sexta-feira, 6 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9712: Blogoterapia (205): O Cateterismo de Deus (Joaquim Mexia Alves)

1. Aquando de um exame médico a que foi submetido, o nosso camarada Joaquim Mexia Alves publicou no seu Blogue "Que é a Verdade?" um texto intitulado "O Cateterismo de Deus" que deixámos propositadamente para publicar nesta época da Páscoa no nosso Blogue.


O CATETERISMO DE DEUS


Nestes últimos dois dias, (regressei há pouco a casa), por causa de algumas “suspeitas” com a minha saúde, tive de fazer um cateterismo no hospital.

Um cateterismo, em palavras muito simples, é um exame médico, que também pode servir de tratamento, e que é, “grosso modo”, a introdução de um cateter numa veia para poder examinar o estado das artérias, bem como do coração.
Para além do exame, por contraste, esse mesmo cateter também pode introduzir medicamentos onde necessário e desobstruir os vasos sanguíneos que possam estar de alguma forma obstruídos, pelas “gorduras”, etc.

Que me perdoem os profissionais de saúde pela explicação “bacoca”, mas o meu fim não é explicar o que é um cateterismo, mas sim a reflexão que fiz sobre o que o Espírito Santo me quis “dizer” acerca de tal facto na minha vida.
E perdoem-me também os conceitos que possam envolver a medicina no seguimento do texto, mas que são apenas para fazer a analogia que me foi suscitada pela minha reflexão.

Podemos então entender que o cateterismo, ao servir para “examinar, tratar e curar” o que possa estar mal no coração, bem como em todo o processo de afluxo sanguíneo no corpo humano, acaba por “tocar” todas as vertentes do mesmo, visto que nenhum órgão pode viver sem o sangue que lhe dá vida.

Temos no nosso corpo vários sistemas, dos quais saliento o sanguíneo e o nervoso, por serem aqueles que, de uma forma simplista, mais tocam toda a nossa existência.

Tenho então para mim, que temos também um “sistema espiritual”, e que esse sim, toca toda e qualquer parte do nosso corpo, porque é aquele que nos faz exactamente o que somos e como somos, «feitos à imagem e semelhança de Deus», ou seja, a presença de Deus em nós é no todo que nós somos, e não apenas numa parte específica do nosso corpo.

Ora, se para tratar do coração e do nosso sistema sanguíneo Deus deu ao homem a capacidade de descobrir o cateterismo, sem dúvida que Deus também tem para o homem um “tratamento” para o seu “sistema espiritual”!

E é claro que tem e todos nós o conhecemos muito bem, pois chama-se Confissão.

Para fazermos um cateterismo, temos que ir ao hospital, colocarmo-nos nas mãos de um médico, e disponibilizarmo-nos para receber o tratamento, para além de nos comprometermos a seguir as indicações do médico quanto à nossa vida futura, o que por vezes irá implicar alguns sacrifícios de mudança de vida, no que diz respeito a hábitos alimentares, de comportamento, etc.

Para recebermos o “cateterismo de Deus”, a Confissão, temos que nos dirigir à Igreja, (e não me refiro a um edifício), colocarmo-nos nas mãos de um sacerdote, aceitarmos o perdão que nos é dado e fazermos um firme compromisso, um firme propósito de emenda, que também nos irá exigir vigilância contínua e o desistirmos de algumas práticas mundanas que põe em causa os efeitos perenes do “tratamento”.

No cateterismo, o cateter percorre o “sistema sanguíneo”, até ao coração, (“fonte” do nosso sangue/vida), tudo examinando para descobrir problemas que possam existir, e, se for necessário, vai deixando o medicamento apropriado para curar, tratando o que é necessário tratar.

Podemos então reflectir que na Confissão, o cateter é o amor de Deus, que percorrendo o nosso “sistema espiritual” nos vai fazendo examinar a nós próprios, até chegarmos ao coração, receptáculo e fonte do amor de Deus.
Perante a evidência de alguma “doença”, (rancor, falta de perdão, vícios vários, etc.), é necessário o “medicamento” apropriado, pelo que, o amor de Deus, (o cateter da Confissão), leva o perdão a todos os pontos doentes de modo a que, libertos do mal que os envolvia, possam então cumprir a sua missão de, (fazendo o homem completo), ser testemunhas do amor de Deus.

Tal como no seguimento de um cateterismo é necessário que a pessoa tome muito cuidado com o modo de viver no seu futuro, também após a Confissão o homem deve ficar vigilante e fugir do pecado, resistindo-lhe com todas as armas que Deus lhe der.

Obviamente que as diferenças entre um cateterismo e a Confissão são imensas, (não são aliás comparáveis), mas este texto serve apenas para meditarmos mais um pouco neste tempo de Quaresma, (como se fossemos ao hospital fazer o tal cateterismo!), e por isso mesmo gostaria de salientar pelo menos duas dessas diferenças:

O cateterismo tem sempre, apesar de tudo, um risco para a saúde do doente, e até alguns possíveis efeitos secundários, por força da “invasão” a que sujeita o paciente, bem como, não pode ser repetido demasiadas vezes ou muito frequentemente.

A Confissão não tem qualquer risco para a saúde espiritual, mental ou física do homem, (antes pelo contrário), não tem quaisquer efeitos secundários que não sejam bons, (até porque nunca se trata de uma “invasão”, mas de uma aceitação), pode ser repetida sempre e até o deve ser muito frequentemente.

O cateterismo, embora muito bem feito e com todas as condições, pode não resultar, e o doente ter que ser sujeito a outros tratamentos mais complicados e perigosos.

A Confissão bem celebrada alcança sempre o melhor resultado, pela graça de Deus, e o homem fica totalmente curado, até que, por sua exclusiva vontade, volte a pecar.

E no mundo tão materialista em que vivemos, ainda podemos perceber que, enquanto o cateterismo tem custos financeiros para o doente e para o estado, a Confissão é fruto gratuito do “imensamente” infinito amor de Deus.

Por isso mesmo, preparei o cateterismo que fui fazer, com uma prévia Confissão, pois de uma coisa tenho a certeza: o “cateterismo de Deus” não falha, e por Sua graça, alcança-me a salvação.

Deus seja louvado!


Nota:
«O cateterismo cardíaco é um procedimento no qual é inserido um pequeno tubo (cateter) através de um grande vaso sanguíneo no braço ou na perna, que, em seguida, é dirigido até ao coração. Os médicos utilizam o cateter para medir a pressão e os níveis de oxigénio dentro das câmaras cardíacas e, assim, avaliar o funcionamento do coração. Através do cateter, os médicos podem igualmente injectar um corante especial que proporciona uma imagem radiológica da estrutura interna do coração e dos padrões de fluxo de sangue. Em alguns doentes, o corante radiológico é igualmente injectado nas artérias coronárias para identificar áreas que se tornaram estreitadas, procedimento denominado angiografia coronária.
Os cateteres cardíacos podem ser utilizados para transportar instrumentos cirúrgicos especiais até ao coração, possibilitando abrir artérias coronárias estreitadas (um procedimento denominado angioplastia coronária) ou corrigir determinados defeitos cardíacos congénitos (de nascença) nas crianças.»

Retirado daqui: http://hmsportugal.wordpress.com/2011/05/20/sabe-o-que-e-o-cateterismo-cardiaco/

Marinha Grande, 7 de Março de 2012

JMA

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9667: Blogoterapia (204): Não tenho palavras para agradecer o calor que trouxeram ao meu coração (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 – P9711: Tabanca Grande (328): António Augusto Vieira de Melo, ex-1.º Cabo Rec Inf do BCAÇ 2930, Catió e Quartel General, Bissau (1972/74)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano, António Augusto Vieira de Melo, ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, (1972/74), com data de 1 de Abril de 2012:

Camarada Luís
Venho pedir com humildade que me aceitem para fazer parte do vosso blogue pois ando há cerca de dois anos a lê-lo e nunca tive coragem para me alistar neste batalhão.

Hoje, depois de ler o comunicado do dia 1 de abril fiz um comentário ao mesmo. Tinha quase a certeza de que era mentira mas mesmo assim fi-lo. Agora que fui descoberto pelos amigos, que estou a mercê de ser tiroteado ou de um golpe de mão, dou a cara, e que façam justiça, mas por favor peço que me poupem a vida. Já que na Guiné nada me aconteceu e andando pelo mundo me tenho defendido razoavelmente, não queria morrer nas mãos amigas. 

Camarada Luís, não cumpro com todos os requisitos para poder ingressar no blogue porque de momento não tenho scaner para poder mandar as fotos, mas prometo que no mais breve espaço de tempo cumprirei a dívida e para que não haja dúvidas a meu respeito aqui vai a minha identificação e alguns pormenores das minhas férias na Guiné.

Sou António Augusto Vieira de Melo, ex-1.º Cabo Rec Inf
Pertenci ao BCAÇ 2930 e estive em Catió.
Fui de rendição individual substituir o 1.º Cabo Coelho que foi apanhado num golpe de mão na pista de Catió.
Fui para a Guiné em 26 de fevereiro de 1972 e regressei a 16 de março de 1974.

Como disse antes, fui para Catió e quando o Batalhão regressou à metrópole fiquei em Brá nos Adidos, sendo posteriormente colocado no Quartel General. na 1.ª Repartição - Secção de colocação de oficiais, onde estava o Major Mota Freitas e o Alferes Moutinho de quem guardo muitas e boas recordações e de quem não mais voltei a saber nada. Também estavam lá o Primeiro Sargento Martins, o Furriel Freitas, o Cabo Castanheira (desenhador) e um fascina, o Soldado Montoia, bom amigo também.

Camarada, contarei mais coisas porque a minha vida na Guiné foi fértil. Posso adiantar que estava ao mesmo tempo que eu na Guiné o meu irmão Jaime, que é mais velho do que eu um ano. Dele falarei noutra oportunidade assim como da minha mulher que mandei ir para lá quando fui colocado no QG, tinha ela apenas 17 anitos. Enviarei fotos como prova, pois vivíamos ao lado do Bar Arganilense, em frente ao edifício do Sindicato.

Camarada como te disse antes, a minha vida na Guiné foi muito fértil e haverá tempo para contar-te. Por hoje vou cumprir com parte do que tenho que pagar que é uma pequena historia.

No ano de 1972, pelo Natal, estando eu colocado no QG, o Chefe de Repartição era o Major Mota Freitas que estava incumbido de preparar a festa de natal para os oficiais e familiares.
Ao chegar à Repartição chamou ao 1.º Cabo desenhador Castanheira e pediu-lhe para fazer de Pai Natal para os filhos dos oficiais, ao que este respondeu que não. De seguida chamou o soldado fascina Montoia e recebeu a mesma resposta. Quando chegou a minha vez respondi afirmativamente. Seguidamente chamou o Castanheira e o Montoia e ordenou que naquela tarde estariam os dois de castigo de serviço na repartição os dois castigados. Eu pensei para comigo que daquela me tinha livrado.

Perguntei ao Major Mota Freitas se podia levar a minha mulher comigo uma vez que ela estava em Bissau. Ele sabia, mas eu por diferença de estatuto nunca havia tido essa conversa com ele. Respondeu que sim, que levasse a minha mulher e que fosse vestido à civil que ele logo me arranjaria uma farda, mas de Pai Natal. Verdade se diga que a minha mulher e o Alferes Moutinho me mascararam muito bem, estava irreconhecível. Gostei da experiência e foi para mim um gosto pois passei uma tarde linda, diferente e irrepetível. A dada altura dirigiu-se a mim o Chefe do Estado Maior, Cor Henrique Gonçalves Vaz, com muita cordialidade e educação, estando eu vestido de Pai Natal, me perguntou quem era eu, e eu fazendo que não havia percebido a pergunta, lhe respondi que era o Pai Natal. Ele sorriu e disse-me:
- Não essa a resposta que eu quero, quem és tu na vida militar?

Então com a mesma educação com que se havia dirigido a mim, mas sem qualquer vénia militar lhe respondi correctamente quem era, o que ele me agradeceu. Fez-me mais algumas perguntas e desejou-me um Feliz Natal.

Depois foi a saída para junto da piscina e a entrega das prendas aos filhos dos oficiais, que correu como eu pude. Era a primeira vez que estava diante de um microfone mas como se diz na tropa, desenrasquei-me.

Terminada a entrega de prendas foi a vez de ir para a mesa, mas como eu como estava à civil, quero dizer, mascarado de novo, ninguém me conhecia a não ser o Major Mota Freitas e o Alferes Moutinho que muito me apoiou para eu me integrar no convívio. Comemos alguma coisa sem restrições, mas quando vi que era a hora apropriada, retirei-me pela calada com a minha mulher.

É esta a minha historia.


2. Comentário de CV:

Caro camarada António Melo, sê bem-vindo à Tabanca Grande. Recebe desde já um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores.

Começaste a narrar as tuas memórias com uma história passada em Bissau e num tempo que noutras circunstâncias seria de paz, a quadra natalícia. No papel de Pai Natal fizeste feliz algumas crianças que até certo ponto viviam a tensão de uma guerra, porque Bissau ficava quase à porta do conflito que se fazia sentir naquela província. Outras terás, como por exemplo os encontros programados ou ocasionais com os teus conterrâneos que, vindos da metrópole, passavam por Bissau a caminho do mato ou o contrário.

Pelas minhas contas deves ter estado cerca de 10 meses em Catió, espaço de tempo em que terás vivido algumas situações que poderás contar neste Blogue.

Quando tiveres digitalizador manda as tuas fotos para publicarmos, algumas das quais poderão servir para ilustrar as tuas histórias.

Termino desejando para ti e para os teus uma boa Páscoa com saúde e em família.

O teu camarada e novo amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 – P9694: Tabanca Grande (327): José Carlos Santos Pimentel, ex-Soldado de Transmissões da CCAÇ 2401/BCAÇ 2851 (Guiné, 1968/70)

Guiné 63/74 - P9710: Nós da memória (Torcato Mendonça) (19): Pare, Escute e Olhe

Mansambo > Monumento aos mortos da CART 2339






1. Texto do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória", enviado em mensagem do dia 26 de Março de 2012:

 
NÓS DA MEMÓRIA - 19
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

Pare, Escute e Olhe

Placa do passado em aviso ao perigo do comboio que se aproximava e tudo à frente levava.

Pare, clique no “rato” e leia. Aí vêm as letras, as frases e mais frases atreladas como se um comboio fosse. Tudo atropelam, tudo à frente levam.

Paro, releio e penso. Penso mas nada digo, nada comento. Para quê e porquê? São outros saberes ditos, melhor, escritos. O meu intelecto não os domina. Terá sido sempre assim? Talvez não. É a degradação dos neurónios que penso ter dentro da cabeça.

Mas voltemos às letras, às frases e mais frases atreladas em enorme sapiência, a aconselharem, criticarem, informarem, louvarem, bajularem, denegrirem, corrigirem e muito mais. São frases de arremesso, de alívio, de ego ofendido ou de sua ausência. Talvez ausência. Porque o dito aumentou, inchou, avolumou e, não rebentando se derramou em pastosa mancha.

Pare, escute e olhe.

Não! Por favor, não. Não pare, não escute, não olhe. Deixe-se ir devagar. Tente parar a máquina enorme, hoje quase silenciosa no seu deslizar. Deixe-se ir e, pela frente dela, ser levado. Mal ouvirá o apito premido freneticamente pelo condutor aflito. Menos ouvirá o baque e o “frenar guinchante” de metal sobre metal. Tudo pára… então… Então que foi? Foi aquele fulano que… Sei. Conhecia… sujeito vaidoso do seu saber e a pouco entender.

Nem agora, nem agora a não compreender que era o comboio das dezoito e dez… Teimoso! Desculpe. Teimoso não. Um pensador e, como tal, um ser distraído. Pois, pois… foi-se. Feliz… mente…

Mansambo > Torcato Mendonça e Sargento Baldé

Na Guiné havia comboios? Não! As gentes andavam por estradas, picadas e trilhos. Com mais segurança andavam, quando se deslocavam por rios grossos e outros mais finos mas todos entrelaçados. Nas marés cheias a Guiné encolhia. O macaréu era onda forte a subia rapidamente, tudo enchia e a terra rapidamente diminuía, por aqueles rios, afluentes e sub afluentes.

Como os neurónios… como os neurónios… Como quê? Neurónios. Bolas o tipo teve um curto-circuito.

That’s possible.

É possível?

É possível porr…a.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9697: Nós da memória (Torcato Mendonça) (18): O Dia - Fotos falantes IV

Guiné 63/74 - P9709: Agenda cultural (193): Seminário Guerra de África - Actividade Militar (1961-1974), dias 12 e 13 de Abril de 2012 no Instituto de Estudos Superiores e Militares, em Lisboa (Mário Beja Santos)

1. Em mensagem do dia 5 de Abril de 2012, o nosso camarada Mário Beja Santos deu-nos notícia do Seminário Guerra de África - Actividade Militar (1961-1974) a decorrer nos dias 12 e 13 de Abril de 2012 no Instituto de Estudos Superiores Militares, Rua de Pedrouços - Lisboa.

 C O N V I T E

 

OBS: - Clicar nas imagens para permitir a leitura dos textos.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9687: Agenda cultural (192): Aqui em baixo tudo é simples... Com os Melech Mechaya (hoje, em Lisboa, no Cinema São Jorge, às 21h30)

Guiné 63/74 – P9708: Convívios (408): 29.º Almoço do pessoal da CCAÇ 2317, dia 9 de Junho de 2012 em Paredes (Joaquim Gomes Soares)

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Gomes Soares (ex-1.º Cabo da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, Gandembel / Ponte Balana, 1968/70), com data de 30 de Março de 2012, noticiando o 29.º Almoço/Convívio da sua Companhia, no dia 9 de Junho de 2012 em Paredes:
 

AMIGO E COMPANHEIRO

Mais um ano que passou, mais um ano nos vamos poder encontrar para o nosso almoço de convívio, pela 29.ª vez escrevo para o encontro do único dia que marca a página da história, da página que foi escrita com o nosso sangue, suor e lágrimas e que através das palavras podemos contar aos nossos filhos, netos e amigos esta página que nos marcou na nossa vida.

Faz 43 anos que terminou este episódio e se disse adeus a Gandembel, mas não podemos dizer adeus ao nosso passado que nos marcou a todos, uns mais do que outros.

Como sempre tenho que recorrer ao nosso amigo Santos, vamos mais uma vez para Paredes, o sitio é bom e será bom para todos pelo restaurante e pelo fácil acesso.

O restaurante chama-se “O Verde Adega Regional”. Encontra-se na morada: Rua Vilarinho de Cima, Gandra/Paredes.

Para lá chegar quem vai do Porto tem de apanhar a auto-estrada Porto/Amarante, e sai quando aparecer a placa a dizer Gandra-Campo. Ao sair da portagem encontra uma rotunda, sai para a estrada nacional e mais a frente 500 m chegou ao restaurante.

Como todos os anos espero poder contar com a tua presença novamente, porque todos os anos é uma festa diferente e sempre muito alegre.

É também uma alegria podermo-nos encontrar outra vez, e espero que por muitos anos.

Este ano, o encontro é no dia 9 de junho, calha a um sábado e a partir das 12h estamos a tua espera.

Como de costume deixo-te aqui o meu contato para que possas marcar a tua presença, dar noticias ou saber informações:

Tel. 225 361 952 ou 224 015 462
Telm. 936 831 517
Restaurante: 224 155 550

Se puderes não percas um dia diferente, estamos a tua espera.

Agradeço que me confirmes a tua presença logo que possível.

Email: joaquim.gomes.soares@hotmail.com

Um abraço
Joaquim Soares

Amigo e companheiro, o nosso amigo “Reis” acabou de escrever e publicar um livro sobre a C. CAÇ. 2317, onde na capa fala sobre Gandembel. Ele quer fazer a oferta do mesmo no nosso almoço.

Não faltes!


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Março de 2012 > Guiné 63/74 – P9661: Convívios (328): XIX Encontro do pessoal da CCS/BCAÇ 2912, dia 26 de Maio de 2012 no RI 14 de Viseu (Vasco Joaquim)

Guiné 63/74 - P9707: Notas de leitura (348): Les Batisseurs D'Histoire, de Gérard Chaliand (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 29 de Fevereiro de 2012:

Queridos amigos,
Graças à ajuda providencial do investigador António Duarte Silva, que tão generosamente me dá acesso aos tesouros da sua biblioteca, tive acesso a mais obras de Gérard Chaliand, um especialista de renome mundial que nunca escondeu a sua profunda admiração pelo pensamento e obra de Cabral.
Traça uma síntese admirável pelo trabalho de Cabral na luta anticolonialista, com destaque para a evolução da guerrilha e a luta diplomática. Põe o pensamento de Cabral ao mesmo nível de importância de Frantz Fanon, Kissinger, Clausewitz ou Thomas Lawrence.

Um abraço do
Mário


Amílcar Cabral, um construtor da História 

Beja Santos 

Gérard Chaliand dispensa apresentações, é reconhecido à escala mundial como um dos maiores peritos na teoria das insurreições armadas. Em 1995 publicou um conjunto de ensaios batizados com o título “Os construtores da História” (Les Batisseurs d’Histoire, Arléa, 1995). Na apresentação da obra, Chaliand apresenta o seu trabalho como o produto de três décadas de viagens e reflexão, e não esconde o móbil do seu interesse: tentar perceber figuras proeminentes de diferentes culturas que convocaram povos para se libertarem do jugo colonial, incluindo o recurso à violência armada, e comenta a seleção dos seus eleitos.

Começando por Frantz Fanon, ele é um teórico incontornável do antigo colonialismo ativo a partir da guerra da Argélia, os seus escritos tiveram uma audiência em vários continentes. Chaliand encontrava-se na Argélia em 1963 quando decidiu visitar o movimento de libertação liderado por Amílcar Cabral. E escreve que foi com Amílcar Cabral (que ele classifica como a mais bela figura revolucionária produzida por África, a par de Nelson Mandela) que ele fez conhecimento da guerrilha guineense. E explica igualmente porque se interessou por figuras como o secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, Von Clausewitz, Sun Zi, Lawrence da Arábia e o conquistador espanhol Pedro Pizarro. Procede-se seguidamente a uma súmula do que ele escreve sobre Amílcar Cabral.

Considera que a África contemporânea deu três imagens exemplares de dirigentes políticos revolucionários: o mártir, Patrice Lumunba; o visionário Kwane Nkrumah, e o revolucionário por excelência, Amílcar Cabral. Pelo seu pensamento como pela sua estatura, Cabral ultrapassa o quadro da luta contra o colonialismo português e deve ser considerado como uma das grandes figuras do Terceiro Mundo. Chaliand faz o seguinte balanço sobre a ação e o pensamento de Cabral: capacidade para situar o colonialismo português como demasiado atrasado para encarar um domínio neocolonial e demasiado agarrado a um passado glorioso para só se pensar como entidade metropolitana; conhecimento concreto das estruturas sociais das populações da Guiné graças a uma prática do terreno e a uma análise do tipo marxista; capacidade para construir pacientemente um partido e estabelecer uma estratégia e de a rever quando necessário; no plano da luta armada, saber o que quer sob a formação de quadros, o estabelecimento de uma infraestrutura clandestina e possuir uma visão do funcionamento das chamadas regiões libertadas; apurado o sentido diplomático, conseguindo estabelecer relações de vizinhança sem conflito, equilibrando o seu relacionamento com os não-alinhados, com os governos ocidentais e recebendo apoio em armamento dos países comunistas; e jogando na hora certa a cartada da independência unilateral que agudizou o isolamento das autoridades de Lisboa e preparou a prazo a queda do regime; e, talvez o mais importante, a elaboração teórica original sobretudo no que toca à importância e às particularidades da luta de classes no quadro das sociedades africanas, análise que encadeou com a do papel e a ambivalência da pequena burguesia à frente dos movimentos de libertação nacional.

Enumera os principais dados curriculares de Cabral, o leitor interessado encontra-os sobretudo no trabalho de Julião Soares Sousa hoje documento de leitura obrigatória ("Amílcar Cabral - Vida e Morte de um Revolucionário Africano", Veja, 2011), não vale a pena estar aqui a repeti-los. Explica o que distingue Cabo Verde da Guiné: a Guiné foi regida até 1961 pelo estatuto do indigenato, que estabelecia uma discriminação racial de facto, o indígena não tinha direitos políticos, as suas diferentes etnias podiam a qualquer momento sair da calma aparente e guerrearem-se entre si, as relações entre etnias islamizadas e o principal grupo animista eram claramente conflituais; Cabo Verde não tinha indígenas, só assimilados, era uma outra realidade, fora um entreposto de escravos, aqui se fixava um certo número de escravos de origem continental nos trabalhos da lavoura, a sociedade cabo-verdiana não era uma sociedade colonizada mas sim um sociedade de formação colonial, com 70 % de mestiços, uma população esmagadoramente cristã, com uma grande abertura cultural e dispondo de uma comunidade na diáspora na Europa, no Brasil e em diferentes localidades africanas – estas distinções irão pesar não na luta armada mas para a definição dos Estados independentes.

Seguidamente, o autor explana toda a estratégia montada para congregar na cena internacional os movimentos de libertação de língua portuguesa e como Cabral foi indiscutivelmente a figura de proa. Ao pô-lo em confronto com Fanon, Chaliand recorda que Cabral pensava que a organização revolucionária e a sua coerência ideológica eram fundamentais e que os camponeses não eram espontaneamente revolucionários, impunha-se implicar a pequena burguesia urbana na liderança desse processo revolucionário. A síntese que ele nos oferece da vida do líder e das atividades do PAIGC entre 1963 e 1973 é admirável, retém o essencial. Destaca a sobriedade verbal e a falta de narcisismo paranoide que carateriza tanto o líder africano, observando que o sonho de Cabral não era o de caricaturar o Ocidente, tinha amplamente discutido a constituição de uma economia orientada para satisfazer as necessidades elementares dos guineenses em bens de primeira necessidade, repudiara a constituição de uma elite política privilegiada e atreita à corrupção, também aqui se distinguiu o sonho de Cabral que não propôs uma política que acenasse com o conforto no curto prazo.

Na continuação deste ensaio, Chaliand, muitos anos depois da morte de Cabral, procedeu ao exame do seu pensamento e ação. Voltou a evidenciar, quanto ao escopo ideológico do líder, a advertência que repetidamente lançava sobre a pequena burguesia correr o risco de se suicidar como classe, exaltando a capacidade de Cabral para rever a sua estratégia a qualquer momento. Assim aconteceu em 1959, quando constatou que a ação do PAIGC requeria uma preparação criteriosa de quadros e uma luta de libertação no interior rural, nunca nos grandes núcleos populacionais. Daí a formação dos quadros, o trabalho clandestino de subversão, a permanente adaptação à guerrilha à crescente sofisticação do armamento. Chaliand recorda como Cabral discursava e escrevia sobre o papel da mulher, contrariando teses retrógradas que a posicionavam na inteira subalternidade. A condução da guerrilha na Guiné, escreve Chaliand, foi um sucesso total, basta pensar nos líderes militares que se foram sucedendo uns aos outros, sem apresentar resultados, o PAIGC só tremeu com a contraofensiva de Spínola. E aí Cabral teve o talento estratégico e a imaginação de deslocar a guerra para o plano diplomático. Referindo-se ao maior desastre desta estratégia, a unidade Guiné-Cabo Verde, Chaliand observa que foi uma ligação generosa editada pelas circunstâncias, terá havido um otimismo excessivo quanto à fusão eventual dos dois países, se bem que seja possível olhar para esta separação na base de problemas raciais e do nacionalismo estreito. Mas nada impede, a despeito desse insucesso, que se diga que Cabral pela exemplaridade da luta de libertação conduzida pelo PAIGC trouxe um contributo inestimável de África à história contemporânea.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9691: Notas de leitura (347): Arte Nalú, por Artur Augusto da Siva (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9706: Parabéns a você (401): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1971/73)

Vd. as muitas publicações do nosso camarada Mexia Alves, neste Blogue, clicando aqui
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9701: Parabéns a você (400): Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mec Auto da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72; António Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 2406/BCAÇ 2852; Hernàni Acácio Figueiredo, ex-Alf Mil TRMS da CCS/BCAÇ 2851 e José Eduardo R. Oliveira, ex-Fur Mil da CCAÇ 675

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9705: Blogpoesia (185): Pelas estradas de Mampatá (José Santos)

1. Em mensagem de 28 de Fevereiro de 2012, o nosso camarada José Santos* (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 3326, Mampatá e Quinhamel, 1971/73) enviou-nos este seu poema:


Guiné

Pelas estradas de Mampatá
Caminhando
Ao sol, à chuva, ao vento
Olhos esbugalhados
Respira-se
A essência das árvores
Procurando o inimigo
Sobressaltados
Corações a palpitarem
Olhando acolá
Pernas tremendo
É o sofrer descomunal
Das horas que não passam
Horas infinitas
Sem dormir
Com fome, com sede
O tempo não passa
Atravessa-se as bolanhas
Malditas bolanhas
Precauções ao vivo
Cabeças girando
Mosquitos depravados
Umas quantas ferroadas
Em corpos suados
Assim é longo o tempo
Este não passa
Do inimigo nada
Ansiedade,
Palpitações
O sangue quente
Corre nas veias escaldantes
Suor, lágrimas
Mas nada de prantos
O militar é
Valente, destemido, desconfiado
Sofre as agonias
Do combate
Sem pestanejar
Ouvidos atentos à muda 
Da progressão
E o tempo não passa
Escurece
A noite aproxima-se
É mais uma noitada
De pé debaixo das árvores
Umas vezes sentados
Outras deitadas
Cansados
E o tempo não passa
Chega a madrugada
Será mais um dia
Calmo, perturbado
Nunca se sabe
Ouve-se ao longe
Tiros de rajada
Granadas rebentando
Os hélios aproximam-se
O canhão dispara
Vive-se ansiedade
O inferno não acaba
Maldita a guerra
Guerra que aflige o
Mundo
Erros perfeitos da filosofia
Guerra que inflige morte
Provas que a guerra é falsa
Tudo é mexer, fazer coisas,
Deixando rastos
Guerra é lugar confuso de pensamento
A Humanidade revolta-se
É a destruição do povo
É orgulho e crueldade
É química da natureza
A guerra é um sem número de almas
Estas não têm calma
Não é a mesma gente
Nada é igual
Ser real é isto
Pouco me importa
Não importa o quê
Não sei
Mas nada me importa
Que dizer dos que não
Passaram por tudo isto
Sorte, azar
Nunca se sabe
Mas o militar de cabeça levantada
Procura escapar
Não procura sarilhos
Mas não chega o tempo
Sair dali para fora
Na imensidão do capim
Nunca mais acaba
Esta guerra sem fim 
Fazem-se patrulhas
Em botes de borracha
Vêem-se crocodilos
Mandíbulas enormes
É grande o susto
Mas o militar é
Destemido, valente, guerreiro
Audaz, persistente, bravo
E passa mais um dia
E a guerra não tem fim
É grande o sofrimento
O desgaste, a tensão
Nervos à flor da pele
Mas o tempo custa a passar
Os ponteiros do relógio
Não andam
E o tempo não passa
Nervos de aço
Tem um militar

José Santos
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9052: Tabanca Grande (306): José Santos, ex-1º Cabo Enf, CCAÇ 3326 (Mampatá e Quinhamel, Jan 71/Jan 73)

Vd. último poste da série de 21 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9632: Blogpoesia (184): O tuteio ou o tratamento por tu, entre os camaradas da Guiné... (No Dia Mundial da Poesia... e da Água) (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P9704: O Cancioneiro de Gandembel (4): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte IV) (Idálio Reis)












Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 2317 (1968/69) >  O "suplício de Sísifo": os homens-toupeira construindo (e defendendo) a sua "casa" no "corredor da morte", em tempo recorde...


Fotos: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Continuação do texto da autoria de Idálio Reis (ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835 (Gandembel e Ponte Balana, Nova Lamego, 1968/69) [ aqui com o João Barge, um dos autores de "Os Gandembéis", em Monte Real, 2010]:




Os Gandembéis: O Nosso Cancioneiro, as nossas músicas, os nossos poetas (Parte IV) (*) (**)



XII

Já o raio Apolíneo visitava
As terras de Gandembel acendido,
Quando o Moura c´os seus determinava
Que o quartel depressa fosse construído.
A gente na mata muito trabalhava
Como se fosse o engano já sabido;
Mas pôde suspeitar-se realmente
Que o turra nos detectou facilmente.


XIII
Quais para a cova as próvidas formigas,
Levando o peso grande acomodado
As forças exercitam, de inimigas
Ao inimigo turra assanhado;
Ali são seus trabalhos e fadigas,
Ali mostram vigor nunca esperado:
A tanto os soldados andam trabalhando
E c´o a arma amiga sempre vigiando.


XIV
Eis, um dia, no quartel o fogo se levanta
Com furiosa e dura artilharia:
O canhão pela mata o brado espanta
E o morteiro o ar retumba e assobia.
O coração das tropas se quebranta,
C’ o ataque grande o sangue lhes resfria.
Já foge o escondido, de medroso,
E morre o incauto aventuroso.


XV
Não se contenta a gente portuguesa
Mas, sentindo a vitória, destrói e mata;
O soldado, a peito descoberto e sem defesa,
Contra ataca, reage e desbarata.
Da ofensiva ao turra já lhe pesa
Que bem cuidou comprá-la mais barata
Destarte, enfim, o português castiga
A vil malícia, pérfida e inimiga.


XVI

Ao 15 de Julho somos chegados
Que há muito ali estávamos passando,
Por sítios nunca d’outrem penetrados
Prosperamente os ventos assoprando.
Nessa noite, estando mui cansados,
Nos postos os sentinelas vigiando,
Subitamente o turra aparece
E com canhões e morteiros os ares escurece.


XVII
Tão temeroso vinha e carregado,
Que pôs nos corações um grande medo;
Disparando onze canhões, de longo brado,
E tentando o assalto ao grã Rochedo;
Morre o Araújo, ó triste fado, (#)
Um valoroso a menos neste vil degredo!
Já blasfema da guerra, e maldizia,
O Velho inerte e a mãe que o filho cria.


XVIII
Uma reacção medonha s´alevanta
No rude soldado que trabalha,
Com grande tiroteio a turra gente espanta,
Como se visse em hórrido batalhão
Disparam armas e granada tanta,
Pois não têm nesta noite quem lhes valha,
Acolhendo-se à vala que conhecem,
Só as cabeças no cimo lhe aparecem.


XIX
Vem Setembro, e uma nova granada
Se nos mostra no ar, passa e assobia;
Vem outra e outra, ó cousa danada,
Que os céus quebranta e a terra fendia.
Com mágoas de raiva, a gente assustada
Sai dos abrigos e à vala se acolhia;
Estragos fez tão dignos de memória
Que não cabem em verso ou larga história.


XX
Qual míssil estrondoso se veria
No Vietnam, o espaço sulcando
E a morte espalhando na terra fria,
Assim o cento e vinte vai troando. (##)
E vós ó medalhados, triste ironia,
Não cuideis mentira o que estou falando.
Vejam agora os sábios da Escritura
Que segredos são estes da Natura!


XXI
Tão grande era de carga, que bem posso
Certificar-vos que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do Mundo:
Com estrondo enorme, horrendo e grosso,
Que mais parecia vir do outro mundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo
A mim e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo.


XXII
Oh! Caso grande estranho e não cuidado!
Oh! Milagre claríssimo e evidente!
Oh! Descoberto assalto e inopinado!
Oh! Pérfida, inimiga e falsa gente!
Quem poderá do mal aparelhado
Livrar-se sem perigo, sabiamente,
Se lá de Cima a guarda Soberana
Não acudir à fraca força humana?


XXIII
Ei-los subitamente se lançavam
Com as suas armas ligeiras que traziam;
Outros com torpedos arrebentavam
O arame farpado, e deitados se acolhiam;
Dum lado e doutro súbito saltavam
E na porta d´armas vozes se ouviam:
“Entra!! Entra!! Ó tropa vai embora!”
E cada um pensa chegada a sua hora.


XXIV
Sonoras vozes incitavam
Os ânimos belicosos ressonando
Dos turras os tiros que o ar coalhavam,
E os very-lights a mata iluminando.
As bombardas horríssonas bramavam,
Com as granadas de fumos a luz tomando;
Avolumam-se os brados acendidos
À mistura de sangue, dor e gemidos.


XXV
Trava-se a dura e incerta guerra:
De ambas as partes tudo se abala;
Uns leva a defesa da própria terra,
Outros a esperança de ganhá-la.
Logo o grande Lopes, em que se encerra
Todo o valor, primeiro se assinala:
À bazooka se arremete e a terra, enfim, semeia
De sangue dos que tanto a desejam, sendo alheia.


XXVI
Cabeças pelo campo vão saltando,
Braços, pernas, sem dono e sem sentido,
E de outros as entranhas palpitando,
Pálida a cor, o gesto amortecido.
Já perde o assalto o exército nefando,
Correm rios de sangue desparzido,
Com que também da mata a cor se perde
Tornada vermelha, de branca e verde.


XXVII
Destarte o turra, atónito e turvado,
Toma sem tento as armas mui depressa.
Já foge, e de desesperado
O sinal de retirada arremessa.
O obus não pára, mas o soldado
Da arma ligeira, o fogo cessa.
Com tanto esforço e arte e valentia
Assim luta o soldado desta Companhia.

(Continua)


____________


Notas de L.G.

(#) Alf Mil Inf José Araújo, comandante de um  Pel Caç Nat 69 acabado de chegar a Gandembel, morto no "medonho" ataque de 15 de julho de 1968. De seu nome completo, José Manuel (ou Juvenal ?) Ávila Figueiredo Araújo, nascido no Funchal e aqui sepulatdo (no cemitério de Angústias)

(##) Morteiro 120: terá sido usado pela primeira vez, em Gandembel, contra as NT.
___________



Notas do editor:

(*) Postes anteriores da série >

28 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9672: Cancioneiro de Gandembel (1): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte I) (Idálio Reis)

29 de março de 2012 >
Guiné 63/74 - P9676: O Cancioneiro de Gandembel (2): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte II) (Idálio Reis)

3 de abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9695: O Cancioneiro de Gandembel (3): Do Hino de Gandembel ao poema épico Os Gandembéis (Parte III) (Idálio Reis)

(**) Fonte: REIS, Idálio - A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné: Gandembel / Ponte Balana. Ed. de autor, [Cantanhede], 2012, pp. 204 e ss. [Livro a lançar no dia 21 de Abril de 2012, em Monte Real, no nosso VII Encontro Nacional; um exemplar será oferecido pelo autor aos camaradas inscritos].

Guiné 63/74 - P9703: Um Professor na guerra (Manuel Joaquim) (2): Uma Escola em Mansabá

1. Foi com esta mensagem de 28 de Março de 2012 que o nosso camarada Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67) nos apresentou o seu trabalho de que hoje publicamos a segunda parte.

Meus caros Luís, Carlos e Eduardo:
Durante a minha vida militar na Guiné, tirando os quatro meses iniciais, sempre dei aulas, melhor dizendo, fiz alfabetização. Guardei sempre uma parte do meu tempo livre para proporcionar a muitos soldados a obtenção da quarta classe e, nos últimos quatro meses, trabalhei a tempo inteiro com soldados e com crianças. A minha "guerra" foi sublimada com este meu trabalho de que me orgulho e ao qual me dediquei. Talvez ingenuamente foi a procura dessa sublimação o que sempre me conduziu na minha atividade como combatente. Precisei desse objetivo mesmo sem saber ou pouco me importar qual o resultado final.

Titulei este trabalho com "Um professor na guerra". Professor e combatente fui de certeza. O título está para o"frouxo". Arranjam-me um melhor para este relato? Vai dividido em quatro partes. Se acharem por bem publicar é possível que prefiram uma outra divisão. Fica ao vosso critério.

Manuel Joaquim


UM PROFESSOR NA GUERRA

II - Uma escola em Mansabá

Por Manuel Joaquim

O ano de 1967 chegou, tinha a CCaç 1419 dezassete meses de Guiné e estava sediada em Mansabá. Quantas e quantas vezes suspirei pela chegada deste 1967! Ele trazia no “ventre” a senha de largada daquele martírio e a viagem de regresso a Lisboa!

Tinha planeado começar o ano em grande: umas belas e relaxantes férias em Bubaque, o momento ideal para “saborear” a Guiné, longe da guerra e disponível para gozar os encantos do mar e clima tropicais. Já tinha distribuído trabalhos escolares pela minha turma da “escola regimental”, tipo TPC como se diz hoje. Mas, inesperadamente, tudo falhou!

Uns dias antes da minha previsível partida para férias, sou chamado ao Comandante de Companhia. Queria “dar-me” uma missão, criar uma escola primária, em cumprimento de ordem recebida de Bissau para pôr essa escola a funcionar num prazo máximo de três meses. O Governador-Geral viria inaugurá-la.

 - "Toma lá! Como prémio pelo trabalho destes meses todos a dar aulas a 40 e tal soldados, tens agora uma escola primária a teu cargo!"- devo ter pensado na altura. Comecei por dizer que tinha férias aprovadas e marcadas, que não poderia aceitar. Levei como resposta que a situação se não compadecia com as minhas férias. "Porra, lá se foram as férias!

Mansabá, JAN67 > Interior do aquartelamento

Comecei a analisar a situação. Por um lado agradava-me o convite mas, por outro, não encontrava tempo disponível para cumprir a missão. Sendo assim, apresentei uma condição para aceitar e que era a de vir a ser dispensado de toda a atividade operacional. Esta condição foi recusada na base de que a minha saída do Grupo de Combate poderia trazer problemas operacionais. Reiterando que não me seria possível, física e temporalmente, assumir este trabalho, recusei o convite. Se o Comando queria apresentar ao Governador coisa séria teria de lhe apresentar uma escola a funcionar plenamente e não somente um edifício, por muito bonito que fosse. E eu, naquelas condições, não conseguiria cumprir.

Como já disse noutro “post”, fui para a guerra assumindo totalmente a situação de combatente. Desta vez, percebi e aproveitei a situação para me excusar às ações de combate. Aproximava-se o fim da comissão e o “não ir para o mato” seria uma maravilha. De qualquer modo também não me seria possível exercer as funções para que tinha sido “convidado” se continuasse no serviço operacional.

No dia seguinte fui novamente chamado, pensava eu que para mais uma tentativa do capitão. Mas não, foi para me dizer que fora tida em conta a minha situação e que, a partir daquele momento, ficava isento do serviço operacional e com a responsabilidade de pôr a funcionar as aulas na escola a construir de imediato. Senti o incómodo no seu tom de voz, como se quisesse acrescentar: “Já que és tão exigente, sempre quero ver o que vais fazer!” Fiquei sem férias mas com uma qualidade de vida muito melhor. Que alívio!

Dei a notícia à Companhia e a coisa não me foi agradável. Ainda hoje me lembro de não me sentir bem ao olhar os meus camaradas de Pelotão e, principalmente, os meus soldados da Secção. Foi uma separação repentina, uma peça daquela “maquineta” de combate que se partiu. Eles viam o meu trabalho, percebiam com certeza que não poderia estar nos dois lados, mas também invejavam a minha situação. Eu sentia-o, pois comigo aconteceu coisa igual quando vi o meu amigo e camarada de Especialidade e de beliche na caserna de Mafra, Raul Durão (CCaç 1421), sair de Mansabá (K3?) para trabalhar na Rádio em Bissau. Que inveja aquilo me deu! Mas deu-me também um jantar pago pelo Raul quando dele me despedi e deixei Bissau a caminho de Bissorã. (R.I.P. Raul!)

E ... mãos à obra! Fiquei com os dias totalmente preenchidos com o ensino: de manhã, a um grupo de crianças e, de tarde, aos soldados.

Bela “sala” de aulas, à sombra do mangueiro florido! 

O Pelotão de Sapadores ficou encarregado da construção do edifício escolar. Eu, apoiado pelos Furriéis Francisco Germano Passeiro (CCaç 1421) e António Correia (C?), tratava da parte pedagógica e administrativa. Tudo tinha de estar a funcionar como deve ser para finais de março, princípios de abril, altura já marcada para a solene inauguração pelo Governador e Comandante-Chefe Arnaldo Schulz.

E tudo correu como planeado. Para começar apareceram vinte e tal crianças. Como não havia sala, distribuímo-las por nós três e começámos a alfabetização na rua, no meu caso com o grupo das meninas debaixo de um grande mangueiro. Construído o edifício, no princípio de Março tomei conta da parte letiva enquanto os furriéis referidos se encarregaram das atividades circum-escolares.

E lá nos fomos preparando e preparando a miudagem para a festa da inauguração.

É hora de recreio!
Foto de F.G. Passeiro

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 2 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 - P9692: Um Professor na guerra (Manuel Joaquim) (1): Analfabetismo, um outro combate

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9702: Efemérides (87): Homenagem aos 3 majores do CAOP, mortos a 20 de abril de 1970, no chão manjaco (António Graça de Abreu / Manuel Bento / MACOUPA)


Guiné > Teixeira Pinto (?) > CAOP / CTIG 1 > c. 1970 > Os  três majores, com população local. Da direita para a esquerda: Pereira da Silva, Passos Ramos e Magalhães Osório, ou Magalhães Osório e Passos Ramos (não sabemos se a ordem está correta).

Foto: Maria da Graça Passos Ramos / Círculo de Leitores. In: ANTUNES, J.F. - A Guerra de África: 1976-1974. Vol. II. Lisboa: Círculo de Leitores. 1995. (Com a devida vénia...).


1. Mensagem do nosso amigo e camarada António Graça de Abreu, com data de 12 de fevereiro último:

Junto envio cópia da  foto dos três majores  que está no II vol., pag. 716, de A Guerra de África, de José Freire Antunes, no depoimento do general Almeida Bruno, "Libertar Guidage". A fonte da foto é a esposa de um dos majores, Maria da Graça Passos Ramos.

Dei recentemente uma vista de olhos pelo livro da jornalista Felícia Cabrita intitulado Massacres em África, (Lisboa, Esfera dos Livros, 2008) que dedica trinta páginas (da 180 à 210) ao massacre dos três majores Passos Ramos, Magalhães Osório, Pereira da Silva, do alferes Mosca e dos dois intérpretes manjacos Aliu Sissé e Patrão, todos do CAOP 1, -  a que também pertenci -, na estrada Pelundo/Jolmete a 20 de Abril de 1970. O texto é muito interessante, bem elaborado e documentado e conclui com um sentido poema do general Roberto Durão, (irmão do meu coronel pára-quedista Rafael Durão, comandante do CAOP 1, 1971-1973) dedicado aos três majores.
           
Há uns meses atrás, o coronel Mário Machado Malaquias, meu superior, meu companheiro e meu amigo no CAOP 1 (Comando de Agrupamento Operacional 1) em Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 72/74, enviou-me também um poema, este de homenagem aos três majores. Tinha-o guardado consigo, ignorava quem era o autor do poema, apenas aparecia assinado MACOUPA e perguntou-me se o anónimo poeta não seria eu.

Não escrevi este poema, e tal como o coronel Mário Malaquias não sei quem é o autor (alguém no blogue pode ajudar a descobrir que é o MACOUPA?) mas, com uma ou duas alterações de pormenor, não me importava de o ter escrito. Aí vai:
           
            Brilharam sonhos e certezas,
            Flâmulas brancas esfacelando medos
            No erguer feliz do amanhã sem data.
            E a noite vomitou
            Ecos podres vomitando anseios,
            Ódios amassados na embriaguês de cinza e sangue
            A escarnecer o abraço impossível.
            Agora,
            Que valem escolas e bolanhas fartas
            Se os chacais uivam hálitos vermelhos.
            Que importa o ouro do suor de tantos
            Na promoção das gentes deste chão.
            Quem bebe o sangue vertido nestas matas
            Se o ódio enjeita as vidas ceifadas na rotina.
            Quem ousa meditar a crueza da verdade
            Sem se vergar ao peso da descrença.
            Ah, como eu amo o riso das crianças,
            Para ver de dentro o meu olhar parado
            E vestir ainda a minha alma nua
            Na sordidez de ideias da morte…
            Desenraizado guerrilheiro terrorista
            Vem medir o fundo deste olhar despido
            Que já luziu de esperança e de gestos.
            Vem beber o fel desta chacina
            E diz-me se ainda há sedes por matar.
            Vem.
            Aqui nas matas do Jolmete
            A luta de ideais enraizou na morte,
            Os homens bons que tu sacrificaste
            Acenam ainda o braço que rejeitas.
            Aqui,
            Desenraizado guerrilheiro terrorista
            Se lutas pela Verdade
            Ergue um santuário-mesquita-catedral
            E endeusa os mártires que tombaram de pé
            Pela Verdade,
            Pela Justiça,
            Pela Paz.


2. Comentário de L.G.:

Este poema já aqui tinha sido publicado,em 8 de março de 2011,  na sequência de uma mensagem do 1º cabo telegrafista Manuel Alberto Cunha Bento, membro da nossa Tabanca Grande. De qualquer modo, parece-nos justo e oportuno voltar a publicá-lo, neste mês de abril de 2012, em que se comemora o 42º aniversário deste trágico aontecimento. Tudo indica que o pseudónimo MACOUPA diga respeito a alguém do próprio CAOP/CTIG da época (mais tarde CAOP1), CAOP a que pertenciam os três malogrados majores:

(...) "Vi as várias noticias do massacre no Chão Manjaco,  onde os 3 Majores e o Alferes foram assassinados. Eu pertencia ao CAOP, era Cabo Telegrafista e estava sempre em contacto com os referidos oficiais.

"Alguém do Agrupamento [leia-se, do CAOP] lhes prestou uma homenagem por escrito e deu-me uma fotocópia que eu guardei nos meus arquivos, e que junto para ser inserida no blogue se acharem conveniente (...).
Manuel Alberto Cunha Bento [manuelben@gmail.com / Telem 969 609 701]" (...)

_

Fonte: Manuel Bento (2011).

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Nota do editor: