sábado, 3 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9556: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande - Monte Real 2012 (5): Sondagem, últimas horas... e resultados provisórios...42 magníficos/as já se inscreveram para a nossa festa anual...

1.  Mensagem que acaba de circular pelo correio interno da Tabanca Grande;

Assunto: Sondagem sobre intenções de inscrição na nossa festa anual... Últimas horas...

Amigos, camaradas, camarigos:


Desculpem abusar da vossa santa paciência... Ainda há dias responderam, generosa e oportunamente, a um pedido meu sobre o PIFAS [ Programa de Informação das Forças Armadas], de saudosa memória... e sobre o qual iremos abrir uma nova série, se o volume de informação se justificar, como parece que se justifica...

Mas agora é importante que respondam à nossa sondagem, em curso... O prazo de resposta termina nesta próxima madrugada, dia 4, às 4h e picos...

Sabemos que há muita malta (, era assim que a gente se tratava nos anos 60/70), que deixa mais para o fim, à boa maneira portuguesa,  a concretização da sua intenção de ir (ou não ir) a este evento, que é a nossa festa de convívio anual, dia 21 de abril de 2012, sábado, em Monte Real... Festa que tem sido, todos os anos, desde 2006, um verdadeiro ronco...

Convenhamos: uma sondagem é apenas um exercício de simulação, mas pode dar indicações preciosas aos nossos dedicados e esforçados organizadores (Carlos Vinhal, Joaquim Mexia Alves & Companhia Lda)...

Como escrevemos na brincadeira (e sem ofensa para ninguém, como é nosso timbre), a organização do nosso VII Encontro Nacional está na fase do "Arre, Macho... & Tro(i)ka o Passo"!... Isto é: entrou na contagem decrescente... Só se realizará com 50 inscrições, no mínimo, mas a Comissão Oomissão Organizadora está a contar com o dobro (e porque não o triplo ?) das incrições. O ano passado, se não erro, juntámos cerca de 130 convivas... Este ano, e independentemente da nossa sondagem, há já "42 magníficos/as", inscritos para a grande Op Monte Real 2012...

Comparado com as penas que penámos naquela terra verde & vermelha, a festa agora é outra e o ingresso não custa muito... Nada de sangue, suor e lágrimas, nem sequer temos de passar as passas do Algarve... Desta vez são só 30... morteiradas!... O que é isso, quando  comparado com as que caíram de norte a sul, de leste a oeste.  da nossa Guiné, em cima da gente, de Gandembel a Gadamael, de Guileje a Guidaje, de Mansambo a Buruntuma, do Xime a Canquelifá, de Cancolim a Madina do Boé, de Jemberém a Infandre, de Bissorã a Farim, de São João a Fulacunda, de Bedanda a Nova Lamego...
 

Estas 30 morteiradas dão, além disso, direito à posse & ao usufruto...de um kit anti-troika completo:

(i) Aperitivos & bebidas,

(ii) Almoço & bebidas,

(iii) Lanche-buffet & bebidas, + (essa, à borla!),

(iv) a blogoterapêutica sombra do poilão, fraterno, mágico, centenário, da Tabanca Grande... Vd. poste P9534 (*).


Mas vamos aos resultados (provisórios) da nossa sondagem, às 21h de hoje, com um total de 49 respostas:

(i) Temos, pelo menos,  39 intenções de inscrição (9 irão sozinhos, 15 irão acompanhados):


(ii) Seis ainda não sabem se poderão ir;

(iii) Outros seis "infelizmente não poderão ir";

(iv) E, por fim, treze "decididamente não irão"...

Votem, amigos, camaradas e camarigos!...  Um Alfa Bravo. Luís Graça


Fotos (relativas ao encontro o ano passado): © Manuel Resende (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

As inscrições continuam a ser válidas só nos endereços dos camaradas Mexia Alves (joquim.alves@gmail.com) e Carlos Vinhal (carlos.vinhal@gmail.com).
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Nota do editor:

(*) Vd. último poste da série > 26 de fevereiro de 2012 >
Guiné 63/74 - P9534: VII Encontro Nacional da Tabanca Grande - Monte Real 2012 (4): Abertura de inscrições e informações diversas (A Organização) 

Guiné 63/74 - P9555: Caderno de notas de um Mais Velho (19): TECNIL, importante empresa de obras públicas, que desaparece do mapa (Parte I)

1. Nota do António Rosinha, que foi topógrafo na TECNIL, depois da independência da Guiné-Bissau... Enviada a 27 de fevereiro último, a meu pedido (LG):

 A TECNIL tinha a sua sede e Oficinas perto do cruzamento da estrada de Santa Luzia (Pansau Na Isna) com a avenida que vem da 1ª esquadra que ficou com o nome Unidade Africana.


Iniciou a actividade nas colónias em Angola nos anos 50, sendo já pelo ano de 1959 que iniciou na Guiné.

Estava também em São Tomé e nos Açores. O seu principal sócio (administrador, patrão) era o engº Ramiro Sobral (RS),  com empresas em Viseu, baptizando a TECNIL apenas para as colónias.

Disto tudo apenas sei a partir de 1980, quando conheci o patrão RS, 75 anos, e outros funcionários,  quase tudo gente desaparecida. Tenho ainda o contacto com um amigo desses,  já no lar da 3ª idade. Quando quero saber coisas antigas, recorro à memória desse amigo.

Ao falar da TECNIL e de RS, estamos falando de uma empresa com 3 ou 4 sócios engenheiros civis e/ou técnicos que eram muito respeitados por Spínola e outros, e pelo Luís Cabral e governos respectivos e mesmo depois com Nino. (Às vezes, muita gente que passa pouco tempo em África, não entende muito bem que haja um relacionamento óptimo entre aqueles que se podem dizer que serviram o colonialismo e os que foram as 'vítimas' dessa colonização: ex. a reacção dos cooperantes portugueses, suecos, cubanos , etc. mas mesmo muitos portugueses que passaram por lá, os 20 e tal meses e não tiveram qualquer integração; da parte dos africanos custa mais a compreender essa 'certa intimidade do cólon' quando se trata de jovens, já doutrinados no nacionalismo dos seus países).

Alem de estradas e pontes a TECNIL construía edifícios e obras marítimas. O dinamismo leva o RS a ser representante dos camiões Magirus basculantes e viaturas Peugeot e outros tipos de equipamento.








Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > Ponte Caium > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Foto nº 2: "As máquinas da TECNIL destruídas por ataque do PAIGC... Esta empresa estava empenhada na construção da nova estrada Piche-Buruntuma"...

Fotos: © Carlos Alexandre (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



Em Angola era das maiores empresas, tipo Motas, que hoje são a MOTA-ENGIL. Mas perderam tudo, ao contrário dos Motas, cujos administradores estavam numa idade que lhe permitiu "ter jogo" para aguentar os trinta anos de guerra que se seguiu.

Já numa idade bastante avançada desistiram de lutar em Angola, São Tomé e Açores.

As estradas de Bafatá- Gabu, Bambadinca –Xime e Gabu-Piche-Ponte Caium foram obras da TECNIL durante a luta.

Ainda fui encontrar operadores de máquinas, motoristas e pedreiros guineenses e sãotomenses que trabalharam durante a luta nessas obras. Descreviam a destruição de um camião e morte do motorista mais 9 operários, já em finais de 1973 (?) que ao fim do dia de trabalho Gabu-Piche, os turras pediram boleia para Gabu mas o motorista não parou e daí a mortandade.

Contava a "assistência", pois vinha outro camião atrás, que os turras tinham intenção de entrar no Gabu naquele camião, onde não eram vistoriados à entrada de Gabu, e à noite fazerem um ataque ao Quartel de Gabu.

Ainda no fim da guerra construíram aquela ponte cais que fica junto da Marinha, ao fundo da av Amílcar Cabral, e já terminaram depois do 25 de Abril. 



