aquelas famílias extremamente alargadas de vários meios irmãos das Segundas e Terceiras mulheres, fazia com que não houvesse pessoas «excluídas».

Não sei fazer uma explicação sobre o aparecimento tão frequente como aconteceu sempre com esses menores que se aproximavam dos militares.

Mas há uma explicação concerteza.

Cumprimentos

Hélder Valério disse...

Caro Henrique

Seria bem interessante se o Inhatna ainda fosse vivo e pudesse ter conhecimento desta tua referência à sua memória e que, no fundo, funciona também como homenagem.

Abraço
Hélder S.

carpitariajsantos@gmeil.com disse...

camarada furriel Henrique eu sou da tua guerra um soldado do teu pelotão 3ºCompanhia batalhão 46/10 que estive no BIAMBE SOU O SOLDADO 020919 APONTADOR DE MORTEIRO 81 José Maria dos Santos sou do Peso da Regua tenho lido o que o furriel tem escrito e tem lembrado todos esses momentos eu estive muitos anos emigrado na venezuela so agora eu consegui o blo de Luis Graça e estou recordando tanto do que la passei