sábado, 20 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10550: Parabéns a você (485): Rogério Cardoso, ex-Fur Mil da CART 643/BART 645 (Guiné, 1964/66)

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Notas de CV:

Com o meu pedido de desculpas ao camarada Rogério Cardoso, publico agora o seu poste de aniversário. Em seu lugar apareceu indevidamente o camarada Inácio Silva que não está interessado em festejar o seu aniversário duas vezes no mesmo ano.
O meu muito obrigado ao camarada Manuel Marinho, que mais uma vez me alertou para o meu lapso.

Vd. último poste da série de 20 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10548: Parabéns a você (484): Fernando Súcio, ex-Soldado Condutor Auto do Pel Mort 4275 (Guiné, 1972/74)

Guiné 63/74 - P10549: Do Ninho D'Águia até África (19): Furriel Roger, o Herói (Tony Borié)

1. Décimo nono episódio da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (19)

Furriel Roger, o herói!



Lisboa, 10 de Junho de 1966 > Na foto, o Fur Mil Rogério Cardoso*, na fila de trás, assinalado com o círculo, antes de ser condecorado com a Cruz de Guerra. Em primeiro plano, à esquerda, também assinalado com um círculo, o seu Comandante, o Coronel Braamcamp Sobral.
Foto de Rogério Cardoso. Legenda de Carlos Vinhal


O carro dos doentes, como é conhecido no aquartelamento, vai ao hospital, que fica na capital da província, uma vez por semana.

Mais propriamente à sexta-feira.

A viatura é igual a outras que já aqui descrevemos. Quatro bancos corridos descobertos. Se chove, pouca diferença faz, até refresca.

Os doentes, são aqueles que necessitam de tratamento periódico, ou adoecem mesmo, com qualquer enxaqueca, e vão à consulta, previamente marcada. Se for ferimento grave, ou qualquer outra causa de emergência, são evacuados de helicóptero. Pelo menos é o que tem acontecido.

Sempre acompanha a viatura, uma secção de combate, que normalmente viaja em dois jeeps, um atrás e outro na frente. Desta vez, os militares vão mais confiantes, pois quem comanda esta secção de combate é o furriel miliciano “Roger”, era por este nome que era conhecido, um bom guerreiro e líder, entre os militares de acção, e está estacionado num aquartelamento onde quase tudo é improvisado, numa povoação mais a oeste, em plena zona de combate. Neste momento, vai com a G3 numa mão, de pé, em cima do jeep, seguro com a outra mão, a apanhar a aragem fresca no corpo, como de uma dádiva se tratasse.

O Cifra lembra-se, não só pelas mensagens, que na altura lhe passaram pelas mãos, mas o que era voz corrente entre militares de acção, pois este bravo militar, que pertencia a uma companhia do batalhão, cujo comando, estava estacionado no aquartelamento de Mansoa, se não estou em erro era o Batalhão de Artilharia 645, mais tarde, foi considerado um herói, pois foi evacuado, ainda vivo, da zona de combate, com as pernas bastante danificadas, pois uma granada, atingiu-o, não explodiu, e ele ferido com o impacto, ainda teve coragem de arremessar a granada para longe, com receio que explodisse e ferisse os seus colegas, que angustiados e desesperados debaixo de fogo intenso, enquanto tivessem munições, usavam “puta da G3”, alguns gritando, com os olhos vermelhos de fúria e alguma raiva, outros protegendo-se, tentando sobreviver, sem pensarem em mais nada, que não fosse manterem-se vivos.

O furriel Roger foi um dos militares que ficaram no pensamento de muitos, a sua fotografia foi colocada no quadro de honra, que existia no aquartelamento em frente às instalações do comando a que o Cifra pertencia, para exemplo de todos, e em especial de tropas novas, e a sua história faria páginas e páginas. Até foi motivo de uma certa rivalidade, em mensagens trocadas com o comando territorial na capital da província, pois ambos os comandantes, tanto o do comando a que o Cifra pertencia, como o do seu batalhão, o queriam apresentar como sendo seu militar.

A guerra para ele acabou, começou outra guerra, que era a sua possível reabilitação. Depois de tratado, com os meios que na altura havia no hospital da capital da província, foi evacuado para a Metrópole, como então se dizia, de onde andou de hospital em hospital. Mais tarde, depois dessas rivalidades entre comandantes, o comandante do Cifra, propôs uma cruz de guerra ao Roger, que recebeu mais tarde, por altura do dia 10 de Junho, em Lisboa. O furriel Roger, além de ser uma pessoa alegre, e popular, pois tinha uma alegria e entusiasmo contagiantes, era decidido e corajoso, e fazia parte de um grupo que “ia a todas”.

Fotografia do Roger, tirada em plena zona de guerra, na região do Oio, sempre sorridente, sentado numa viatura auto, com o registo MG-21-29. Foto tirada na estrada, rodeada de matas, que naquela altura não era mais que um carreiro, entre Bissorã e o Olossato.

Estas simples palavras são uma homenagem, em nome daqueles que ele tinha a esperança de salvar, ao atirar para longe a granada, embora já estivesse ferido, com desprezo pela sua própria vida, pois nesse momento sentia o dever da sua responsabilidade como líder, embora já não pudesse mover as suas pernas, destroçadas e cobertas de sangue.

Felizmente, ainda está vivo, e faz parte dos nossos, que cada vez somos menos, os antigos combatentes.
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Notas de CV:

(*) Rogério Cardoso foi Fur Mil na CART 643/BART 645 que esteve em Bissorã nos anos de 1964 a 1966

Vd. último poste da série de 16 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10536: Do Ninho D'Águia até África (18): O clima do Equador (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P10548: Parabéns a você (484): Fernando Súcio, ex-Soldado Condutor Auto do Pel Mort 4275 (Guiné, 1972/74)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10545: Parabéns a você (483): Carlos Filipe, ex- Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872 (Guiné, 1971/74)

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10547: Blogpoesia (308): Lisboa é um cofre forte, suíço... (Luís Graça)




Lisboa, vista em perspectiva. Gravura em cobre, meados do Séc. XVI (Pormenor) (in G. Braun - Civitates Orbis Terrarum.., vol. V, 1593) (Fonte: Museu da Cidade). Em meados do Séc. XVI, a cidade de Lisboa não sofrera grandes alterações desde o reinado de D. Manuel. Destaque, ao centro, para a representação do Terreiro do Paço e, mais a norte, a Praça do Rossio, com os edifícios do Paço dos Estaus, ao fundo, e do Hospital Real de Todos os Santos, do lado direito. O hospital ocupava grande parte do que é hoje a Praça da Figueira, e pode ser considerado o primeiro hospital mundial da era da globalização, inaugurada pelos portugueses, com a descoberta do caminho marítimo para a Índia.


Lisboa é um cofre forte suíço


(poema dedicado aos meus amigos kaluandas 
Elisabete Pinto, Jorge Lima, 
Paulo e São Salgado, 
Raúl Feio e Rui Pinto, 
pela sua sabedoria, 
pela sua hospitalidade,
pelo seu exemplo de interculturalidade

... mas também a uma jovem e sofrida poetisa do Huambo,
que foi minha formanda, Yelisa Visimilo, de seu nome literário,
e que teve a gentileza de me oferecer um exemplar autografado do seu primeiro livro de poemas)

Lisboa é um cofre forte,
uma casamata,
um bunker.
É linda de morrer,
... mas à distância de um tiro de canhão,
diz Braun, em 1593.

Para quem vem do norte
negociar as especiarias da Índia,
na Rua do Bem Formoso,
Lisboa é irrisão,
é uma miragem,
é o vento Suão,
é Seca e Meca, 
é torre de Babel,
é um ponto de reunião de meridianos, 
ou um simples lugar de passagem, 
com doces enlevos e puros enganos.
 
Do Palácio dos Estaus,
onde os santos oficiantes do Santo Ofício 
se reúnem em concílio,
ao Hospital Real de Todos os Santos,
o primeiro hospital da era da globalização,
vai um tiro de mosquete,
enquanto o mouro cai do minarete
e o pobre do rei do Congo morre no exílio.
Para lá do horizonte, a liberdade,
para cá da ponte,
a saudade.

Ah!, e há a embaixada 
da Sereníssima República da Suíça, 
com as suas grades nas janelas, 
de alto a baixo. 
E a ética protestante calvinista, 
afixada à porta.
Do Brasil virão canários e araras 
que em vez de alpista 
comerão papas da Nestlé, 
enquanto partem caravelas p’ra Guiné, 
terra de azenegues e de negros.
No tempo em que ainda não havia negócios da China.
 
A Suíça é burguesa, 
trepadora,
alpinista.
É um eldorado 
onde os cãocidadãos são levados pelas trelas 
dos donos 
e não mijam no chão. 
Dizem que lá o céu não é azul, 
é forrado a ouro.

Lisboa, essa, é de cor branco, sujo,
com cadáveres de escravos 
a boiar no Tejo imundo. 
Lisboa é o poço dos mouros e dos negros. 
Lisboa é a chusma de pedintes 
às portas das igrejas barrocas. 
E dos condomínios de jardins de luxo, 
e que luxos!, ai!, 
que luxos,
com buxos, 
até ao pescoço dos ricos, 
suspensos sob um céu de chumbo.

Não sei por que é que o pobre e o rico,  
gostam, em Lisboa, 
cidade,
púdica,
do risco
da exposição pública.
E também não sei, ai!,
por que é que se nasce suíço,
num cofre forte como maternidade.

Sigo hoje no voo da TAAG Luanda-Dubai.

Angola, Ilha de Luanda, 14-18 out 2012

(com um kandandu para os amigos e camaradas da Guiné, 
se a Internet ajudar)
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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10540: Blogpoesia (307): Àguas Paradas (Juvenal Amado)

Guiné 63/74 - P10546: Notas de leitura (420): "Guiné Portuguesa", por Avelino Teixeira da Mota (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Agosto de 2012:

Queridos amigos,
Teixeira da Mota consegue uma síntese meritória sobre a história da presença portuguesa na Guiné. Possui, mais do que qualquer outro historiador do seu tempo, informação sobre o que escreve: as viagens do século XV, as viagens pelos rios e através dos emissários que chegam ao interior profundo de África; o enfraquecimento da presença portuguesa devido a piratas e corsários franceses que só de 1500 a 1531 capturaram cerca de 300 navios; domina com mestria a literatura de viagens, a presença dos missionários, as sucessivas campanhas militares em busca da pacificação.
A sua monografia continua em muitos pontos a manter a exigência da leitura do estudioso ou do curioso.
Pasma como não se tenha voltado a reeditar esta obra incontornável.

Um abraço do
Mário


“Guiné Portuguesa”, por Avelino Teixeira da Mota (2) 

Beja Santos

O segundo volume da monografia de Teixeira da Mota arranca com a história da ação portuguesa na região, as descobertas da costa africana para sul do Bojador. De um modo geral, estas viagens acabavam em contactos no litoral, só muito excecionalmente se subiam os rios ou se procediam viagens por terra. Ficaram relatos de viagens até ao reino de Tombuctu. Algumas dessas viagens e explorações só virão a ser repetidas por outros europeus no século XIX. E procura um enquadramento: “A história dos portugueses na África Ocidental, pelo menos na sua fase inicial, tem de ser encarada em conjunto. Por todos os meios os reis portugueses procuraram assegurar-se do monopólio da ocupação e comércio da região, baseando-se na prioridade de descobrimento. Os outros Estados europeus não o reconheceram, pelo que se desenrolou uma ativa rivalidade que veio a resultar, nos fins do século VXI na perda efetiva de tal monopólio”. E tece considerações sobre os três núcleos de ocupação em Cabo Verde, Guiné e São Tomé. No que toca aos Rios de Guiné do Cabo Verde, os reis arrendavam o seu trato a um ou mais particulares. Eram os habitantes do arquipélago de Cabo Verde os únicos autorizados a comerciar nesta zona. Não houve quem defendesse a primazia do interesse em ocupar a Guiné. O clima era devastador.

Recorde-se que quando os ingleses iniciaram, em finais do século XVIII o povoamento da Serra Leoa, a mortalidade foi tal que se passou a chamar a esta parte de África “cemitério dos brancos”. Uma das razões explicativas para o povoamento da Guiné foi a sua ligação com o arquipélago de Cabo Verde. O proselitismo religioso encontrou todos os obstáculos relacionados com o clima e o islamismo. No início do século XVII, os jesuítas lançaram-se na atividade missionária na região de Senegâmbia, mas o projeto não teve continuidade. A meio do mesmo século, os franciscanos lançaram-se nos Rios da Guiné de Cabo Verde, empreendimento também sem sucesso. A fixação de portugueses foi na zona das rias, eram fundamentalmente os lançados ou tangomaos, como Teixeira da Mota explica: “O nome veio-lhes de andarem lançados pelo meio dos indígenas, vivendo e cruzando-se com eles. Se por um lado contribuíram para irradiar a influência portuguesa, por o outro facilitaram a ação dos franceses e ingleses, a quem de preferência vendiam os produtos no sertão. A sua penetração para o interior não ultrapassava normalmente o limite das marés, o que mostra o carácter predominantemente comercial de tal povoamento, em ligação com as condições de navegação. Data de 1588 a primeira fortificação na região, mais propriamente no Cacheu. No Rio Grande de Buba havia também várias povoações portuguesas, algumas fortificadas. O comércio fazia-se sobretudo nos rios Casamansa, Cacheu, Geba e Buba. Em 1675, é criada a companhia de Cacheu e em 1687 iniciou-se a construção de uma fortaleza em Bissau. O ano de 1792 marca o início de uma época em que a posição portuguesa na Guiné esteve prestes a perder-se. É naquela data que os ingleses Beaver e Dalrymple desembarcaram na ilha de Bolama, à testa de uma expedição de 570 pessoas, sofreram tantas baixas que foram forçados a regressar a Inglaterra. Em 1810, no tratado com a Inglaterra, Portugal comprometia-se a cooperar com o seu aliado na abolição gradual do comércio de escravos. Tais acordos permitiram aos ingleses, à sombra da fiscalização da navegação, a imiscuírem-se nos assuntos da Guiné- em simultâneo, os franceses punham em ação um plano para se apoderarem do território onde os portugueses estavam presentes. E o oficial da marinha faz o doloroso reparo: “A marinha brilha pela sua ausência na Guiné. No século XVIII ela permitira-nos defender os nossos direitos no Casamansa perante os franceses, e ajudara na construção do forte de Bissau. No século XIX, tirando os últimos decénios, não há navios de guerra portugueses na Guiné. Os marinheiros franceses e ingleses exercem à vontade o direito de visita aos navios mercantes portugueses, levam a cabo brilhantemente um novo e mais rigoroso levantamento hidrográfico da costa, por toda a parte impõem o prestígio da força aos indígenas, obtêm destes inúmeros contratos de venda de terrenos, protegem eficazmente as feitorias comerciais, etc.”. E paulatinamente vão fixando-se na foz do Casamansa e em Boké, no rio Nuno. Aos poucos Ziguinchor foi sendo cercada pela presença francesa. O autor elenca depois as cenas lamentáveis que se foram vivendo na primeira metade do século XIX: revoltas de guarnições; lutas políticas entre fações opostas, transportando-se para o Ultramar as divisões vividas na metrópole, e assim escreve: “Assiste-se ao cúmulo de uma das partes solicitar o apoio de franceses e ingleses contra a outra, e são navios de guerra estrangeiros que por vezes asseguram a defesa dos habitantes de Bissau contra os Papéis”. Descreve igualmente a ação de Honório Pereira Barreto para dignificar a administração e defender a integridade do território.

Findo o regime da escravatura procurou-se nova situação económica na mancarra, a partir de meados do século XIX aparecem os “ponteiros”, agricultores e comerciantes que vão estimular os autóctones para a cultura da oleaginosa; foi em Bolama e nas margens do Rio Grande de Buba que se iniciou o ciclo da mancarra, estabelecendo-se aí numerosas feitorias. Porém, as relações mercantis com o exterior eram feitas praticamente só para o estrangeiro, e por casas francesas, alemãs e francesas que montavam na Guiné as suas filiais. E o autor lamenta: “A Guiné, celebrizada na Europa pelo seu mau clima, foi considerada uma simples colónia-feitoria pelos homens públicos do século passado, que entendiam que a ação portuguesa se devia limitar à conservação das posições nas rias. Não se vislumbra assim o mais pequeno interesse pelo interior. É significativo que não tenha havido um único explorador português nesta parte de África durante o século XIX, e que a Guiné tenha servido de ponto de partida ou de chegada a exploradores franceses”. Em 1878 dá-se a autonomia administrativa da Guiné, ficou desligada de Cabo Verde. Depois do desastre militar de Bolor, em 1878, tornava-se imperativo ocupa o território, reorganizar os serviços públicos e criar postos militares. Inicia-se um período de guerras, que não abrandou com a convenção luso-francesa de 1886, que definiu os limites da Guiné Portuguesa. E assim conclui a sua digressão pela história da ação portuguesa: “Na Guiné é raro o ano em que não há operações militares, que por vezes se têm de repetir várias vezes contra as mesmas populações. É o caso dos Papéis (1891 e 1894) que mantêm em Bissau em permanente estado de cerco. No interior é Mussá Molô, que foi mais fácil de bater (1892); no Gabu os Fulas submeteram-se sem operações. Em 1897, inicia-se a primeira campanha do Oio. Em 1904, há uma nova campanha do Churo. Em 1907 e 1908, o governador Muzanty leva a cabo uma brilhante ação na área do Geba.

Em 1913, o governador Carlos Pereira manda demolir a muralha que protegia a povoação de Bissau, mas os Papéis serão os últimos indígenas a submeter-se. Cabe a Teixeira Pinto a glória de o fazer, em 1915, depois de duas campanhas brilhantes no Oio. A pacificação completava-se finalmente, embora depois ainda houvesse operações contra Abdul Indjai e os Bijagós de Canhabaque.

À fase de ocupação militar, que tão duros e longos sacrifícios custou, seguiu-se a fase da ocupação administrativa. Os resultados que estes conseguiram em curto espaço de tempo, são o fruto de uma das mais notáveis obras levadas a cabo no Ultramar, durante este século, pelo quadro administrativo”.

A monografia depois espraia-se por tópicos como o desenvolvimento urbano, a saúde e a educação. Adiante, expõe os fundamentos económicos da valorização portuguesa com bastante pormenor. É neste ponto que se deve articular a leitura de Teixeira da Mota com a investigação de René Pélissier, de cujo trabalho já aqui se deixou recensão.
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Notas de CV:

Vd. primeira parte no poste de 15 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10532: Notas de leitura (417): "Guiné Portuguesa", por Avelino Teixeira da Mota (Mário Beja Santos)

Vd. ultimo poste da série de 17 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10541: Notas de leitura (419): "Guerra de África - Guiné, 1963-1974", por Coronel Fernando Policarpo - uma radiografia do conflito (2) (Francisco Henriques da Silva)

Guiné 63/74 - P10545: Parabéns a você (483): Carlos Filipe, ex- Soldado Radiomontador da CCS/BCAÇ 3872 (Guiné, 1971/74)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10518: Parabéns a você (482): Jovem amiga Cátia Félix

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10544: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (57): Bula - A guerra das minas (7): Bula - Minas, fim do suplício

 

1. Adivinha-se o fim desta série que o nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72) tem mantido com tanta regularidade.

Este episódio chegou até nós no dia 16 de Outubro de 2012:



Viagem à volta das minhas memórias (57)

Bula – Minas, fim do suplício! 

Vista parcial de Bula
Foto: © Victor Garcia. Todos os direitos reservados


Bubáque e “Peluda” à vista ?!

Os dias certamente pareceriam querer ficar cada vez mais longos e penosos, como que a querer resistir a um final de comissão de data marcada que se ia avizinhando.

Para além das actividades atribuídas e como sinal de final de comissão próximo, o Pessoal ia-se entretendo a fazer os caixotes em madeiras diversas mais ou menos valiosas e com volumetrias condicentes com a carga prevista, por norma grande. Desde gravuras, estatuetas, peles, panos, artesanato, roupas, rádios, máquinas, ventoinhas e sei lá que mais,… “coca-cola” verdadeira, “Perrier”… até peças de mobiliário nacarado asiático… tudo era encaixotado para ser despachado via marítima para a Metrópole. Claro, não podiam ser esquecidas as garrafas - distribuídas a pagantes e acumuladas ao longo dos meses - de uísques e licores, por vezes às dezenas e alguns de gabarito! Havia até negócio à conta das ditas, do tipo duas por uma ou até venda inflacionada devido à já inexistência ou à escassez de abastecimento em tempo útil. Depois de despachada, creio que pela Companhia, a caixotaria seria levantada em Alcântara (?).

Em data prevista, a CCAÇ 2791 no seu todo ou faseada, já não recordo, arrancou para o Cumeré onde iria aguardar o embarque para a Metrópole, rumo à “peluda”, deixando-me de certo modo “desenquadrado e abandonado ao destino” lá por Bula, ainda no exercício de funções mineiras. Mais tarde e se não protagonizasse um qualquer acidente, ir-me-ia juntar à Rapaziada da minha “FORÇA”.

Em dia que não registei, acabou finalmente o trabalho no campo de minas que havia estropiado uns tantos, demasiados, que deu cabo dos nervos a alguma boa gente que por lá cirandou e até a outra que por lá não tinha sequer posto os pés. Muitos milhares tinham sido levantadas. Tendo o meu contributo sido de mil e trinta e duas, a sensação de alívio, paz, tranquilidade e de certezas num futuro, só sentida se poderá entender!

Era hora de festejar o fim do suplício! Depois… dois ou três dias de recuperação e preparação já que de seguida… Bubaque,- que me tinham contado paradisíaca – se perfilava no horizonte próximo do meu pensamento como destino de uns poucos dias de descanso prometidos e a meu ver merecidamente ganhos. Com alguns “pesos” economizados no bolso iria ser, sonhava, uma pré-peluda à maneira, de “papo ao sol”, águas mornas e límpidas, peixinho fresco grelhado, bebida a contento, na certa boa companhia… enfim uns diazitos a não esquecerem! Seguir-se-ia o reencontro no Cumeré e o ”Boeing” dos TAM para a PELUDA!

Entremeados por bons momentos, aqueles meses tinham sido duros, bastante duros mas o passado já era e como se diz, ”tudo está bem quando acaba bem”. Pelo menos até ao momento assim acontecera comigo que, comparativamente, tinha sido um felizardo. Tirando uns sustos ou melhor, “cagaços” valentes e uma morteirada que mandei e me pôs a mão como uma bola, nem sequer um paludismozito apanhei.

Dizia, antes de começar a divagar (?!), que a data era para festejar e assim foi. Claro que o conceito de festejo, programado ou não, é subjectivo e variável em função do estado de espírito, dos meios e do meio, do momento e outros elementos susceptíveis de o condicionar. Para além dumas cervejolas frescas, não foi programado e foi acontecendo ao sabor dos impulsos e dos ditames mentais no momento, deixando-me em memória uma ou outra situação, se calhar para muitos e à luz de hoje, pouco próprias. Naquele contexto, aconteceram!

 Luís Faria em Bula num momento musical

Terminado o trabalho e chegado ao quartel, talvez uma das primeiras coisas que aconteceram foi tomar uma banhoca. Sim, uma banhoca, já que não resisti ao impulso de me enfiar completamente vestido no bidão de água omnipresente à porta do quarto, talvez perante as bocas de alguns e espanto de outros.

Depois de certamente ter ido ao petisco civil e regressado ao quartel, já pela noite recordo acabar no bar a pedir um “cocktail” especial, composto por uma medida de tudo o que continha o vasilhame exposto nas prateleiras do bar. Em conformidade com o pedido e sob meu controlo, foram entrando no agitador medida após medida de diferentes uísques e licores, de águas-ardentes, brandies, bagaço… até que é dado por terminado. A única medida que não foi considerada foi a do “Elsève Balsam” (?) - champô de ovo. Sob protesto e incredulidade (?!) do “barman”, não recordo o nome, e ante a minha ordem… acabou por ser também incluído na mistura, talvez deva antes dizer… mixórdia! Os passos seguintes foram emborcar a mistela, perante a expectativa dos presentes.

Tempos após e já noite adentro vejo-me meio zig meio zag , em cuecas, a jogar um jogo a céu aberto, em que o objectivo era manter à raquetada uma bola em movimento circular à volta duma haste vertical a que estava ligada por um cordão ou corrente (?).

Claro que a “mixórdia” já fazia os seus efeitos e os rodopios que os falhanços na bola me obrigavam a fazer, levavam-me a por vezes percorrer uns metros em busca do equilíbrio, acabando sentado no chão! Por fim o apelo da cama acabou por ser mais forte.

Ao acordar pela manhã seguinte senti um mal-estar horrível e uma agitação mais que anormal, parecendo-me que as veias iam rebentar. Estou f… é a merda do champô que me anda no sangue, pensei resolvendo ir tomar um banho na tentativa de acalmar. Qual quê, pareceu-me ficar pior… as veias pareciam rebentar… assustei-me de verdade e não recordo se acompanhado ou não dirigi-me para o posto-médico ali próximo. Só lembro que de imediato abri (arrombei?) a porta do médico Alf. Cruz e… acordei fresco e firme como o aço, não sei quanto tempo depois, como se nada tivesse acontecido.

Nova vida estava prestes a começar. Pensamentos secretos de “meter o chico” iriam esperar resolução mais tarde. Iria depender de auto análise mais aprofundada e da situação a encontrar na Metrópole.

Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10360: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (56): Bula - A guerra das minas (6): A "sentinela"

Guiné 63/74 - P10543: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (3): 4.º episódio: Passagens por Amadora, Lamego, Tancos e Lisboa

1. Em mensagem do dia 13 de Outubro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), mandou-nos mais um episódio da sua odisseia militar, correspondente aos melhores 40 meses da sua vida; diz ele e nós acreditamos.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

4º episódio - Escalas na Amadora, Lamego, Tancos e Lisboa

E em 30 de Agosto de 1964 fui promovido a 1.º Cabo Miliciano, pois então...
Começa aí um percurso agitado, com constantes mudanças, assim estilo "faça férias cá dentro" e foi o que me valeu para ficar bem a conhecer, algum deste País, que eu julgava ser só o Alto-Alentejo.

1º - Amadora (Regimento de Infantaria 1);
2º - Lamego ( Rangers);
3º - Tancos (Minas e Armadilhas)
4º - Lisboa (Grupo C. Trem Auto)
5º - Abrantes (Regimento Infantaria 2)
6º - Tomar (Regimento Infantaria 15)
7º - GUINÉ.

Peripécias ocorridas:

À Amadora cheguei... nem a almoço tive direito... e mandam-me avançar, de forma a estar e sem falta, no dia seguinte em Lamego. Já algo desenrascado, apanho comboios, mais comboios e certo é que às 8h30, entro no novo poiso e, qual não é a minha sorte, que dei de caras, logo à porta de armas, com um herói da minha terra, combatente já com uma comissão prestada em Angola, monitor agora, das tropas a preparar.

Trocámos abraços, continências e amigáveis palavras, e logo ali ficámos afilhado e padrinho.
Padrinho que muito ajudou enquanto cursei.

A caserna era óptima e fiquei em lugar privilegiado de cama.
Fora dos últimos a chegar e não houve hipótese de arrebanhar melhor.

Havia só que subir três beliches, até chegar ao 4º onde dormia e com uma vista fantástica para os barrotes em madeira, que até me davam para estender a roupa molhada e esta, por sua vez, passava as gélidas noites, a afagar-me a calejada epiderme, durante os raros momentos que ali estacionei, pois que os treinos eram constantes, a qualquer momento e prolongados, estafantes e só para homens de barba rija.

Foram tempos duros, mas foram uma óptima preparação para as dificuldades que vieram depois.
Ficou-me gravada, a frase "Nunca se sabe", resposta que sempre ouvíamos a qualquer pergunta que fizéssemos.

Tancos desejava-me ardentemente e as Minas e Armadilhas que as amasse... e a Barquinha ali tão perto e com tão boa comida e melhor buída...

Passou-se e eis senão quando, me vejo a caminho de Lisboa, Av de Berna, Grupo de Companhias Trem Auto, o que me confundiu do porquê.
E não só a mim, também o Senhor Sargento da Secretaria se espantou e exclamou:
- Ora porra, pedi um Cabo Miliciano condutor e mandam-me um atirador?

Mas... e há sempre "UM PORREIRO mas"... continuou ele:
- Aguente aí ó patrício, você é da Ponte Sôr... eu sou de Alter... temos de resolver isto.

E após perguntar-me se conheço a capital e eu respondido "negativo", decidiu que eu devia ficar por ali, até que fosse rectificado o lapso, o que deveria demorar um mês.

Sem função atribuída, saía, à civil, de manhã e voltava para dormir, num quarto com mais sete militares e cinco ratazanas, das maiores que já vi. Turismei...

Vi cinema nos: Piolho... Condes... Éden... S Jorge...
Conheci, a desoras, as boas zonas... Intendente... Cais Sodré... Bairro Alto... Alfama... Mouraria.. . Madragoa...
Vi campos de futebol, com relva imagine-se... o aeroporto... Cabo Ruivo e os hidroaviões... combóios em Santa Apolónia e Rossio... Fui a Cacilhas... ao jardim zoológico... Parque Mayer... Parque Eduardo VII... Feira Popular...
Comi bifes na Solmar... Portugália... Império... Ribamar... sopa de marisco na Rua de S. José... iscas na Travessa do Cotovelo... bacalhau com grão no João do Dito...
Bebi na Ginginha e no Pirata e uns tintos no Quebra Bilhas...

Até que um dia me transmitem:
- Vais para Abrantes.

Bati o pé e disse:
- NÃO VOU... NÃO VOU... NÃO VOU... E FUI
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10538: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (2): 3.º episódio: O 2.º Turno, no CISMI, na bela terra de Tavira

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10542: Tabanca Grande (365): Manuel Valente Fernandes, ex-Alf Mil Médico do BCAV 8323 (Pirada, 1973/74)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Manuel Valente Fernandes, ex-Alf Mil Médico do BCAV 8323, Pirada, 1973/74, com data de 14 de Outubro de 2012:

Prezado editor do blogue
Conheço-o de há longa data (ENSP e congressos de medicina do trabalho), sou admirador sincero da sua postura de cidadania e profissional, navegamos em águas comuns: as condições de prestação do trabalho.

Actualmente sou membro dos corpos gerentes da Associação Portuguesa de Medicina do Trabalho. Não viajo habitualmente por blogues, agora tive conhecimento do vosso através do António Graça de Abreu. Pelo que me apresento:

Em 1973 e 1974 fui o alferes miliciano médico do BCav 8323 - Pirada.

Obviamente tive vivências semelhantes a qualquer dos camaradas que estiveram neste TO.
Do que me ficou ressalto:

- A experiência da intensa solidariedade que se gerou entre os camaradas que vivenciaram juntos o risco de vida de cada um e a permanente entre-ajuda, isto durante largos períodos. Materializa-se actualmente na emoção dos encontros de antigos camaradas (o meu batalhão mantém estes encontros).

- As perturbações na saúde mental de tantos camaradas. Tive a experiência de dois dos nossos que manifestaram psicoses agudas (um militar da CCS e outro da 1ª Companhia - em Bajocunda), ambos felizmente com bom prognóstico após a evacuação.

- A vivência da paz: aqueles almoços entre membros do batalhão e membros do PAIGC, no período que mediou entre o 25 abril e 25 agosto 1974 (regresso a Bissau), durante o período de retração do dispositivo.
Aquele convívio com os ex-inimigos não se esquece, incluindo as conversas respeitantes a ideologia política, um tema então tão apetecido pelos jovens milicianos portugueses.

Junto duas fotos e um texto que conta um episódio da minha vida no batalhão.

Com os meus cumprimentos
Manuel G. Valente Fernandes


Residência do célebre sr. Mário Soares, um dos dois comerciantes instalados em Pirada em 1975. Três dos alferes do Batalhão: Transmissões, Tesoureiro e Médico (eu à direita).


2. A minha história:

URGÊNCIA EM PAUNCA

Alferes miliciano, em 1973 era eu o médico do BCav 8323, em Pirada, mesmo junto ao marco fronteiriço 69.

Um fim de tarde, fui chamado ao bunker dos operadores de rádio, onde recebi um pedido de apoio do maqueiro que se encontrava no destacamento de Paunca, a cerca de vinte quilómetros, destacamento constituído por milícias e integrado no dispositivo do batalhão. Um homem, membro da população, estava com retenção vesical (incapacidade de urinar, apesar da bexiga cheia, provavelmente causada por adenoma da próstata). O procedimento adequado seria efectuar uma algaliação (introduzir na uretra do doente um tubo de borracha, adequada e macia e empurrá-lo até à bexiga) para permitir que a urina saísse e assim aliviar o doente.
O maqueiro nunca tinha realizado, nem sabia como realizar uma algaliação.

Falei com o comandante do batalhão que me confirmou o que eu já sabia: àquela hora não poderia sair um grupo de combate para me levar ao destacamento (não podemos esquecer o tempo que demoraria percorrer aquela distância numa estrada possivelmente minada); àquela hora também não teríamos apoio de helicóptero.

A retenção vesical provoca intenso sofrimento: o doente não poderia ficar à espera da algaliação que eu somente poderia realizar na manhã seguinte.
O meu maqueiro não poderia tentar a algaliação (mesmo com o meu apoio via rádio) por ser muito provável, não só não ter sucesso, como provocar um “falso trajecto” na uretra, com grave prejuízo para o doente.

Somente restava uma solução, provisória, mas com baixo risco para o doente: efectuar uma punção supra-púbica, isto é, perfurar a parede da bexiga do doente com uma agulha grossa, procedimento de baixo risco numa bexiga cheia, porquanto não se perfura o peritoneu, se a picada da agulha for efectuada a “rasar” o bordo do osso que temos sob os pêlos púbicos.

Dei indicação ao maqueiro para trazer o doente para o bunker do operador de rádio de Paunca, onde ficou deitado (os bunkers caracterizavam-se pelo tecto baixo). Disse-lhe para esterilizar uma agulha grossa, pelo método habitual (fervura em água num tacho).

Agulha esterilizada, indiquei ao meu (distante) colaborador que sob minha responsabilidade, iria perfurar a parede da bexiga do doente: Com terminologia pouco científica mas muito explícita, indiquei-lhe exactamente onde deveria perfurar a pele, com a agulha rigorosamente em posição vertical (o grau de sofrimento do doente “dispensava” a anestesia local).

Depois, fiquei ansiosamente à espera de notícias do meu maqueiro. E as notícias (de sucesso) foram um simples comentário, gritado de entusiasmo:
- Doutor, o esguicho de mijo chega ao tecto !!

Manuel Valente Fernandes


3. Comentário de CV:

Caro camarada Valente Fernandes
Não estranhes por ser eu a receber-te na Tabanca Grande. Primeiro porque sou eu que normalmente recebo todos os camaradas que se apresentam, pois sou uma espécie de relações públicas do Blogue; segundo, porque embora te tenhas dirigido directamente ao Luís, ele não poderia responder-te por estar ausente do País, em trabalho.

Outra coisa que não vais estranhar é o tratamento por tu, modo que não implicará uma comunicação menos respeitosa, porque estabelecemos que pessoas que viveram as mesmas dificuldades de guerra, suportaram aquele calor húmido, pisaram aquela terra vermelha, atravessaram as mesmas bolanhas, suportaram aqueles mosquitos e viram morrer ou ficar feridos os seus companheiros, devem deixar do lado de fora da caserna os seus títulos honoríficos (não as profissões), as suas habilitações (úteis para ajudar quem tem mais dificuldade de expressão), as suas antigas (ou actuais) patentes (servem só para identificação e estatística), a sua posição social e até a idade. O tratamento por tu estreita a amizade e a camaradagem, e desinibe.

A tua entrada vem aumentar o número de camaradas Médicos em campanha e outros que se formaram após o serviço militar, que enfileiram a nossa tertúlia. Correndo o risco de esquecer algum, no primeiro grupo estão: Amaral Bernardo, Mário Bravo e Pardete Ferreira; no segundo temos os camaradas: Vítor Junqueira, Francisco Silva, Ernestino Caniço e Caria Martins.
Espero não ter esquecido ninguém.
Tens uma série no Blogue dedicada aos nossos médicos, a que podes aceder a partir daqui:  Os nossos médicos

Dependendo do tempo livre de que dispões, gostaríamos que nos remetesses algumas das tuas memórias (em prosa e fotos), especialmente que nos falasses da tua vivência de jovem médico que teve de improvisar e colmatar a sempre presente falta de meios e de pessoal habilitado. Aliás, a história que hoje nos contas é a melhor prova do que acabei de escrever.
Na minha Companhia (independente) Médico e Padre era coisa rara, situação que se inverteu a partir da altura em que se reactivou o COP6, em Mansabá, que nos permitiu ter médico a tempo inteiro. Tínhamos também a sorte (sem desprimor para os camaradas Fur Mil Enfermeiros formados na tropa) de ter um Furriel Enfermeiro que já exercia a profissão na vida civil, o que nos dava uma certa confiança e era uma mais-valia para os médicos que por lá apareceram para exercer as suas funções humanitárias.

Já agora, uma coincidência engraçada. No passado sábado, no convívio da Tabanca dos Melros, em Fânzeres, conheci o ex-Fur Mil Enf. José Pereira da 2.ª Companhia do BCAV 8323. Lembras-te dele? Julgo que me disse ser de Lamego.

Desviei-me na conversa, mas acho que deixei o essencial. O Luís brevemente entrará em contacto contigo, dando resposta à tua mensagem que fica aqui publicada.

Pela minha parte fico disponível para qualquer esclarecimento.

Resta-me enviar-te um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores.
O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10478: Tabanca Grande (364): Júlio Madaleno, tocador de guitarra, feicebuqueiro e agora grã-tabanqueiro, nº 582, ex-fur mil, CCAÇ 1685 (Fajonquito) e CCAÇ 2317 (Gandembel) (1967/69)

Guiné 63/74 - P10541: Notas de leitura (419): "Guerra de África - Guiné, 1963-1974", por Coronel Fernando Policarpo - uma radiografia do conflito (2) (Francisco Henriques da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, com data de 14 de Outubro de 2012:

Meus caros amigos,
Esta é a segunda parte da minha recensão relativa ao livro "Guerra de África - Guiné - 1963-74" do coronel Fernando Policarpo.

Com o meus cordiais e amigos cumprimentos
Francisco Henriques da Silva
(ex-Alf. Mil. de Infantaria C.CAÇ. 2402)


Guerra de África - Guiné - uma radiografia do conflito (2/2)

Francisco Henriques da Silva

Em 1968, com a saída de Schulz e o advento de Spínola, entra-se numa nova fase da luta que comporta um novo conceito estratégico da parte portuguesa. No que concerne o PAIGC, por um lado, este dispõe, agora, de armamento melhor e mais sofisticado (a introdução de foguetões de 122 mm, os mísseis terra-ar “Strella”, o morteiro de 120, etc.) as suas acções são cada vez mais ousadas e estendem-se na prática à quase totalidade do território e, por outro lado, no plano político-diplomático, desenvolve um conjunto de intensas actividades, em que se destacam a avalização do PAIGC por parte dos demais países africanos como único movimento de libertação representativo do território, uma audiência no Vaticano concedida pelo Papa e, finalmente, a proclamação unilateral da independência com o reconhecimento formal por parte da ONU e da maioria dos países ali representados.
Do lado português, Spínola, constata que se encontra numa “situação completamente degradada” (p. 77). Acossado em 3 frentes (Norte, Sul e Leste) reconhece que a guerra não pode ser vencida militarmente no terreno, mas que têm de se conquistar as populações. Elabora então o conceito “Por uma Guiné melhor” que visa subtrair os guineenses ao controlo do PAIGC participando aqueles activamente na defesa dos seus interesses e no desenvolvimento da sua terra. Não obstante, António de Spínola, não descura, antes pelo contrário, os aspectos operacionais e implementa uma orientação pró-activa (ofensiva), em que as “áreas controladas pelo PAIGC passaram a ser objectivo primordial do Comando-Chefe” (p. 81). Finalmente, começa a ser delineada uma estratégia negocial, intra muros e extra muros, tendo em vista, no primeiro caso, cativar populações e guerrilheiros para a causa portuguesa e, no segundo, trazer o PAIGC à mesa das negociações através de terceiros (Senegal). Esta estratégia negocial nuns casos falha redondamente (é o incidente da morte de 3 majores, um alferes e outros acompanhantes que iam negociar com guerrilheiros no chão manjaco, em Abril, de 1970) e, noutros, é inconclusiva (negociações secretas com o presidente senegalês, Léopold Senghor, no Sul do Senegal), até por falta de cobertura política de Lisboa e, por conseguinte, falha igualmente.

A fim de debilitar a capacidade operacional do PAIGC e de lhe cortar a principal base de apoio externa (a Guiné-Conakry), o Comandante “Alpoim Calvão propôs a Spínola a realização de uma operação para derrubar Sékou Touré “ (p. 95). Spínola tenta, mas falha, uma invasão da Guiné-Conakry, na célebre operação “Mar Verde”, com o objectivo de levar a cabo um golpe de Estado, visando alterar de raiz o regime político daquele país e destruindo as bases da “retaguarda político-logística” do PAIGC, bem como, a respectiva cúpula dirigente. O fiasco foi completo. Efectivamente, como refere Fernando Policarpo, “...a operação “Mar Vede” redundou num enorme fracasso, na medida em que os seus principais objectivos não foram atingidos” (p. 99). O resultado desta malograda operação, como não podia deixar de ser, afectou a credibilidade do governador e comandante-chefe: “deixou o general Spínola bastante fragilizado tanto na frente interna, como na frente externa” (p. 100) e obrigou-o a alterações estratégicas, até porque não dispunha de “luz verde” para prosseguir a titubeante via negocial.

Entretanto, a guerra prosseguia o seu curso, dispondo o PAIGC de mais e melhor armamento e de maior combatividade no terreno. Quando Portugal perde a supremacia aérea, pela introdução dos mísseis terra-ar no teatro de guerra. Esta parece entrar então num “point of no return” e o PAIGC passa a dispor de um trunfo fundamental. Como refere – e bem - o autor, “a perda do domínio aéreo assustou as tropas portuguesas. A partir de agora deixaram de contar com ele durante as operações decisivas. Ciente dessa desorientação, o PAIGC desencadeou fortíssimos ataques contra os aquartelamentos de Guilege, Guidage no Norte e Gadamael no Sul. Desses ataques destacaremos Guilege, que acabou por ter sido abandonado sem preparação. Os outros dois foram mantidos a custo.” (p. 134).

Dois factos fundamentais são realçados o “inesperado assassinato de Amílcar Cabral” (p. 131), cuja autoria material é conhecida, todavia desconhece-se a respectiva autoria moral e a proclamação unilateral da independência (24 de Setembro de 1973). Com alguma prudência, o autor opina.: “não nos parece polémico concluir que, no caso concreto do T.O. da Guiné, a Revolução ocorrida em Portugal, no dia 25 de Abril, foi providencial pois, tendo em conta a progressiva degradação da situação militar, era previsível o colapso do Exército português num período relativamente curto, que poderia oscilar entre seis meses a um ano.” (p. 135).

Do relato do coronel Fernando Policarpo, três pontos merecem referência especial, antes do mais, a criação tardia (1963) de uma mera “Secção de Acção Psicológica, na Repartição de Informações do Estado-maior do Exército, que se revelou insuficiente” ( p. 59), ou seja os altos mandos militares parece não se haverem consciencializado plenamente das características de uma guerra subversiva e, nesse contexto, da importância da criação de um Serviço Nacional de Acção Psicológica que “contudo nunca foi criado” (p.60), mesmo com a evolução do conflito. Em segundo lugar, são de realçar as notórias deficiências na “intelligence”, bem patentes na operação “Mar Verde”, na introdução dos mísseis Strella, etc.

Finalmente, F. Policarpo comete um erro, considerando que os mandingas, a maior etnia constituíam a principal base de apoio e recrutamento do PAIGC. "Foram eles que lançaram a rebelião” (p. 67). Muito embora os mandingas tenham desempenhado um papel relevante na guerrilha, está historicamente comprovado que o grosso da tropa combatente era formada pelos balantas que constituem, de facto, a maior etnia da Guiné-Bissau (cc. de 30% da população total, contra 13% de mandingas – a 4ª etnia do país).

O livro encontra-se profusamente ilustrado com dezenas de fotografias da época e com uma interessante série de quadros explicativos que versam determinados temas específicos abordados genericamente no corpo do texto principal: uns biográficos, maioria (Honório Barreto, Teixeira Pinto, Marcelo Caetano, Amílcar Cabral, “Nino” Vieira, Spínola, Raul Folques, Luís Cabral) outros temáticos (Carta da ONU, Casa Gouveia, Clima e Doenças, Massacre de Pidjiguiti, PAIGC, ONU na Guiné, Berço do MFA).
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10537: Notas de leitura (418): "Guerra de África - Guiné, 1963-1974", por Coronel Fernando Policarpo - uma radiografia do conflito (1) (Francisco Henriques da Silva)

Guiné 63/74 - P10540: Blogpoesia (307): Àguas Paradas (Juvenal Amado)


Picagem - Foto: © Juvenal Amado. Todos os direitos reservados


ÁGUAS PARADAS

O tempo flutua em ondas de calor
Não se enxerga para além dos sentidos
Entorpecidos quase sem vontade
Sente-se mais que se vê ou que se ouve
O suor encharca cada milímetro dos corpos
Nas horas lentas e pesadas como chumbo
Voam pensamentos para longe
Pensamentos livres como o vento
Pudesse o vento levá-los para o nosso chão
Que a liberdade explodisse como rio tormentoso
Ou Mar revolto
Que esse rio devastasse as margens
Ou Mar cansado de bater na areia
Extravasasse inundando ruas e praças
Uma violência que lavasse as nossas feridas de Séculos
E finalmente limpos de suor ancestral
Ficássemos para sempre puros e em paz
Enquanto esperamos pela noite
Longe do rio e do Mar
Olhamos a tristeza que há nas águas que apodrecem paradas

Juvenal Amado*
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Notas de CV:

(*) Juvenal Amado foi 1.º Cabo Condutor Auto na CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74

Vd. último poste da série de 3 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10475: Blogpoesia (306): S. T. T. L., Sit tibi terra levis!... Que a terra da tua Pátria, ao menos, te seja leve!.. (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P10539: O nosso livro de visitas (148): Alfredo João Matias da Silva, ex-Fur Mil do Pel Rec Fox 3115 (Gadamael e Guileje, 1972/74) procura camaradas de armas

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > O Fur Mil Op Esp José Casimiro Carvalho, no topo de uma Fox, viatura blindada do Pel Rec Fox 3115, Os Pipas (1972/74). Julgo tratar-se da MG-36-24. Esta subunidades de cavalaria também possuía, pelo menos, uma viatura White (MG-34-69). Este documento que faz parte do álbum fotográfico do Casimiro Carvalho, não tem data sem data nem legenda (mas só pode ser de final de 1972 ou princípios de 1973).

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados.
Legenda: Luís Graça


1. Mensagem do nosso camarada Alfredo João Matias da Silva (ex-Fur Mil do Pel Rec Fox 3115, Gadamael e Guileje, 1972/74), com data de 12 de Outubro de 2012:

Caro Amigo
Chamo-me Alfredo João Matias da Silva e fui Fur. Mil. do Pel. Rec. Fox 3115, em Gadamael e Guileje.

Moro em Paço de Arcos e sou sócio da Liga de Combatentes (Núcleo de Oeiras ).

Tenho acompanhado com relativa atenção os assuntos da Guiné, sobretudo da retirada de Guileje. Mantenho alguma correspondência com o Cor. Coutinho e Lima, Comandante do COP 5.

O meu Pelotão regressou a Portugal em finais de Maio de 1974 e eu ainda fiquei em Bissau até Julho por causa da Comissão Liquidatária.
Desde a partida de Bissau, nunca mais tive notícias do pessoal do Pelotão.
Recebo sempre a Revista do Combatente, mas nunca vi nada sobre Gadamael ou Guileje, nomeadamente almoços.

Claro que tenho listagem de toda a gente. Se me puder ser útil, agradeço.
Se eu puder ser útil nalguma coisa, não hesitem em contactar-me.

Abraço
J. Matias da Silva
silva.joaomatias@gmail.com


2. Comentário de CV:

Caro camarada Matias, muito obrigado pela tua mensagem.

Já que entraste em contacto connosco, e te ofereces para algo de útil, damos-te a oportunidade de colaborares na feitura deste Blogue de ex-combatentes da Guiné, repositório de histórias vividas na primeira pessoa. Se retens algumas lembranças daqueles tempos que queiras escrever, juntando eventualmente as fotos que ainda guardas, manda para nós, que as publicaremos.

Se aceitares o nosso desafio, manda uma foto actual e uma dos tempos da Guiné (prefencialmente tipo passe e em formato JPJ) assim como uma pequena história de apresentação.

Estando tu interessado em encontrar os teus camaradas, deixamos aqui o teu apelo e, complementarmente, dou-te dois contactos de camaradas teus, que como tu, procuram os velhos companheiros de armas. Encontrei-os na página do camarada Jorge Santos, e são eles:

Alberto Santos - 0033 143 284 890 - liliana_dos_santos@yahoo.fr e/ou (?) familleaadossantos@yahoo.fr
e
Rui Gouveia Carriço - ruicarrico@hotmail.com

Não sei se o nosso camarada Casimiro Carvalho te poderá dar alguma ajuda, uma vez que é vosso contemporâneo em Guileje. Dar-te-ei o seu endereço na mensagem que te vou enviar.

Julgo que é tudo que se me oferece dizer, pelo que te deixo um abraço

O teu camarada ao dispor
Carlos Vinhal
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Notas de CV:

(*) Vd. poste 6 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10007: O Nosso Livro de Visitas (138): Alberto dos Santos, um camarada da diáspora (França), que pertenceu ao Pel Rec Fox 3115, Os Pipas (Guileje e Gadamael, 1972/74)

Vd. último poste da série de 8 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10497: O nosso livro de visitas (147): Ansumane Cassamá, engenheiro agrónomo, natural de Sare Bacar, a viver em Portugal desde 1997

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10538: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (2): 3.º episódio: O 2.º Turno, no CISMI, na bela terra de Tavira

1. Mensagem do nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), com data de 12 de Outubro de 2012:

Já enviei há dias os dois 1ºs episódios e agora aí vai o 3º. Tenho mais mas para não interromper os excelentes serviços que estão a prestar a todos nós, penso que não devo enviar já.
Se virem que é útil, mando mesmo, agora que já sei fazê-lo por aqui em email.

Abraços, obrigado pela consideração.
Veríssimo Ferreira


Vista parcial de Tavira (Foto: Algarve Press Diário, com a devida vénia)


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

3º episódio - O 2.º Turno, no CISMI, na bela terra de Tavira

A 4 de Julho de 1964, após portanto, 5 meses e 10 dias a frequentar o 1.º ciclo do Curso com aproveitamento e todos os créditos alcançados, consideraram-me então, apto para o 2.º, ou seja, "tirar" a especialidade de "atirador" e como ordens não se discutem, aí vais EU, para Tavira.

Terra linda que continuo a visitar. Linda praia, onde até a água era e é, quente, comparada com a da Ericeira, de que tinha provado o sal.

Boas gentes, embora e nesse período, as tenha considerado más com'ás cobras, tendo em conta que quando os pobres militares, sedentos e até com alguma fomita, colhíamos algumas amêndoas, alfarrobas ou figos, ou ainda, lhes bebíamos umas gotas nos escassos poços existentes... iam de imediato participar ao quartel e algumas vezes desembolsámos os 25 tostões para compensar o prejuízo. A miséria patrimonial, deste povo algarvio, era notória e justificava a queixa. O turismo mal começara e aquelas frutas e água, eram o seu ouro.

No que se refere à instrução militar, foi o acrescento próprio, para quem já estava treinado.
Novidade apenas para o "DEITÁÁÁÁR" nas salinas. Lindo de se ver, creiam.
E nós... vestidinhos... lavadinhos e engomados... calçadinhos... botas engraxadas e reluzentes, espelhando o sol quente desse mês de Julho... obedecíamos está claro. Saíamos enlameados, cheios de lodo até aos cabelos, mas mais fortes alguns, aqueles que engoliam alguma distraída enguia. Até nisso, a sorte me foi madrasta já que o único brinde que me calhou, foi uma enorme serpente que resolveu aninhar-se no bolso esquerdo das calças.

Salinas de Tavira (Foto: raquel-alaminute, com a devida vénia)

À tardinha dispensavam-nos e podíamos então confraternizar com as tascas locais, onde sempre comíamos generosas doses de grandes conquilhas, ou jaquinzinhos atados pelo rabo e em grupos de 5 ou 6, regados com aquele saboroso tintol carrascão de tal forma, que até os dentes ficavam coloridos. Alguns mais afortunados, proporcionavam a outros, passeios e assim conheci, Quarteira, Armação de Pera, Albufeira e Faro.

A cenas incríveis mas divertidas, assisti... de difícil entendimento prá época, mas que me ajudaram nas formações, cívica, intelectual e moral, três elementos importantes para uma sã convivência entre pessoas mas que entretanto perdi em qualquer lado.

Reparem nesta:

Um jovem, ainda quase acabado de nascer, havia casado e "exibia" vaidosa e orgulhosamente a sua bem bonita e formosa esposa que para além disso era também alegre e bem formada moralmente, ao que soube mais tarde.
Nós mirones e o casal fazia questão de procurar sentar-se em locais onde nos concentrávamos, olhávamos gulosamente, aqueles belos joelhos dela (única parte anatómica, possível de ver nas damas e que hoje nem reparamos se têm, dada a forma como se despem até à cintura) mas, caras meninas, continuem seduzindo e poderão fazê-lo se seguirem o douto conselho da avó duma das minhas mais que muitas apaixonadas e que um dia me disse:
-"Até ao joelho, é para quem quiser ver, daí para cima, é para quem merecer".

Mas a cena risível aconteceu assim:

Uma noite e vendo o casal que estávamos completamente d'olhos em bico, fitos exclusivamente naquele bocado onde está a rótula, levantou-se o rapaz, olhou-nos corajosamente e sem tergiversações gritou:
- É BOA... MAS É MINHA
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10522: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (1): 1º e 2º episódios: tempos de Mafra, EPI, CSM

Guiné 63/74 - P10537: Notas de leitura (418): "Guerra de África - Guiné, 1963-1974", por Coronel Fernando Policarpo - uma radiografia do conflito (1) (Francisco Henriques da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Henriques da Silva (ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70), ex-embaixador na Guiné-Bissau nos anos de 1997 a 1999, com data de 11 de Outubro de 2012:

Meus caros amigos,
Apesar deste livro já ter sido publicado em 2006 e de ter sido recenseado neste mesmo blogue, no ano seguinte (2007), como apenas o li muito recentemente, sem contrariar a crítica do nosso comum amigo Mário Beja Santos, decidi complementá-la com algumas ideias minhas.
Procurei, assim, dar um contributo para de algum modo desenvolver e enriquecer - passe a imodéstia - alguns temas tratados pelo Mário. Considero o livro do coronel Ferando Policarpo, uma notável obra de síntese, uma verdadeira radiografia da guerra de África, tal como foi vivida (tal como nós a vivemos) na Guiné, um livro de consulta obrigatória para todos os que se interessam pela história de Portugal no século XX.
Dividi os meus comentários em duas partes, de que vos remeto a 1ª parte .

Com os meus cordiais e amigos cumprimerntos
Francisco Henriques da Silva
(ex-alf. mil. de infantaria CCAÇ 2402)


Guerra de África - Guiné - uma radiografia do conflito (1/2) 

A obra do coronel Fernando Policarpo, “Guerra de África – Guiné 1963-1974” integrado na colecção Batalhas de Portugal, editorial Quidnovi, Matosinhos, 2006, constitui, em nosso entender, uma verdadeira radiografia dos 11 longos anos de conflito naquele país africano, que opuseram as Forças Armadas portuguesas aos guerrilheiros do PAIGC. Trata-se de um documento sintético, todavia preciso, rigoroso e objectivo que se destina ao grande público, mas que, mesmo o especialista, seguramente, não enjeitará. Fernando Policarpo não nos apresenta factos inéditos, nem tão-pouco grandes novidades, a nível da interpretação histórica. Tem, porém, cremos, a convicção de que está em terreno minado e que a sua (nossa) proximidade, ou mesmo vivência, dos acontecimentos não permite análises ousadas, que podem ser facilmente contestadas pelo seu carácter controverso, nem tão-pouco são apresentados factos não comprovados ou duvidosos. Nalguns casos são expostas várias versões e o autor limita-se a indicar qual é, a seu ver, a que entende ser mais provável, sem excluir, porém, nenhuma das outras. É o caso, por exemplo do assassinato de Amílcar Cabral em Conakry (20 de Janeiro de 1973). Em suma, a meu ver, a obra possui os méritos da concisão, do rigor e da imparcialidade.

Para além de uma breve resenha histórica inicial relativa ao descobrimento da Guiné e à consolidação dos direitos de Portugal ao território (Conferência de Berlim e sobretudo a Convenção luso-francesa de 1886), por conseguinte, o novo Direito Colonial Público, que, no fundo, marca o verdadeiro nascimento da Guiné Portuguesa, focaliza-se, em seguida, no enquadramento internacional, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, para delinear a génese e a evolução dos movimentos emancipalistas então emergentes e traçar, depois, as grandes linhas do conflito, no que foi considerado o pior de todos os teatros da guerra que Portugal enfrentou em África – a Guiné.

Relativamente ao problema da descolonização, o autor sublinha as diferenças no relacionamento das grandes potências (França e Reino Unido) com as respectivas colónias e “a relação estreita e fraterna que Portugal mantinha com as suas”, com as prováveis excepções dos belgas com o Congo e dos franceses com a Argélia (p. 19).

Fernando Policarpo delineia em traços claros, o que foi a política portuguesa em relação aos territórios africanos ao arrepio dos chamados ventos da História: “Os governos de Salazar e Caetano demonstraram inflexibilidade na condução da politica colonial. Num quadro de grande apoio internacional, ao desmantelamento dos impérios coloniais, Portugal não ousou tirar vantagem dessa mais-valia diplomática, optando por fechar todas as portas a uma solução sensata, credível, digna e honrosa para a Pátria... O país ficou refém da nostalgia do império” (p. 26). Tal posicionamento politico foi pesado de consequências para a Nação e para as suas Forças Armadas. Com efeito, como refere F. Policarpo, “durante os 13 anos seguintes, as Forças Armadas Portuguesas sustentaram a mais longa frente de batalha do mundo, que ia de Lisboa a Timor” (p. 27).

Nos capítulos seguintes, o autor descreve sinteticamente as origens e as características da Guiné, desde os antecedentes históricos, à geografia física e humana do território, não deixando de sublinhar com destaque a complexidade antropológica do território, um “mosaico populacional onde se falavam cerca de 20 línguas diferentes” (p. 39), bem como, a diversidade religiosa. Existem dois pequenos capítulos dedicados às actividades económicas e às comunicações, salientando-se as dificuldades existentes nos transportes terrestres, devido à falta de pontes, donde o inevitável recurso às vias fluviais.

O autor dedica, seguidamente, algumas páginas à fundação do PAIGC e à personalidade e carisma do seu líder, Amílcar Cabral. Para além de meras referências de passagem a outros movimentos independentistas guineenses de vida efémera, Fernando Policarpo acaba por concluir que o único movimento estruturado e com capacidade para a acção armada era o PAIGC, mas – e este ponto é de uma importância capital para se compreender o processo histórico na Guiné-Bissau – “quase todos os fundadores do PAIGC eram cabo-verdianos de formação marxista. Quando a guerrilha se instalou , os seus comandos eram mestiços e a maioria dos combatentes nativos do território. Esta diferenciação explicará o mau relacionamento, as tensões e os conflitos bem visíveis entre estes dois povos, mesmo ao nível da cúpula dirigente do partido – ao ponto de a maioria do povo da Guiné preferir ser colonizado pelos portugueses do que pelos cabo-verdianos.” (p. 51). O apoio explícito do Presidente da Guiné-Conakry, Sekou Touré, foi fundamental para a fundação do PAIGC e para o lançamento das suas acções armadas já em território da Guiné Portuguesa. Todavia, as pretensões do líder conakry-guineense à criação de uma “Grande Guiné” que poderia integrar a então Guiné-Portuguesa e as suas relações com Amílcar Cabral que são virtualmente desconhecidas (cfr. p. 110), bem como a condução ditatorial do seu país, levantam dúvidas quanto às suas verdadeiras intenções.

O coronel Fernando Policarpo divide o conflito na Guiné-Bissau em duas fases cronológicas e político-militares distintas: o período de 1963 a 1968, que abrange os governos de Vasco António Martinez Rodriguez (63-65) e do general Arnaldo Schultz (65-68) e a segunda fase, de 1968 a 1974 que coincide, no essencial com a governação do general António Spínola e o consulado do general Bettencourt Rodrigues, que se resume a uns escassos 8 meses (Agosto de 1973 a 27 de Abril de 1974).

A primeira fase é caracterizada pela implantação do PAIGC no terreno, sobretudo no Sul, mas também em santuários importantes dispersos pelo território, como o Morés ou a mata do Cantanhez, por exemplo. A tropa portuguesa é reforçada e o dispositivo militar na Guiné dispõe-se em quadrícula, cobrindo a quase totalidade da província. Os aquartelamentos situavam-se a poucos quilómetros uns dos outros, atenta a exiguidade do território. A malograda operação “Tridente” (batalha da Ilha de Como) constituiu um revés para Portugal e um importante triunfo para a guerrilha. As deficiências detectadas no sector das informações terão estado na razão do malogro da operação, à semelhança, aliás, da operação “Mar Verde” (invasão de Conakry), anos mais tarde, já em 1970. Em suma, Portugal não consegue conter a progressão da guerrilha em quase todo o território e assume, amiúde, uma atitude meramente reactiva. Adivinhava-se uma vitória militar do PAIGC, a prazo, e tal devia-se “à manifesta incapacidade do General Schultz, Governador e Comandante-Chefe, de planear e pôr no terreno um plano de acção político-militar capaz de inverter a situação” (p. 75)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10532: Notas de leitura (417): "Guiné Portuguesa", por Avelino Teixeira da Mota (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P10536: Do Ninho D'Águia até África (18): O clima do Equador (Tony Borié)

1. Continuação da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (18)

O clima do Equador

Já duas e meia da tarde? - Diz o Cifra, para o Trinta e Seis, soldado telegrafista, baixo e forte, que passou por ele, vindo de limpar a messe dos sargentos, onde também ajudava no bar, pois normalmente, acabava o seu serviço a essa hora.

Estava um calor forte, abafado, húmido. A pele do corpo tem uma gordura, como se fosse cola, ou coisa parecida, passa os dedos sobre o braço, e fica colado. Há mosquitos, mas a sua picadela, já não produz qualquer efeito, a pele está rija e escura. Para os lados do norte, o céu está um pouco escuro. Começa a correr uma brisa, que vem só desse lado.

- Que maravilha!. Comenta para si o Cifra, com o cigarro “Três Vintes” na boca, sentado numa cadeira feita de um barril de vinho vazio, lendo pela centésima vez uma revista do “Século Ilustrado” que trazia fotografias de umas “gajas em biquíni”, que tinha roubado na messe dos sargentos.

A brisa aumenta, torna-se em pequenos remoinhos de vento, que levantam alguma poeira e folhas secas do chão. Caiem alguns pingos de chuva, raros, mesmo raros. Já não são tão raros assim, a chuva aumenta de volume, e quando cai, deixa marcas nas costas nuas, do Cifra. O céu fica escuro, o vento sopra agora com muito mais força, e em remoinho.

O Cifra, com a revista do “Século Ilustrado”, nas mãos, foge correndo para o abrigo. Enquanto caminha para o abrigo ouve um ruído, volta-se e vê a sua cadeira ir pelos ares em redopio. É uma tempestade de chuva e vento ciclónico. No improvisado cabanal da limpeza de armas, voaram algumas folhas de zinco.

Choveu por mais de quinze minutos, o abrigo ficou inundado de água, lama e lixo, onde o Cifra ficou atolado até aos joelhos. A revista, que tanto adorava, ficou molhada, e com a água da lama ficou ilegível, sem poder mais ver as fotografias das “gajas em biquíni”.

Pensa para si, usando a linguagem do Curvas, alto e refilão: - Puta de vida!.

Sai do abrigo, recolhe a sua cadeira, senta-se de novo, acende outro cigarro, e passado uns minutos depois de tudo acontecer, vem uma brisa quente que vai diminuindo de volume, até ficar de novo tudo parado, e volta tudo ao normal, calor forte, abafado, húmido, e a revista, no chão, em pedaços, suja, enrolada, e só com uma pequena imagem da cara de uma das “gajas em biquíni”, a querer sorrir para o Cifra, que volta a cara para o lado, e volta a dizer: - Puta de vida!.

Olha para o seu corpo, a pele tem uma gordura, como se fosse cola, ou coisa parecida, passa os dedos sobre os braços e fica colado.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10524: Do Ninho D'Águia até África (17): Meia Missão, em África (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P10535: Fantasmas ...e realidades do fundo do baú (Vasco Pires) (2): Como fui parar a Gadamael, por acção do meu pai e reacção do 'Paizinho' ...

1. Mensagem do nosso camarada Vasco Pires, que bebeu a água do Rio Cacine e que, depois da passagem à peluda, deixou a Pátria em 1972, passando a viver desde então nesse grande país lusófono chamado Brasil...

Ficamos a saber que ele conheceu o nosso blogue em circunstâncias infelizes: no "estaleiro", em recuperação das sequelas de um acidente automóvel. 

Daqui de Angola, e com alguns problemas de comunicação com a nossa Tabanca Grande Global, aqui vai um afetuoso abraço para ele, desejando-lhe completa recuperação, e para os demais amigos e camaradas da Guiné, incluindo o Rosinha que está ansioso que eu lhe mande umas fotos da rua e da casa onde ele morou em Luanda...  Infelizmente, regresso já na 5ª feira, sem tempo para sair da "ilha" de Luanda, onde estou "prisioneiro" das 9 às 18h... (LG):


A CAMINHO DE GADAMAEL... Ou como a acção de meu pai e a reação do "Paizinho" me levaram lá.)

Caros Luis Graça/ Carlos Vinhal,

Estas mal traçadas linhas são a minha modesta homenagem à vossa coragem e determinação, para trazer à luz do dia, e administrar, tantas emoções de uma geração, guardadas lá no fundo do subconsciente (Valha- nos "São" Lacan!!!), moderando magistralmente tantas visões de uma realidade multifacetada.

É também uma oportunidade para eu agradecer a todos que me ajudaram a chegar de volta ao Aeroporto da Portela. Não poderia deixar de agradecer também a Maria Helena, que me acompanhou nos anos "pós-Guerra", e criou meus filhos.

Saí de Portugal, ainda no mesmo ano de 72, em que voltei da Guiné, e por aí vou andando até esta data, sou um desses milhões da multissecular diáspora Lusitana, que deve ter começado lá pelo século XV, quando as caravelas jogavam em terra os "lançados", que tinham pegado nas ruas ou tirado das prisões, para na volta servirem de "linguas".

A Artilharia da Guiné era de rendição individual, para oficiais, sargentos e alguns especialistas, sendo soldados e cabos da guarnição local, inexistindo posteriormente essas reuniões que vão alimentando o espírito de corpo, das Companhias e Batalhões. Dificultado o contacto com os camaradas,esses três anos de serviço militar vão ficando no fundo do "baú de recordações".

Após um acidente de automóvel recente, que me obrigou à recuperação em casa , conheci o blog. Então, como a história é mais benevolente com quem a escreve, ousei rabiscar este meu, "A CAMINHO DE GADAMAEL".


Eu venho lá da Bairrada pofunda, que na década de 50 era mais conhecida como terra da batata, ao invés de terra do vinho, o vinho ainda se vendia a granel. Apesar de haver registro de vinhas na região no século XII, a região sofreu por muitos anos da determinaçao do Marquês de Pombal de as arrancar.

O meu pai vinha de um grupo familiar, que se poderia enquadrar no que Gramsci apelida de "intelectuais rurais"; a escola de Samel no fim do século XIX começo do XX, era na casa do meu avô, sendo ele professor, como o foram meu pai e meus tios.

Meu avô materno era filho de comerciante e, como seus irmãos,  emigrou para o Brasil, e ao contrário deles voltou a Portugal, no fim da primeira década do século XX, casou com uma professora, que era duma família profundamente ultramontana, originária da Madeira.

A minha infância e adolescência foi passada em escolas da região, seguida de uma passagem de cinco anos pela efervescente cena Coimbrã da segunda metade da década de 60.

Em 69, saí desse "borbulhar" de novas ideias e atitudes, para a disciplina EPI na "Máfrica" de tantos de nós. Logo começou a minha boa sorte, de ter camaradas, subordinados e superiores que me ajudaram nesta caminhada de três anos pelos quartéis de Portugal e África.

Nesta caminhada de soldado-cadete, apareceu o Raul, que era da Mealhada, professor, com família constituida, e lá rumávamos todo Domingo para Mafra. O Raul era um gordo bem humorado, que fazia todos os exercícios como qualquer atleta, mas comer do rancho já era pedir muito, logo tratou de desarranchar e alugar apartamento, e lá fui eu "no vácuo". E assim foi-se amortecendo o choque da irreverência da Academia Coimbrã, com a disciplina do quartel.

Onde quer que estejas Raul, o meu muito obrigado!

Depois de uma recruta sem grandes altos e baixos, anúncio das especialidades. IOL, mas que raios será isso? e fui ouvindo as mais disparatadas interpretações dessa sigla enigmática. Até que uma alma caridosa explicou que IOL era a sigla de Informação, Observação e Ligação, teoricamente o Oficial que faria a ligação da Artilharia Divisionária com o Comando. Na prática tal como o PCT, Posto de Comando e Tiro, um puxador de cordão de obus.

E lá fomos nós, eu e o Raul , para Vendas Novas, lembro que num Domingó à noite, parámos no caminho, para ver a descida do homem na Lua.

Na EPA, havia dois pelotões, um de PCT e outro de IOL, e se não me falha a memória com entre 30 e 40 alunos somados os dois. O "Jornal da Caserna" informou que quem ficasse nos primeiros lugares duma lista conjunta não iria para África, como era costume. Menos gente, tratamento um pouco melhor, lembro o Tenente Carita, que penso hoje é Coronel Reformado de Artilharia e Professor na Universidade da Madeira. E lá fomos todos, fazendo o nosso melhor, para ficar por lá mesmo (Portugal). Na EPA encontrei o Vinagre de Almeida que tinha sido aluno do meu pai.

Fim de curso e começo do estágio de um mês na própria EPA, já Aspirantes, pelo menos não seríamos praxeados como soldados-cadetes nos quartéis de destino.

Resultados conhecidos, quarto lugar no curso, RAP 3 , Figueira da Foz, comecei a antegozar umas prolongadas férias à beira mar. Chegado ao RAP 3, vários Alferes de cursos anteriores, estava confirmado, minha "Guerra" seria nas areias do Atlântico, mas, do Atlântico Norte. Figueira da Foz, fora de temporada, fácil de alugar apartamento, quando perguntado qual a previsão, falei com segurança: dois anos.

Aí começaram as notícias, Fulano foi para a Guiné, Cicrano para Angola, até aí tudo normal, os últimos colocados sempre eram mobilizados. E a fila continuou andando, até que chegou no décimo colocado, e acendeu a luz amarela, mas ainda tinha seis na frente. Quando o Aspirante Conceição quinto colocado foi chamado, acendeu a luz vermelha, provável dar Atlantico Sul!

Deu Guiné, e lá fomos nós, eu e o Vinagre de Almeida, de barco rumo a Bissau. GA 7, e logo o "Jornal da Caserna", informou em "Primeira Página": Cuidado, o "Homem" é louco, desafiou até o General. O Homem em questão era o famoso "Paizinho", controverso Oficial Superior de Artilharia, com relacionamento díficil com subordinados, bem como com superiores (o General Spínola, tinha-o punido com pena de prisão e tinham um relacionamento tumultuado). Abordava a todos com um "Oh meu filho...", daí a alcunha, era também conhecido como "o Homem da voz meiga", contudo não era nada meigo na hora da punição.

Na semana seguinte à minha chegada, recebi uma ordem através de um oficial, para me apresentar em tal data no Palácio do Governo, sem mais explicações. Nada sabia, e nada pude responder às perguntas, que deviam ter sido feitas por ordem do "Paizinho".

Apresentei-me, na data marcada (não era louco!), por acaso encontrei um conhecido de Coimbra que era Chefe de Gabinete, só disse que o General ia falar comigo. Acalmei, somente quando soube que o General e meu pai tinham amigos comuns, e que ele tinha-me chamado para me dar as boas vindas, e mais não disse. Sim Senhor, Meu General!

Ora o Homem não gostou nada, que o General, com tinha péssimas relações, tivesse chamado um Oficial do seu Comando, sem nada saber. Penso eu, como "prémio", escolheu o pior buraco disponível, que no momento era Gadamael Porto, e lá fui, trocando as "férias" da Figueira da Foz, por aquelas outras à beira do Rio Sapo.

De novo a sorte me acompanhou com relação aos superiores, a quem o comando do 23° Pelart estava subordinado: (Repetindo o que já disse anteriormente),

"Cheguei a Gadamael Porto, lá por meados de 70 para assumir o comando do 23° Pelart, encontrei uma Companhia em fim de comissão, comandada pelo experiente, então Capitão de Artilharia Rodrigues Videira, que me muito me ajudou nos primeiros tempos em zona de guerra. 

"Logo em seguida veio uma Companhia de Infantaria, comandada pelo saudoso Capitão de Infantaria Assunção Silva, morto em combate, generoso e intrépido oficial , que foi substituído pelo então capitão de Artilharia António Carlos Morais Silva, sobre o qual já falei neste blog, como um dos mais brilhantes Oficiais do Exército Português que conheci, nos meus três anos de serviço". 

O mesmo devo dizer dos Sargentos, dedicados e leais:

"O Furriel Miliciano de Artilharia, Lopes de Oliveira, foi professor dos soldados, e além de ser um esforçado cozinheiro, montou uma sofisticada logística, para garantir o abastecimento de carne e peixe com o pessoal da tabanca, e o Furriel Miliciano de Artilharia Krus coordenava com eficiência a atividade operacional do Pelotão".

Assim, pois, a conjugação da acção do meu pai, com a reação do "Paizinho", me levou até Gadamael Porto.

Cordiais saudações, VP

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Nota do editor:

Último poste da série de 13 DE OUTUBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10525: Fantasmas do fundo do baú (Vasco Pires) (1): Uma história do artilheiro de Gadamael, à beira da peluda, no 'bem-bom' de São Domingos...