Empresas como esta procuravam usar o máximo operários africanos, desde o servente até ao pedreiro e operador de máquinas. Só que em geral encarregados tinham que ir cá das nossas berças, nem que fossem analfabetos. Claro que melhor era se fossem já filhos ou netos de velhos colonos, que falasse« idiomas étnicos. Mas isso era difícil, porque essa malta vinha em geral, para a Universidade,  em Lisboa Porto e Coimbra.

Mas não era imposição salazarista, nem colonialista, nem economicista, ter um "capataz" tuga, nas empresas, e a estas só lhe interessa produção, e produção só se consegue com boa chefia ou "liderança",  como se diz hoje. Era em casos deste género que os movimentos acusavam o cólon que preteria o africano mesmo mais evoluído, por uma tuga, mesmo analfabeto.

Claro que tenho as minhas ideias sobre isto, mas apenas digo que é mais fácil encontrar um bom médico num Africano do que um bom "capataz", encarregado ou chefe ou o nome que se queira chamar. Dizer isto é fácil explicar já é mais difícil. Do sucesso desse encarregado com o pessoal africano, ou europeu, evidentemente, dependia qualquer obra. Mas se o relacionamento com os africanos falhasse, podia fazer as malas e dedicar-se a outra coisa. O mesmo acontecia com os comerciantes do interior, podiam desistir se fossem tomados de ponta pelos africanos porque falia com certeza.



Os africanos baptizam todos com uma alcunha em língua étnica. Em Caboverde ou Guiné poderá ser em crioulo também. Eu nunca soube a minha alcunha. Se for chefe, preto ou branco, tem alcunha, se esta for para deitar a baixo estás lixado. Até as empresas chegam a ter alcunha.

Não me lembro como o povo chamava à TECNIL. Em estradas a máquina mais preciosa chama-se motoniveladora, e fui encontrar o melhor operador desta máquina na Guiné e era guineense, chamava-se Herberto, a Soares da Costa "herdou-o"com o que mais tarde sobrou da TECNIL, e levou-o para Portugal e Angola.



E como conheci e trabalhei em estradas em Angola, Brasil, Madeira (aqui foi mais túneis mas também entra a niveladora) e estradas de acesso à Expo-98, nunca vi como esse Herberto.

Luís Graça, como disseste para escrever algo sobre a TECNIL, de antes e depois da independência, publica se entenderes esta parte colonial da TECNIL, porque a outra já da minha convivência seria uma segunda parte. E aí poderá dar mais que um poste.

Há, penso que no blogue,  uma foto do tal camião de Piche onde morreram uns tantos. Não sei tirar do Google Earth a localização das instalações da TECNIL que estão com uma boa definição.

Um abraço,
Antº Rosinha
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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9363: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (18): Os cães abandonados de Bissau, no tempo de Luís Cabral 

sexta-feira, 2 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9554: Reflexões sobre a Guerra Colonial / Guiné-Bissau (Manuel Joaquim)

1. Mensagem de Manuel Joaquim* (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 29 de Fevereiro de 2012:

Meus queridos editores,
Há uns tempos atrás aceitei um convite dum núcleo duma organização de juventude (JS) para participar num colóquio sobre a guerra colonial, na qualidade de ex-combatente. Ao mexer agora nuns papéis, encontrei o texto base que preparei para o colóquio e, ao relê-lo, lembrei-me de vo-lo mandar. Sinceramente acho que para o blogue não traz nada de especial. Aproveita-se alguma coisa dele para publicação no blogue? Fica à vossa disposição e ao vosso critério que muito respeito.
Um grande abraço
Manuel Joaquim


REFLEXÕES SOBRE A GUERRA COLONIAL / GUINÉ-BISSAU

Por Manuel Joaquim

Muito obrigado pelo convite que me fizeram, meus caros jovens, e pelo tema que escolheram para o efeito. A guerra colonial é um tema quase esquecido. Aproveitando este número redondo, 50, que são os anos decorridos desde o seu início, têm-se sucedido algumas realizações relembrando esta guerra que foi um caso importante da vida portuguesa do século XX. Espero que esta sessão seja frutuosa e vos seja agradável e estimulante.

Para refletirmos redigi este texto de modo a não correr o risco de ficar para aqui a divagar sem atingir o meu objetivo. É uma base para sustentar o possível e desejável debate que se seguirá, espero.

Escolhi estes cinco temas mas poderão surgir outros que tenham em mente:
- Verdade e guerra
- A guerra e a sociedade portuguesa na época
- O fim da guerra
- Guiné-Bissau
- Combatente(s)

Não venho aqui pregar verdades, dou a minha opinião que até pode merecer a devida contestação. Estamos num espaço de liberdade e a liberdade é para se gozar e não para se combater, não é? Vamos lá então ao assunto.


Verdade e guerra

Há uma verdade irrefutável, a “guerra do ultramar” ou “guerra colonial”existiu. Sobre ela abundam relatos, recordações e opiniões e mesmo já alguns trabalhos de cariz histórico. É interessante verificar ser frequente encontrar versões não coincidentes sobre os mesmos factos, a maior parte das vezes por insuficiente informação e/ou por falhas de memória de quem viveu os acontecimentos e que, de boa fé, tenta dar o seu testemunho. Claro que também há quem milite para ocultar a verdade de factos que possam beliscar opinião já tomada e quem tente reescrever a história para atingir objetivos de interesse ideológico.

Ainda é cedo para tirar conclusões definitivas sobre os acontecimentos, se é que alguma vez isso virá a acontecer. A História trabalhará a informação e procurará com esse trabalho a verdade dos factos, esperemos. Por enquanto, mesmo 37 anos passados sobre o fim dos conflitos, ainda são visíveis muitos interesses que dificultam uma visão mais correta sobre a realidade que foi uma guerra com diversas frentes e sujeita às manigâncias de centrais de propaganda de diversas origens. Estava-se no tempo da “guerra fria” da qual a nossa guerra colonial também foi peça, é preciso não esquecer.

Como ainda há muitos milhares de ex-combatentes vivos há tendência para uma frequente consulta à sua memória e às suas opiniões (a minha presença aqui é um exemplo). Acho que é uma atitude essencial mas não suficiente para dela se fazer “doutrina”. Se não houver esforço para alargar o conhecimento e cruzar a diversa informação, a visão sobre a guerra sairá limitada. A maior parte dos ex-combatentes conhecerão mais ou menos a “sua” guerra, quero dizer, o que lhe aconteceu num certo tempo e num determinado local. Para uma visão global temos de procurar informação de quem andou na guerra, sim senhor, mas abarcando os mais variados tempos e lugares e consultar documentos das mais diversas fontes. Eu que fui combatente na Guiné e que sempre me interessei pelo que lá se passava nos anos seguintes a ter regressado, verifico que a minha informação sobre a guerra é muito maior hoje do que era, por exemplo, há dois anos. A minha opinião está hoje mais consolidada mas também diferente sobre certos factos. Porquê? Simplesmente porque tive acesso a uma maior e muito mais variada informação.

Que fiabilidade merecem as informações quando se trata de uma guerra? Não sei, pois às vezes nem nas minhas próprias “verdades”confio! Umas serão verdadeiras e outras falsas ou fantasiosas, algumas outras trazem em si laivos de verdade e de mentira que é preciso identificar.

Onde está a verdade? Ela anda por aí, mas onde? Nos ex-combatentes ? Nos documentos deixados? Os documentos relatam a verdade?

É legítimo desconfiar de tudo pois não é raro detetarem-se omissões, voluntárias ou não, quando não mesmo mentiras. Os documentos oficiais merecem mais confiança do que os particulares? Deve partir-se deste princípio mas, quando se trata de guerra, todos os cuidados são poucos. A informação e a contra-informação são poderosas armas de guerra, às vezes mais poderosas do que as armas propriamente ditas. E ainda há muita “palha” a eliminar, erros a descobrir, máscaras a tirar.

Diz-se que a História precisa de tempo para se aproximar da verdade. E é certo que, neste caso, o tempo ainda não é suficiente para esse efeito. Há fontes ainda não disponíveis ou por encontrar , outras estão a emergir, algumas estão ou estarão mais ou menos “poluídas”. Opiniões, notícias e versões de factos precisam de contraditório para se usarem como contributo para a verdadeira história desta guerra. A procura da verdade exige-o. É função da História. E creio que esta procura continuará a encontrar alguns entraves nos próximos tempos. E muitas fantasias! Coisa típica das guerras.


A guerra e a sociedade portuguesa na época

Fui combatente na Guiné, de julho de 1965 até maio de 1967, 21 meses. Em meados de setembro de 1966, fiz uma pausa e vim de férias. Baseado em Pombal e com viagens frequentes a Lisboa, vi uma sociedade nitidamente alheia à existência duma guerra em África. Com certeza que a maior parte do povo sabia dela, que havia já muita gente a sofrer por sua causa, mas o comportamento da sociedade era tal como se ela não existisse. Adquiri uma certeza: o governo utilizava meios políticos (censura e repressão) para esconder a situação. Fiquei chocado e voltei para a Guiné ainda mais revoltado com o que se passava politicamente em Portugal.

Quando acabou a “minha” guerra e regressei, o país continuava a parecer-me alheado de tudo o que se passava em África com os seus soldados. Perguntava-me muitas vezes como era possível serem mínimos os sinais de guerra, praticamente invisíveis na sociedade, quase limitados a funerais escondidos entre as paredes dos cemitérios, quando tantos militares tinham já morrido e outros continuavam a morrer ou a ficar feridos.
Não demorei a perceber que o poder político continuava na sua opção de que a guerra passasse despercebida na “paisagem” social. E lá o foi conseguindo fazer. Na comunicação social eram raras as referências à guerra e estas só se publicavam com autorização da sua Comissão de Censura. As notícias sobre mortes de militares limitavam-se à identificação destes, eram dadas por um serviço de informação militar e colocadas nos jornais em minúsculo espaço interior, passando despercebidas a quem as não procurasse de propósito. Deficientes das forças armadas eram tema tabu. Eram milhares mas não se “viam” nem neles se falava. Qualquer informação sobre a guerra era “cozinhada” de maneira a secundarizar o problema.

Havia um dia, o dia 10 de junho, denominado Dia da Raça (que nome!), com paradas militares pelo país, em que o governo incluía nas cerimónias uma homenagem aos combatentes, condecorando alguns. Discursos laudatórios que tentavam dissimular o desgaste das Forças Armadas, já visível no início dos anos 70, para quem “tivesse olhos de ver”. Para o governo não havia guerra mas sim um conjunto de sublevações de caráter local. Aliás, na área diplomática (e isto já é verdade histórica), Portugal nunca assumiu que estava em guerra mas sim a tentar manter a paz social no seu território pátrio que ia do Minho a Timor, como se dizia na altura, enviando forças militares em apoio às forças de segurança pública locais para ajudar a população a defender-se de ataques armados antipatrióticos praticados por alguns dos seus elementos, apoiados por inimigos externos de Portugal.

A situação não demorou muito a chegar a um ponto de quase rutura. Com visibilidade crescente a partir dos finais da década de 1960, vão surgindo sinais de falta de apoio da população, cada vez mais numerosos e contrariando a ideia espalhada oficialmente de que o povo apoiava a guerra. O sofrimento dos familiares dos combatentes não era tido em conta e o número de deficientes físicos e psicológicos das forças armadas ia crescendo rapidamente de modo a se tornar difícil esconder a situação, por mais que se tentasse fazê-lo.
Nas escolas militares os alunos começaram a escassear. Muitos, muitos mesmo, dos jovens sujeitos a incorporação militar fugiam a ela. E não era só por medo físico que se fugia, também era por motivos económicos ou políticos. A emigração clandestina, principalmente para França, crescia em progressão geométrica. Nas universidades a “tampa saltou” e a guerra começou a ser um forte tema de discussão e de revolta para grande parte dos estudantes, apesar da forte repressão política exercida sobre eles (fui testemunha presencial). Um familiar meu, ex-combatente ferido em combate em Moçambique, vi-o chorar quando lhe nasceu um filho. Pensei eu que ele chorava de alegria, enganei-me, disse-me que estava a pensar na guerra e no futuro do filho (estávamos em 1968, vejam o pânico dele e a perspetiva que tinha quanto ao fim da guerra!). Vi um colega de profissão, apoiante ativo do regime político então vigente , preparar com antecedência a maneira de “despachar” para a Suécia o filho, antes dos seus 18 anos. Teve sorte porque veio o “25de abril”. Apanhámos (eu por tabela) uma piela de “caixão à cova” no dia em que se convenceu que a guerra ia mesmo terminar.

Não tardou que o poder político começasse a não dominar a situação. O tema “guerra colonial” veio à superfície e extremou posições, tanto à direita como à esquerda. À direita, apareceram ações de propaganda (algumas estrondosas) de apoio ao regime político mas já eram tiros de pólvora seca e não “incendiavam” nada. À esquerda, para lá da “clássica” oposição, formaram-se diversas capelinhas ideológicas de pendor extremista, com forte ligação às universidades, que contestavam abertamente a situação política e a guerra no ultramar.

Muitos dos combatentes que iam para a guerra acreditando ir defender a pátria regressavam com outra crença sobre o tema. O número de oficiais saídos das escolas militares diminuía drasticamente de ano para ano quando, na altura, o quadro permanente de oficiais já não era suficiente para as necessidades pelo que se recorria a oficiais milicianos para tentar superar a situação. A emigração clandestina subia em altíssimo ritmo . Chegou-se a 1974 com um recrutamento geral a rasar a insuficiência, com as sua bases de recrutamento quase esgotadas e a certeza da sua insuficiência para os anos seguintes. O cansaço dos militares do quadro tornou-se evidente. O governo estava a entrar num beco sem saída. E sucedeu o inevitável, a tomada do poder pelos militares. O “25 de abril” abriu portas para uma saída do impasse.


O fim da guerra

Com o “25 de abril” a “panela” explodiu. Com esta explosão veio ao de cima a pressão popular para se resolver a situação de imediato. Começaram as negociações de paz mas Portugal teve de negociar numa situação de fragilidade política e militar devido à insegurança (ou falta de vontade?) das tropas combatentes para aguentarem as suas posições e darem tempo aos negociadores. Mas esta insegurança nem era de estranhar pois começou a faltar-lhes apoio político e solidariedade social para aguentarem a situação durante muito tempo. Uma solução rápida e politicamente razoável não era fácil.

Os apoiantes do regime deposto “desapareceram” ( a maior parte virou democrata!). Cobriram a fuga de alguns chefes e muitos deles correram a inscrever-se nos partidos então emergentes. Ao mesmo tempo muitos dos seus filhos juntaram-se à extrema-esquerda e tornaram-se militantes, alguns até dirigentes, de pequenos grupos marxistas-leninistas, maoistas, trotskistas, estalinistas, anarquistas, etc. Não é difícil ver hoje por aí muitos deles no exercício de altos cargos políticos, nas magistraturas, na advocacia, nas universidades e na comunicação social, nas áreas da alta finança e da economia. Tudo bem, a vida é feita de mudança (como dizia Camões).

Tudo bem, não! Ver hoje alguns deles criticando o “25 de abril” e o modo como correu o processo de descolonização mas branqueando responsabilidades e “fugindo com o rabo à seringa”, não dizendo o que pensavam e o que faziam naquela altura, custa a engolir! Pois não é que, logo após o “25deAbril”, eles próprios já gritavam na comunicação social e na rua “nem mais um soldado para as colónias” e “independência às colónias já”? Estou a ouvi-los, a vê-los e aos seus cartazes, pelas ruas de Lisboa e o mesmo aconteceu por muitos outros lados. É fácil reconhecer alguns nos jornais e noutros documentos daquela época. A consulta não é difícil.

O grito de “nem mais um soldado para as colónias” era ouvido por todo o país. E, como é natural, apoiado principalmente por aqueles que viam no horizonte a sua mobilização para a guerra. Quantos seriam os pais, os familiares, os amigos e amigas, as namoradas dos “tropas” mobilizáveis que não apoiavam estas palavras? Poucos (ou nenhuns?).

Não se falava ainda, oficialmente, em qualquer espécie de negociação. Mas como fazer negociações sem manter a força efetiva no terreno? E para manter essa força era preciso render tropas. O problema é que, socialmente, não havia “disponibilidade” para isso. Na altura pensei muitas vezes na situação de desconforto e de revolta que sentiriam os militares mobilizados no ultramar se não fossem rendidos a tempo. Como antigo combatente sentia-me amargurado e temia a ideia de que “o céu lhes poderia cair em cima”!

Ainda bem que não demorou muito até se começar a negociar o fim dos combates. Assim se evitaram muitos problemas . Criaram-se outros, é verdade, mas acredito que nesta situação a maior parte dos combatentes (ou todos?) queria era saltar de lá para fora o mais rápido possível, independentemente de pensarem ser a guerra justa ou injusta.


Guiné

Vou agora falar da guerra na Guiné, a respeito da qual continua o debate, principalmente no meio dos ex-combatentes, sobre “guerra ganha ou guerra perdida”. A minha opinião é a que ninguém ganhou a guerra porque nela não houve vencedores nem vencidos. Acabou porque tinha de acabar naquela altura, a situação criada em Portugal (25 abril 1974) assim o proporcionou, ou melhor, assim o obrigou. Muito provavelmente Portugal não aguentaria a guerra por muito mais tempo, o recrutamento estava cada vez mais difícil, a qualidade do armamento deixava muito a desejar e a capacidade económica era frágil. Acresciam os chamados ventos da história que não permitiriam o prolongamento da guerra. Portugal tinha o caminho aberto para uma derrota humilhante. Do lado do inimigo a luta não estava tão fácil como ele o queria fazer crer. É verdade que, sob a bandeira da auto-proclamada república da Guiné-Bissau, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) estava a convencer cada vez mais países a reconhecer este novo estado e lá ia desgastando o nosso lado com as costumadas ações de guerrilha. Mas a sua força militar ainda não era suficiente para poder ganhar a guerra a curto prazo. O “25 de abril” facilitou a solução do conflito, para ambos os lados. Acreditando que foi a melhor solução possível custa-me muito ver que, de um lado e de outro, algo de muito melhor se poderia ter feito, nomeadamente na proteção dos combatentes guinéus que conosco combateram. Já sei que me dirão que “as circunstâncias do tempo e do lugar, etc. etc.” Também é verdade que hoje é fácil falar, ter outra opinião que não a da época.

Acredito que a história referirá o fim da guerra como resultado de negociações entre os contendores, há muitos documentos para fundamentar esta conclusão, mas a versão que vigora atualmente na Guiné- Bissau (e não só) é a da derrota das “tropas colonialistas portuguesas” perante “os heróicos guerrilheiros” do PAIGC. Mas a verdade é que as duas partes interromperam os combates para negociarem. E não os recomeçaram. Na altura, o PAIGC não tinha capacidade militar para vencer, apesar de propagandear que dominava a maior parte do território guineense. Portugal também não a tinha, estava numa de aguentar. Por isso se negociou a paz. E, pouco mais de quatro meses após o “25 de abril”, Portugal reconheceu a independência da Guiné-Bissau. Admito que se possa aceitar que Portugal foi derrotado politicamente, afinal o PAIGC obteve o que queria, a independência da Guiné-Bissau, mas obtida através de negociações e não pela vitória militar.

Percebe-se que uma conclusão desta ordem, de derrota militar, é social e politicamente conveniente para o poder político daquele país, embora não seja verdadeira. É um país em formação, enfrentando muitas dificuldades, e que precisa de alento patriótico. Compreende-se, politicamente, que na história da Guiné-Bissau figure a sua independência como resultado de uma vitória militar sobre o país seu colonizador. É quase certo que assim continuará a acontecer. É comum, na história de cada país, a apresentação de factos fantasiosos para enobrecer os seus heróis e criar e alimentar o patriotismo do seu povo. Nada de admirar encontrarem-se certos exageros e fantasias. Casos destes abundam nas sociedades organizadas, baseados em “factos” sem hipótese de verdade histórica. Heróis e factos lendários não faltam (podemos começar pela história portuguesa que é pródiga neste campo).


Combatente(s)

Quanto a nós, militares portugueses combatentes da guerra colonial, fomos postos à prova e aceitámos ter sido postos à prova, contrariados ou não. Em termos globais não há que ter vergonha da guerra que fizemos.
Eu era adversário político do chamado Estado Novo, não tinha filiação política mas quase posso dizer que odiava o regime político de então. Muitos dos jovens da minha idade, e da minha região (Pombal), emigraram clandestinamente e não cumpriram o serviço militar. E assim continuou a ser enquanto durou a guerra. Eu não o fiz, se calhar por medo, pois estava ciente dos perigos e sacrifícios que comportava a emigração clandestina. Ainda tive o projeto na calha mas aconteceu-me um imprevisto, envolvi-me de amores e não queria perder de vista o “objeto” amoroso. Amores que me levaram a pedir o adiamento de incorporação, o que consegui durante dois anos, alegando outro motivo que também era real, os estudos. Pensava eu, ao mesmo tempo, que a guerra poderia entretanto acabar. Coitado de mim, esperanças frustradas!

Lá fui para a tropa e o tempo foi passando até que, ano e meio depois, embarquei para a Guiné. Ao aceitar a mobilização, a participação nesta guerra exigia que me esforçasse por perceber quais as razões da existência de um inimigo , isto para meu próprio equilíbrio emocional, já que era adversário da guerra. E melhor do que ir com ideias feitas era ir preparado para o perceber no local, na própria Guiné. Não me foi difícil entender algumas dessas razões. Estas eram basicamente de teor político assentes no atraso económico, na pobreza do povo e na sua situação de povo colonizado. Sendo assim, aceitando-as ou não, fossem justas ou não, era fácil pôr-me na pele do inimigo e pensar que, provavelmente, estaria a fazer o mesmo que ele se estivesse no seu lugar.

Esta racionalização teve um resultado benéfico para mim, que foi fazer a guerra sem ódio. Combati o PAIGC, sim, contrariado mas sem hesitações nem complexos. O respeito por mim e pelos meus camaradas assim mo pedia. Combatíamos (eu e muitos outros) para sobreviver, para eliminar ou para neutralizar mas sem ódio. O inimigo estava ali, bem presente, com objetivos diferentes dos nossos mas éramos, nós e ele, no limite, combatentes por ideias para não dizer ideais, aceitássemos ou não tais ideais. O desafio que nos apontavam, de um lado e de outro, era vencer uma guerra, vencer um combate político com armas de guerra. Eis a razão porque nunca desprezei o inimigo, nem sequer o menosprezei, até por razões de segurança. De um lado e de outro havia gente a pensar que nada tinha a ver com aquilo mas nós não somos somente “nós”, somos nós e as circunstâncias. E as circunstâncias puseram-nos naquela situação de combatentes numa luta que para muitos não deveria existir.

Talvez seja por isto que, após certos conflitos, aparece o “charme do ex-inimigo”, tão criticado por uns quanto cultivado por outros. E a verdade é que, no caso dos ex-combatentes da guerra colonial, ele também aparece de vez em quando. É compreensível. As pessoas passaram pelas mesmas experiências em combate, por momentos semelhantes de coragem, de sofrimento, de medo, de angústia, de alegria, de euforia e/ou de depressão. A força e o caldeamento destes sentimentos podem diluir as causas e os rancores da luta de muitos antigos combatentes, de ambos os lados da guerra.

Assim não é de admirar que muitos dos inimigos de antes se possam, hoje, identificar mutuamente e relacionar-se agradavelmente, mesmo como amigos. Até porque, neste caso, a “guerra do ultramar” já acabou há muito tempo.

Acreditem que para muitos a passagem pela guerra fez a sua vida tomar outro sentido vivencial.

Conhecemo-nos melhor quando somos postos à prova. Há e houve tanta gente que durante a sua vida nunca foi posta à prova! ... Mas nós, ex- combatentes, fomos postos à prova muitas vezes e em muita coisa: na coragem, na lealdade, na doação, na solidariedade, na camaradagem, na dignidade, no sacrifício.

Muitos de nós achámos outras certezas na vida, aprendemos a relativizar os factos e as situações, aprendemos a “ver com outros olhos” e a “ouvir” de maneira diferente (é provável que um surdo, na primeira vez que vê dançar, olhe os dançarinos como loucos, disse Nietzsche). Esta “escola da guerra” ajudou-nos a perceber muitos “passos de dança”, tornou-nos pessoal e socialmente diferentes. Podem crer.

E podem crer que aquela guerra está sempre presente na nossa vida de ex-combatentes. Permitam-me uma imagem de culinária: pode até não se notar nada mas a guerra “cozeu-nos” a todos, os que nela combatemos. Fomos para ela crus, viemos dela cozinhados de todas as maneiras. E uma parte de nós mal cozinhados. Desgraçadamente, alguns não ficaram “comestíveis” e outros dificilmente “digeríveis”. Talvez alguns tenham vindo mais “apetitosos”, é possível. E deixo-vos a pensar no número de ex-combatentes da guerra colonial que “andam por aí”. Não sei quantos são mas pensem num número superior a um milhão.

Não quero terminar sem lembrar os mortos e feridos: os mortos desta guerra não devem, não podem ser esquecidos (foram à volta de onze mil!). Os deficientes desta guerra têm de ser apoiados e não postos num gueto, gueto aliás onde foram postos pelo poder político que os mobilizou e donde muitos deles não conseguiram sair (são muitos milhares!).

Agora, mesmo para finalizar: sou membro de um blogue, onde já escrevi diversas vezes, cujo nome por si já diz muita coisa. Chama-se “Luis Graça & Camaradas da Guiné”. Vão até lá se tiverem curiosidade de saber o que foi a guerra colonial, neste caso a havida na Guiné. Pode ser que até descubram alguns indícios do tipo de comportamento que verificaram ou verificam nos vossos familiares ex-combatentes quando vem à baila o tema da guerra. O porquê do seu silêncio sobre a guerra ou então os modos como por vezes falam nela ou como se comportam. O “stress de guerra” não é conversa fiada, é um grave problema de saúde de muitos ex-combatentes. Este blogue é muito especial, é um grande ponto de encontro de ex-combatentes da Guiné que tanto pode servir de confessionário como de centro de convívio. Identifico o espaço como um teatro: há palco para a ação mas também plateia, camarote e frisa, com a particularidade de os atores poderem escolher estarem, a cada momento, em qualquer um desses lugares. Continuam postos à prova, de modo muito diferente do que o da guerra, é verdade, agora voluntariamente. Continuam postos à prova na camaradagem, na solidariedade, no respeito, na tolerância, em suma na qualidade de seres humanos que as circunstâncias da geografia e da história juntaram, ligados pelas emoções e pela memória de uma guerra. Desculpem a presunção mas acho que, ao frequentarem este blogue, ficarão socialmente mais ricos e a compreender melhor uma fase da vida deste velho Portugal.

Muito obrigado, mais uma vez, e agora estou à vossa disposição para a conversa se acharem que vale a pena.

Manuel Joaquim
Dezembro/2011
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9396: Memórias de Manuel Joaquim (5): Raios e Carícias

Guiné 63/74 - P9553: Notas de leitura (338): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Fevereiro de 2012:

Queridos amigos,
A tese de doutoramento do Leopoldo Amado tem capítulos incontornáveis, doravante são leitura de referência para entender este período da ascensão da luta. Neste texto procura-se sumariar a génese do nacionalismo guineense, o aparecimento de partidos, o aparecimento de Cabral e as sementes que levam ao PAIGC. Na transição para os anos 60, ganha expressão o que se passa em África no que respeita ao surto independentista. E depois temos um relato altamente documentado sobre a passagem para a guerra. É impossível resistir a esta leitura. Vivamente a recomendo.

Um abraço do
Mário


Guerra Colonial versus Guerra de Libertação Nacional:
O caso da Guiné-Bissau (2)

Beja Santos

O segundo capítulo da tese de doutoramento do Leopoldo Amado é porventura o mais acabado repositório de que passamos a dispor sobre a génese do nacionalismo guineense após a II Guerra Mundial, possui uma recolha espantosa de dados e fios soltos sobre o eclodir da guerrilha que, só por si, torna o seu livro “Guerra Colonial versus Guerra de Libertação Nacional, o caso da Guiné-Bissau” (IPAD, 2011) um documento de consulta obrigatória para o estudo do conflito. Reúne uma massa informativa impressionante.

É muitas vezes esquecido que logo no termo da II Guerra Mundial se registaram amplos protestos populares contra o aparelho administrativo colonial, caso das mortandades e chacinas provocadas por autoridades locais. Leopoldo Amado destaca a grande revolta ocorrida em Dezembro de 1950 contra as práticas do administrador António Pereira que foi julgado mais tarde, no tempo do governador Vaz Monteiro. É neste período que se fundou o Partido Socialista Guineense, de vida efémera. No Outono de 1952, Amílcar Cabral e a mulher chegam à Guiné. A polícia escreverá em 1955: “O engenheiro Amílcar Cabral e a sua mulher comportaram-se de maneira a levantar suspeitas de atividades contra a nossa presença nos territórios de África com exaltação de prioridade de direitos dos nativos e, como método de difundir as suas ideias por meios legalizados. O engenheiro pretendeu e chegou a requerer, juntamente com outros nativos, a fundação de uma agremiação desportiva e recreativa de Bissau, não tendo o governo autorizado”. O autor dá-nos um quadro sumário e rigoroso do que era a oposição ao salazarismo e como se estava a processar a evolução da consciência nacionalista. No fim da década, os nacionalistas podiam dizer que tinham esperanças acrescidas, após a independência do Gana, da Guiné-Conacri e do Senegal. As atitudes unionistas passaram a ganhar forma e a serem populares. Logo no termo da guerra houve propostas para a união de todos os africanos. A própria burguesia urbana protesta contra o poder colonial centralizador, mas a sua contestação é confusa e muito pouco convergente. A primeira organização política a surgir foi o MING – Movimento Nacional para a Independência da Guiné, que também não teve projeção. Seguiu-se o PAI – Partido Africano para a Independência, que só em 1962 se transformaria em PAIGC. O MLG – Movimento de Libertação da Guiné é fundado em 1958, nele participaram, entre outros, Rafael Barbosa que depois se transferirá para o PAI. O espaço político era uma verdadeira amálgama, as diferentes entrevistas e depoimentos recolhidos por Leopoldo Amado são elucidativos da ingenuidade, da falta de experiência e da muita desorientação política destes ativistas.

O massacre do Pindjiquiti veio acelerar a atuação nacionalista, quando Cabral passa por Bissau em Setembro de 1959 acordou com os seus principais colaboradores que iria partir para Conacri e dedicar-se exclusivamente ao movimento de libertação, fazia a leitura do massacre como prova eloquente de que o Governo português não aceitaria negociações para a independência. Leopoldo Amado descreve a colocação das peças políticas nos territórios limítrofes e o desencadear da mobilização dentro da Guiné. Um exemplo: “Na madrugada de 28 de Maio de 1960, foram lançados panfletos, colados nas paredes e metidos debaixo das portas, em envelopes. Na madrugada de 26 de julho de 1960, em Bissau, foram distribuídos pelos CTT de Teixeira Pinto, em carta, dois tipos de panfletos, um cicloesticado e outro impresso. Nos dias 1 e 7 de Outubro de 1960, na caixa dos CTT de Bissau, foram introduzidos panfletos subordinados ao título: “Comunicado do Movimento de Libertação da Guiné, endereçado às diversas entidades e autoridades. No dia 24 desse mesmo mês, foram colados nas montras dos estabelecimentos e postos de iluminação de Bissau, panfletos do Movimento de Libertação da Guiné”. Mais panfletos e documentos saídos do punho de Cabral vão repetir-se. Já em Conacri, Cabral criou o Lar dos Combatentes, uma verdadeira escola de guerrilha, organizam-se vários campos de treino, isto em simultâneo com a sede clandestina a funcionar em Bissau sobre a chefia de Rafael Barbosa, que virá a ser desmantelada em Fevereiro de 1962, pela PIDE. A mobilização dos camponeses é um dado assente em 1962. Um outro exemplo: “No mês de Maio, elementos do PAIGC percorrem diversas tabancas armados de pistolas. No dia 25 de Junho, foi atacada a vila de Catió marcando-se assim a passagem à ação armada. Num ataque, registou-se a destruição da jangada de Bedanda e cortes de fios telefónicos. Na noite de 27 de Junho, numa operação na tabanca de Utasse, área de Bigene, foi morto a tiro por elementos do MLG, sob o comando de François Mendy, um agente de PIDE de nome Augusto Macias”. Cabral é cada vez mais instado pelos outros movimentos de libertação a desencadear a luta armada, vai protelando por falta de condições, há poucos quadros e o armamento é ainda irrisório, por essa razão o PAIGC aposta na subversão e o Sul é a região escolhida: estradas interrompidas, pontes incendiadas, as autoridades reprimem, em vão. Apercebendo-se que as armas são fundamentais, Cabral lançou um apelo à ajuda internacional. E vai recebê-la.

As divergências entre as formações políticas guineenses eram um motivo de preocupação internacional. O presidente Modibo Keita, do Mali, promoveu em Bamako, em 16 de abril desse ano, uma reunião visando estabelecer um acordo entre os líderes dos vários partidos: Labery, Vicente Có, François Mendy, Amílcar Cabral e Ibraima Djalo. Assinaram-se papéis mas não se conseguiu constituir uma frente de luta, tal o número de divergências. A FLING acaba por ser a fórmula encontrada para a conjugação dos vários grupos nacionalistas que não aceitavam as teses da unidade Guiné-Cabo Verde. Um dos grupos, o MLG, liderado por François Mendy, desencadeia os ataques em S. Domingos, Suzana e Varela. A recetividade da população foi praticamente nula, já que não tinha havido consciencialização política. Os ataques prosseguem, mas a população não adere. Leopoldo Amado descreve os grupos sediados em Dakar. Em 3 de Agosto de 1962, visando unicamente a independência da Guiné, fundou-se a FLING, fusão do MLG, do UPG – União Popular da Guiné, UPLG – União Popular de Libertação da Guiné e, mais tarde, da UNGP.

É neste contexto que o PAIGC deflagra a luta armada, a partir do Sul. Em Março de 1963 a subversão é inequívoca no Sul: Tite e Buba, corte das estradas de acesso a Empada; incêndio de um barco a motor da carreira Bolama – Ponta Bambaiã; ataque à tabanca fula de Priame; flagelações a Cufar e Fulacunda; captura no porto de Cafine dos barcos a motor Mirandela, de Casa Gouveia, e Arouca, da Casa Brandão, foram levados para a república da Guiné Conacri. De uma forma detalhada, Leopoldo Amado elenca os ataques nos meses seguintes, no Sul, no Leste e no Norte. O PAIGC instala-se no Morés, fica aqui a sua base no interior de onde nunca sairá. A evolução da guerrilha vai entrar em espiral. Na segunda metade de outubro de 1964, o PAIGC iniciou o emprego generalizado de minas anticarro e fornilhos. E começaram a atuar nas áreas de Porto Gole, Enxalé, Xime e Bambadinca. Silva Cunha visita a Guiné e escreve um relatório: “Fiquei com o conhecimento exato da situação gravíssima que a província atravessa. Os seus aspetos mais alarmantes eram a rivalidade patente, inequívoca, entre o governador e comandante militar, a incapacidade deste para fazer frente às dificuldades e a sua falta de fé na possibilidade de o fazer. A intenção da manobra do PAIGC era nítida: dividir a província, de Norte a Sul, com base nas zonas do Morés e do Oio, em duas partes, para isolar Bissau e tornar cada vez mais difícil a defesa da zona Leste, onde era mais densa a concentração dos fulas, que se mantinham indefetivelmente fiéis; a partir deste momento, é o PAIGC quem irá encarnar e definir as orientações da luta armada".

(Continua)

O Real Instituto Tropical, dos Países Baixos, editou em 1980 uma brochura de divulgação sobre a Guiné-Bissau. Por mera curiosidade, fica aqui a capa do documento. Folheando a brochura, encontrei ainda autocarros que circulavam dentro de Bissau. A empresa faliu, a seguir vieram as candongas. Recordação de um sábado de manhã na Feira da Ladra.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9540: Notas de leitura (337): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 1 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9552: Notas de leitura (338): A resposta que me veio pelo correio, quatro anos e meio depois: o livro do Idálio Reis, A CCAÇ 2317, na guerra da Guiné. Gandembel/Ponte Balana (Luís Graça)



Acima: Capa e ficha técnica do livro do Idálio Reis, que acaba de sair do prelo... e de que o editor deste blogue teve o privilégio de receber, em primeira mão, no último dia do mês de fevereiro de 2012, um exemplar autografado... O livro, brochado, tem 256 páginas. Abaixo: Dedicatória autografada.



Uma das notáveis fotografias (num total de 22), que ilustram profusamente o livro, e que foram tiradas pelo próprio Idálio Reis, documentando magistralmente o duro quotidiano da CCAÇ 2317 em Gandembel e em Ponte Balana, entre 8 de abril de 1968 e 28 de janeiro de 1969 (menos de 9 noves, o tempo para construir de raíz um aquartelamento, defendê-lo  até à morte e receber ordem para depois o abandonar...). Legenda: "Cada abrigo tinha uma única entrada e um pequeno espaço para o sentinela" (p. 82)





Reprodução da carta com que o autor fez acompanhar o exemplar do seu livro. Recorde-se que o nosso camarada Idálio Reis foi alf mil (e comandante) da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana, 1968/69, tendo publicado no nosso blogue uma notável série, a Fotobiografia da CCAÇ 2317 (19689/69), em 11 postes (*).

Na altura da publicação do último poste, em 10 de outubro de 2007, deixei escrito o seguinte:

Querido amigo e camarada Idálio:

Não há, na guerra, um fim feliz, como no cinema. Mas gostei de saber que os últimos meses dos homens-toupeiras de Gandembel/Balana permitiram-vos retemperar as forças para o regresso à Pátria, à Mátria ou à Madrasta da Pátria...

Continua a dar-nos notícias da tua/nossa gente, cuja epopeia tão bem soubeste evocar e descrever nesta fotobiografia... O teu testemunho honra-nos a todos e orgulha os editores e autores do blogue bem como todos membros da nossa Tabanca Grande.

A fotobiografia da CCAÇ 2317, escrita pelo teu punho, foi um dos momentos altos do nosso blogue. Faço daqui um veemente apelo a um editor português que arrisque publicar, em livro, esta extraordinária aventura de 9 meses no corredor da morte. Porque não o Círculo de Leitores ? (...)
A resposta, quatro anos e meio depois, e quando menos esperava, veio através do correio... Fiquei muito feliz por receber a encomenda do Idálio, com o seu livro lá dentro.  Agradeço-lhe, de todo o coração, a dedicatória e a carta que me escreveu, a mim e aos demais camaradas da Tabanca Grande. Tenho o dever de a partilhar com todos. Quanto à leitura atenta e apaixonada do livro, um "novo filho" do blogue,  essa, ficará para o próximo fim de semana. E o xicoração que o Idálio merece, esse, ficará para Monte Real, dia 21 de Abril de 2012. LG


Meu caro Luís:

Decerto,  este livro dificilmente se concretizaria se não fora a existência do blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné".

Aos que, a maior parte de nós, tiveram a desdita de se embalar [?] num perverso palco de guerra, reconhecem na lonjura dos tempos que valeu a pena o lampejo da perseverança e do querer, num propósito de congregar ex-camaradas de entrar adentro de uma porta comum, sempre aberta, para exorcizarem os seus fantasmas, dando azo à reconstituição e partilha de muitas das suas mais impressivas memórias.

Se ao blogue se aditar a premência de companheiros da minha companhia, de todo me não poderia ficar indiferente, a não tentar escrever, em formarto genérico, a história de uma crucial parte da comissão de soberania, porquanto a guardada pela instituição militar é clamorosamente contristadora.

Mas tentei escrever um livro onde explanasse os condicionalismos em que assentou esse "suplício de Sísifo",  vivido pelos de Gandembel/Ponte Balana, sob uma observação muito cuidada de António Spínola e Nino Vieira, seria sempre uma tarefa difícil de expor claramente, e que somente uma motivação muito forte poderia sobrepujar.

O tempo que demorei a escrever o livro, foi algo moroso, reconheço. Mas , à medida que ia alinhavando a narrativa, revelaran-se nosvos factos, que o blogue ou os meios de comunicação de massa devem [?] à estampa, e novas perspectivas se afloravam.

E fui absorvendo tudo isso, e contudo tem um limite, houve que lhe dar um fim,  o que me causou bastante satisfação. 


É um livro meu. E assim , terei o grato prazer  de o partilhar com todos os que manifestarem interesse na sua narrativa, desde logo na próxima festa de Monte Real. Com  grande estima e consideração, Idálio Reis. (**)


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Notas do editor:


(*) Vd. todo o dossiê do Idálio Reis (11 postes, profusamente ilustrados) sobre Gandembel/Balana, e que já na altura dizíamos que "merecia ser publicado em livro": 10 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)


Último poste da série > 27 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9540: Notas de leitura (337): Guerra Colonial & Guerra de Libertação Nacional 1950-1974: O Caso da Guiné-Bissau, de Leopoldo Amado (1) (Mário Beja Santos) 

Guiné 63/74 - P9551: Álbum fotográfico do Luís Guerreiro (Montreal, Canadá): O valoroso Pel Caç Nat 65, em Piche, Buruntuma, Bajocunda e Tabassai, em 1970


1.   O nosso camarada Luís Guerreiro (ex-Fur Mil da CART 2410 , Gadamael e Ganturé, e Pel Caç Nat 65, Piche, Buruntuma e Bajocunda, 1968/70), enviou-nos a seguinte mensagem.

Pel Caç Na 65
Camarada Luís,

Ultimamente tem-se falado sobre Buruntuma e Tabassi/Tabassai. 

O Pel Caç Nat 65 encontrou-se nesses dois locais em 1970. 


Estacionados em Piche na sede do BArt 2857, fomos para Buruntuma em 27 de Fevereiro de 1970, para tomar parte na operação do ataque a Kandica. Constou que o 65 seria armado com armamento igual ao do PAIGC e iria fazer o assalto a essa base, mas finalmente fizemos a protecção ao Pel Art 12 e às peças 11.4,  em Camajabá. 

Depois do ataque fomos para Buruntuma, para reforçar a guarnição, chegamos ao anoitecer, e tudo já se encontrava muito calmo. 

Permanecemos até ao dia 23 de Abril de 1970.  Buruntuma era uma povoação algo distante, mas as condições e as instalações eram razoáveis. 

Durante o tempo que ali permanecemos não houve nenhum problema, a actividade operacional foi somente de patrulhamentos e emboscadas nocturnas.  A camaradagem era excelente por parte de sargentos e oficiais da companhia, e dos dois funcionários da DGS [, Direcção Geral de Segurança], e também um comerciante continental,  de nome Mota, que nos convidou diversas vezes para almoçar em sua casa.

Buruntuma, 1970 > Rua principal

Buruntuma, 1970 > Aspecto geral da tabanca

Buruntuma > Tabanca queimada no ataque do PAIGC de 24 de Fevereiro de 1970, que deu origem ao ataque à base de Kandica



Nota, de mil e cinco mil francos, da Guiné-Conacri, que foram apanhadas depois do ataque a Kandica, talvez por indivíduo da população e que me foram oferecidas por um soldado nativo do meu pelotão.

Em seguida fomos destacados para Bajocunda, dizia-se que íamos para descansar pois a zona na altura estava calma e circulava-se relativamente à vontade, e assim aconteceu nos dois primeiros meses. 

A actividade operacional, resumia-se a colunas a Nova Lamego e a Copá, e fazer protecção à noite na tabanca de Tabassai.

Bajocunda, 1970


Bajocunda, 1970 

  Bajocunda, 1970 > Comandos africanos da companhia do capitão João Bacar Jaló

Bajocunda, 1970 > Obus de 10.5 cm fazendo fogo

Bajocunda, 1970 > Visita do general Spínola



A partir do mês de Julho a situação começou a deteriorar-se, como já foi referido por mim no poste P4919 de 8/9/2009, a emboscada à coluna de civis e comandos africanos na estrada de Pirada para Bajocunda, no dia 4 de Julho de 1970. 

E a partir daí a actividade do PAIGC começou a ser mais constante, especialmente mais para os lados de Pirada, aonde durante a noite algumas tabancas foram atacadas e incendiadas. 

E foi neste contexto, que fomos uma semana fazer a segurança a Tabassai. Ficamos instalados com uma tenda de campanha, a povoação constava de uma fiada de arame farpado e como defesa tinha várias escavações de cerca de 3x2 metros áà volta do perímetro.

Tabassai, 1970 > Estrada para Bajocunda

Tabassai, 1970 > Bolanha

Tabassai, 1970 > Uma bajuda

Quanto à população, eu não tinha muita confiança_ um dia tendo eu ido a Bajocunda tomar um bom duche, andou um nativo a olhar para as nossas posições e a perguntar qual era o pessoal que lá ficava instalado.  Quando cheguei e fiquei ao corrente do sucedido fui à sua procura mas o indivíduo já tinha desaparecido, o que me levou a crer que era um informador espia. 


A decisão foi que nessa noite podíamos dormir descansados.  No dia seguinte,  23 de Julho,  mudamos algumas das posições e também o pessoal, e por volta das 21 horas, como se tinha previsto,  fomos atacados. 


Este foi o primeiro ataque efectuado pelo PAIGC à tabanca de Tabassai, o inimigo com um grande efectivo e grande potencial de fogo, fizeram o ataque do lado errado pois pensavam que era o certo, tudo durou cerca de 30 minutos sem problemas da nossa parte, retiraram com baixas e feridos e deixando algum material. Segundo em informações,  tiveram 9 mortos. Da parte da população houve uma mulher e uma criança que faleceram devido a uma granada de RPG. 



Pessoal do Pel Caç Nat 65

No dia seguinte foi o meu dia de sorte e também do condutor, tendo ido a Bajocunda para trazer mais munições, passamos duas vezes a um palmo de uma mina A/C, que de certeza tinha sido instalada antes do ataque, e foi localizada a uns 500 metros da tabanca por um soldado do 65. Tdo isto aconteceu, duas semanas antes de terminar a minha comissão, pois o meu substituto já se encontrava em Bissau. 

No dia 8 de Agosto  de 1970, dia do meu aniversário, recebi como prenda uma viagem de avioneta até Bissau, para esperar transporte para Lisboa, mas como não havia barco nos tempos próximos, no dia 25 de Agosto apanhei o avião e regressei a casa. 

Ainda hoje tenho estes soldados nativos no coração. Apesar de serem grandes combatentes, foram grandes amigos, pois quando me despedi  vi alguns com a lágrima no canto do olho, e outros a pedirem para ficar mais um tempo.

Por hoje é tudo um forte abraço para toda a equipa. 

Luís Guerreiro   
Fur Mil da CART 2410 e Pel Caç Nat 65



Fotos e legendas: © Luís Guerreiro (2012). Todos os direitos reservados. 


Guiné 63/74 - P9550: As novas milícias de Spínola & Fabião (4): Em 225 localidades ocupadas pelas NT no CTIG, 71 eram exclusivamente guarnecidas por unidades de milícias, no 1º trimestre de 1974 (gen Bettencourt Rodrigues)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Militares guineenses da CCAÇ 12, presumivelmente da 2ª secção do 3º Gr Comb,  numa tabanca fula em autodefesa... O elemento da ponta esquerda é um milícia, empunhando uma espingarda automática FN... Não consigo identificar a tabanca: poderá ser Candamã, no regulado do Corubal...

A 2º secção do 3º Gr Comb era constituída por, além dos metropolitanos Fur Mil 07098068 Arlindo Teixeira Roda e  1º Cabo 17625368 António Braga Rodrigues Mateus, os seguintes soldados do recrutamento local, de etnia fula ou futa-fula:  Soldado Arvorado 82108369 Mamadú Jau (Ap Dilagrama) (F); Soldado 82109369 Malan Jau (Ap Mort 60) (F); Sold 82100769 Amadú Candé (Mun Mort 60) (F); Sold 82108869 Quembura Candé (F); Sold 82109769 Sherifo Baldé (F); Sold 82115369 Ussumane Jaló (FF); Sold 82110169 Madina Jamanca (F)... Recorde-se que os apontadores de dilagrama, morteiro e LGFog tinham direito à famosa pistola Walther, de 9 mm...

Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010). Todos os direitos reservados. Legendas de L.G.


1. Diversos comentários ao postes P9532 ou P9526

 (i) Comentário de L.G.:

Seria interessante que os camaradas nos dessem uma estimativa da proporção de guineenses (milícias incluídos) que faziam partem do dispositivo militar do respetivo setor... 


No setor L1 (Zona leste, Bambadinca), no 1º trimestre de 1972, a proporção poderia ser de 1 (guineense) para 1 (metropolitano)... Mas noutros setores (do leste mas também do oeste, do norte e do sul), as coisas poderiam ser diferentes... Vejam o dispositivo militar do vosso setor e contem as G3 ou as cabeças...

(ii) José da Câmara:

Para vosso conhecimento, os Pel Mil 294 e 295 estiveram adidos à CCaç 3327, quando esta esteve em Bissassema, zona de Tite.

Cada um destes pelotões era constituído por 39 elementos.

Com a excepção de 3 elementos do Pel Mil 295, recenseados em 1971, os outros tinham-no sido em 1970.

 Não posso acrescentar muito sobre a articulação das nossas Milícias. Como sabes, eu estive ligado ao Pel Nat 56.

Todavia, posso dizer que a G3 era a única arma que estava distribuída aos Pel Mil 294 e 295.

Também não é fácil fazer uma estimativa correcta da proporção do dispositivo militar que englobava a CCaç 3327 no seu sector. Primeiro, porque a CCaç mantinha um pelotão de reforço à guarnição de Tite. Em depois porque a companhia tinha muitos militares envolvidos na construção do reordenamento.

Mesmo assim, sem aqueles constrangimentos, a proporção era de 2 por 1 em favor da CCaç 3327.

Facto interessante naqueles pelotões era a nomeação dos graduados ser da responsabilidade directa do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné.

(iii) António José Pereira da Costa:

(...) Sobre este assunto creio fundamental fazer uma separação entre militares (metropolitanos e guineenses) e milícias.

Estes tinham um estatuto diferente e eram civis armados. Recordo, por exemplo, que, se concorressem aos "comandos" eram incorporados como praças e não lhes era concedida qualquer vantagem por terem sido milícias. Ganhavam menos do que os soldados, só tinham alimentação durante a "formação" (como se diz em eduquês moderno) e, mesmo neste caso, a verba era claramente inferior à dos soldados (creio que era pouco mais de 50%). 

Além disso, procurava-se, e conseguia-se normalmente, que tivessem as famílias junto ou próximo do quartel a que pertenciam. Cito de memória porque em Mansabá foi formada uma companhia de milícia, durante a minha permanência.

É capaz de ser pouco exacto metê-los nas contas juntamente com os soldados (CCaç, Artilharia, Comandos, Serviço de Material, Intendência, etc.). Ficam bem ou mal (conforme as leituras) nas estatísticas, mas não é exacto.

(iv) Paulo Santiago:

(...) Quanto a vencimentos de milícias não posso ajudar. Como "instrutor" [, no CIMIL de Bambadinca], era um assunto que me ultrapassava. Não sei se os 700 escudos estão certos. Um dos meus soldados, Amadú Baldé, tinha sido milícia na zona de Aldeia Formosa, passou para o Exército e posteriormente voltou à Milícia, ficando a comandar um dos pelotões da segunda companhia que formei em Bambadinca.É natural que ficasse a ganhar mais.

Também o 1º Cabo Suleimane Baldé, actual Régulo de Contabane, foi milícia, em Aldeia Formosa, antes de passar ao Exército. (...)

2. Informação prestada pelo gen Bethencourt Rodrigues (1918-2010),  antigo comandante-chefe e governador da Guiné (1973/74), nome às vezes também grafado como "Bettencourt" Rodrigues:


As  NT eram constituídas por: 

(i) “órgãos de comando e de apoio logístico, unidades e meios navais da Armada; algumas unidades de Fuzileiros Navais eram integradas por pessoal voluntário da Guiné, com enquadramento europeu”;  

(ii)  “órgãos de comando e de apoio logístico, unidades do Exército; cerca de 20%  das unidades combatentes eram de pessoal recrutado na Guiné e em algumas todo o pessoal era guinéum, incluindo o enquadramento; 

(iii) “ órgãos de comando e de apoio logístico e  unidades da Força Aérea; (iv) “unidades de milícias, integralmente com pessoal da Guiné” (pp.  129/130).

O “efetivo em pessoal armado era  constituído, em percentagem superior a 50%, por elementos naturais da Guiné” (p. 130).

No 1º trimestre de 1974, as NT ”ocupavam, com guarnições militares ou de milícias, 225 localidades” (p.  141)….  Era a seguinte a distribuição dessas guarnições: 

(i) “72 ocupadas exc lusivamente por tropas do Exército e Armada”; (ii) “82 por tropas  do Exército e Armada e unidades de milícias”; e (iii) “71 só por unidades de milícias” (p. 130).

Fonte: Gen Bethencourt Rodrigues – Guiné. In: Cunha, Joaquim Luz; Arriaga, Kaúlza de; Rodrigues, Bethencourt; Marques, Silvino Silvério- África: a vitória traída. Braga: Editorial Intervenção, 1977, pp. 103-142.
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Nota do editor: