quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10890: (In)citações (46): Em louvor das canoas nhomincas... e a propósito da notícia do trágico naufrágio de 28 /12/2012, ao largo de Bissau (Patrício Ribeiro)


Guiné-Bissau > Bolama > s/d > Cais > Uma canoa nhominca, para transporte de passageiros. A sua lotação máxima são 100 passageiros.

Foto: © Patrício Ribeiro (2009). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro [, foto á direita, quando fuzo em Angola](*):


Data: 31 de Dezembro de 2012 18:02

Assunto: Guiné-Bissau de luto nacional por causa de naufrágio de piroga  + Canoas Nhomincas


Luís

Não me apetece comentar [, a notícia do trágico naufrágio ocorrido em 28 de dezembro, ao largo dop porto de Bissau, com um canoa sobrelotada, que vinha de Bolama] (**), mas...

Já viajei nestas canoas nhomincas, algumas centenas de horas (, talvez até milhares),  para todas as Ilhas dos Bijagós.

Para Bolama, viajei muitas dezenas de vezes, em diversas embarcações. Quer nestas canoas, ou pequenos botes, algumas vezes durante a noite. Nos últimos tempos em barcos grandes, que até há pouco tempo faziam a carreira duas vezes por semana, e que agora estão avariados.

Algumas vezes nestas viagens tinha por companhia o Comandante Alpoim Calvão, meu comandante na Escola de Fuzileiros em 68/69, que lá tem, [em Bolama,]  uma fábrica de descasque de caju e dá emprego a mais de 200 pessoas.

Em 2012, viajámos juntos 2 vezes, 5 horas para cada lado. Os barcos tinham que passar por Bolama de Baixo, devido ao calado, não podiam passar pelo canal.

As canoas passam pelo canal de Bolama com a maré cheia, levam 2,5 horas em cada percurso. Nesta época do ano, há marão entre a Ilha das Areias até Bissau, o lugar pior é já perto de Bissau, as ondas são maiores e apanha também as correntes sempre muito fortes das marés, foi o que aconteceu infelizmente, com esta.

As coisas nem sempre correm bem, nesta época do ano entre Dezembro e Janeiro, devido aos ventos que provoca o marão, que são ondas de 1 até 2 metros.

É que devido a estas desgraças, há 3 ou 4 anos o governo decretou, que todas as embarcações tinham que ter: (i) um rádio de comunicação; e (ii) coletes salva vidas para todos os passageiros, e que (iii) cada embarcação só podia levar um determinado número de pessoas.

Já estive algumas horas à espera que a polícia marítima fizesse sair os últimos que entravam contra as ordens dos marinheiros da embarcação... É muito difícil... Ninguém quer sair... Toda a gente se conhece... São todos amigos... Não há respeito pelas autoridades... E a hora da maré não espera... É tudo contra relógio!

A maioria das vezes lá segue viagem com o dobro ou o triplo dos passareiros. Uma vez de Bubaque para Bissau, contei 200 pessoas numa canoa grande, trazia a mais, 100 pessoas, não foi nada fácil chegar ao destino…

Já passei por grandes problemas que davam para contar durante horas, mas como dizem os meus amigos... "chego sempre"... E eu acrescento: até agora, felizmente! Foi numa destas canoas "nhominca", que fiz a viagem para a fragata Vasco da Gama, acompanhado de outros portugueses [, em 1998]…

Por vezes quando todos entram em pânico, é necessário tomar algumas atitudes pouco "recomendáveis" e tomar conta da embarcação, que o digam os meus colaboradores, ou alguns nossos amigos, que brincam com o que às vezes tenho que fazer, para que tudo corra bem. "É necessário que cada um fique no seu lugar, não deixar que corram todos para o mesmo lado".

As canoas nhominca são as melhores embarcações e que se adaptam ao mar desta costa de África. O povo Nhominca foi quem as construiu há séculos, propositadamente para este mar!...

Já mandei construir algumas destas canoas, que depois entrego aos projectos, em pequenos estaleiros em Bissau, ou no grande estaleiro de Zinguichor, no Senegal. A maior concentração destas embarcações que já vi, foi em St. Louis, no norte do Senegal, umas largas centenas! Elas percorrem todo o mar costeiro, nesta costa de África, à pesca.

Boas festas

Patricio Ribeiro
IMPAR Lda
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 24 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10715: (In)citações (45): Carlos Guedes e Teco com livro sobre a CCAÇ 726, em preparação (Virgínio Briote)


(**) Excerto de notícia  da Lusa, publicada no JN - Jornal de Notícias, de 2 de janeiro de 2013:

(...) A polícia marítima da Guiné-Bissau confirmou, esta quarta-feira, que subiu para 29 o número de mortos no naufrágio de uma piroga em 28 de dezembro ao largo de Bissau.

Fonte da polícia marítima disse à agência Lusa que até terça-feira foram oficialmente contabilizados 29 mortos, depois de ter sido encontrado o corpo de um homem de 30 anos junto ao cais do porto comercial de Bissau.

O corpo foi levado para a morgue do hospital Simão Mendes, disse a fonte da polícia marítima, que confirmou que nos últimos dias têm sido encontrados corpos de náufragos "em lugares diferentes".

A mesma fonte confirmou também que a Policia Judiciaria (PJ) já tomou conta do caso estando neste momento a ouvir as pessoas diretamente envolvidas no acidente, nomeadamente o capitão do porto da ilha de Bolama, de onde partiu a piroga que naufragou, o dono da embarcação e a tripulação da mesma. (...)

No discurso à Nação por ocasião do fim do ano, o Presidente de transição da Guiné-Bissau, Serifo Nhamadjo exigiu que as pessoas responsáveis pelo naufrágio sejam encontradas e castigadas para que situações do género não voltem a acontecer no país.

Cinco dias após o naufrágio, a polícia marítima e a capitania dos portos de Bissau continuam sem saber quantas pessoas poderiam estar na piroga uma vez que os números de passageiros oficialmente transportados pela embarcação não coincide com aquele que tem sido referido pelos passageiros sobreviventes do naufrágio.

O delegado da polícia marítima de Bolama alega que a embarcação transportava 97 pessoas e os passageiros afirmam que seriam entre 150 a 200 pessoas. (...)

5 comentários:

Luís Graça disse...

Patrício, sinto muito o que aconteceu... É uma tragédia enorme para o povo da Guiné, a quem nos ligam laços profundos de amizade...

E tu, tem cuidado!...

Não conhecia o termo "marão" que, segundo o diciona´rio Priberam, quer dizer: (i) Casa grande (em Trás os Montes); ( e (ii) Carneiro de cobrição.

"Marão" (mar encapelado) deve crioulo da Guiné... Bom ano, bons ventos, boas novas, para ti e todos os amigos da GB.

Anónimo disse...

Um pouco depois da Páscoa de 68, já perto do fim da Comissão, tendo ficado em Medjo a entregar material à Companhia que substituiu a minha (CCAÇ 1622), tendo passado por muitos enrascansos na coluna par Guledje (quando começou a operação de ocupação de Gandembel, na coluna para Gadamael, no rio até Cacine, em Catió, de novo na viagem na água até Bolama (onde foi necessário esconder-me porque a minha Companhia tinha estado à porrada com fusileiros), ainda passei por um quase naufrágio na passagem para Bissau. De repente pôs-se um mar altíssimo, serras de água enormes que vinha em direcção ao barco parecendo que iriam passar-nos por cima. O barco subia a serra e caia do outro lado com enorme estrondo. Um pescador de Peniche disse-nos que era bom gritar éh mar quando a onda vinha e era ver brancos e negros, homens e mulheres a gritar. Gastámos nisto uma meia hora até que começámos a ver mar chão ao longe e a calma a regressar.
José Brás

Henrique Cerqueira disse...

Em 1972 por volta de Julho ,Agosto fiz essa viagem entre Bissau e Bolama e posteriormente o regresso de Bolama a Bissau.Porque fui para Bolama fazer formação para as Companhias Africanas,estive inclusimamente uma semanba na Ilha das Cobras,que por acasado foi o sitio onde comi as melhores ostras da minha vida.
Mas o que conta aqui é que já nessa altura e embora a viagem tenha sido feita numa espécie de pequeno Cargueiro,este, tanto na ida como na volta fêz as viagens altamente super-lotados eu e mais camaradas meus fizemos a viagem sentadas na amurada da proa e por acaso em certa altura as ondas eram mais que muitas e excessivamente altas.Já agora e quando a nossa companhia veio do Cumeré para Biambe um grupo nosso foi para Inquida em LDM e a mesma ia tão cheia e tão forçada na ponte de desembarque que ao aproximar a atracação a ponte rebentou atirando vário material de guerra á água e vários camaradas foram ao banho.A sorte é que aconteceu muito perto da margem e a malta lá se safou.
Por tal não é de admirar estes tipos de acidentes mas sim lamentar as perdas de vidas por falta de respeito das mais elementares regras de segurança.
Os meus sentidos pêsames aos Guineences assim como ao drama que que aquele país continua a passar na sua luta por um vida feliz.
Henrique Cerqueira

Cherno Baldé disse...

Caro Patricio,

As tuas palavras correspondem, fielmente, a realidade das ligacoes maritimas com as nossas ilhas:
1- Nao ha o minimo respeito pelas denominadas autoridades maritimas ou autoridades em geral, no caos politico e administrativo que se transformou a Guiné, acrescido da perda de valores morais e sociais de outrora.
2- Nao se cumpre com as regras estabelecidas pela regulamentacao em vigor sobre estas actividades.

E o resultado que se pode esperar de tudo isso é o que a gente viu no dia 28 de Dezembro ultimo.

Sobre os barcos avariados, eu pessoalmente sempre questionei se seriam os mais adequados para estas operacoes de transporte de pessoas e bens com as ilhas e nessa altura, tendo em conta o tamanho, capacidade, custos com pessoal e manutencao, tratando-se de ilhas pouco povoadas, baixo fluxo de produtos e mercadorias e ainda um turismo incipiente.

Sendo louvavel e muito importante a intencao, nao me parece, no entanto, que a sua aquisicao fosse sustentada por um estudo prévio de viabilidade tecnica e financeira.

Sobre os "Nhomincas" gostaria de especular que, provavelmente, nao seriam propriamente um povo, mas sim uma designacao genérica de grupos de origens diversas(Lébous, Sérére, mandingas, etc.) tradicionalmente dedicados as actividades de pesca maritima na costa da Senegambia, incluindo hoje a Guiné-Bissau.

Um grande abraco,

Cherno Baldé

Antº Rosinha disse...

Ainda houve uma tentativa de manter e melhorar os transportes fluviais tradicionais do colon.

Luís Cabral ainda conseguiu "patacon" para substituir cais de madeira por betão armado e uns barcos bastante bons.

Como havia bons marinheiros, conhecedores dos canais e marés, estava tudo perfeito para tudo funcionar bem, quais cacilheiros. (sem greves, claro).

Mas há muitos motivos para perder a maré, e tudo encalha no lodo.

Cumprimentos