quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10866: Do Ninho D'Águia até África (38): ...a guerra e o amor (Tony Borié)

1. Trigésimo oitavo episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, desta vez dedicado a um desafortunado ex-combatente americano.


Do Ninho D'Águia até África (38)


...a guerra e o amor!

Na nossa linguagem de antigos combatentes, falamos de guerra, de pormenores, do comandante que às vezes tinha cara de comandante, do capitão que era mais comandante que o próprio comandante, do alferes e do furriel, que também eram comandantes, do soldado, que alguns comandantes pensavam que não serviam para mais nada, senão para receber ordens do comandante, do soldado Curvas, alto e refilão, que tinha algum desprezo pela vida, pois não tinha família, que a sua mãe abandonou em criança, e diziam que andava “na vida”, e revoltado, não acatava ordens e queria mandar e devia ser general, e portanto também devia de ser comandante, às vezes também falamos de coisas sem qualquer importância, até pensamos que está tudo dito com respeito à guerra que nós antigos combatentes vivemos, e quando se começa a ler um texto sobre este assunto, dizemos:
- Lá vem outra história de guerra, que eu já estou farto de saber!

Sim é verdade. E é verdade também que quem faz as guerras entre países, não é o povo, são os dirigentes desses países, o povo ama-se e compreende-se, e quer paz, um tecto para se abrigar, roupa para se agasalhar, trabalho, comida na mesa, a educação e o bem estar dos seus, mas os governos geram conflitos, contando sempre com apoio do povo, que formam os seus exércitos, para os defenderem.

E depois quem defende esse povo, que defendeu esses dirigentes, que tomando decisões, não muito acertadas, e apoiando-se sempre, nesse mesmo povo que queria a paz, um tecto para se abrigar, roupa para se agasalhar, trabalho, comida na mesa, a educação e o bem estar dos seus?
Simplesmente, ninguém.

Podemos escrever um milhão de páginas, que o resultado é sempre o mesmo, o povo luta e sofre.

E só para terminar, pois todos estamos fartos de falar de guerra, vejam as fotografias deste casal, onde este jovem do povo, que queria paz, um tecto para se abrigar, roupa para se agasalhar, trabalho, comida na mesa, a educação e bem estar dos seus, é agora um dos muitos sobreviventes e estropiados da guerra.

Perdeu as pernas e parte dos braços numa guerra que o Cifra não quer dizer, mas os amigos, antigos combatentes, quase já identificaram, pois sabem a procedência do texto, que representa o verdadeiro amor, o juntar de corações, a procura de partilhar paixões, desgostos e gostos da vida.

Ela carrega-o às costas para a praia, ajuda-o na sua reabilitação, o abraça com ar de felicidade, e lhe deu o “SIM” ao selar o seu casamento, pois ele é o seu amor, e não tem culpa de não ter parte dos braços nem pernas. Foi uma vítima de ter estado num momento menos feliz, num cenário de guerra, mas apesar de lhe terem destruído parte do corpo, tem uma coisa que ninguém lhe destruiu, nem tão pouco roubou, que é o seu coração!

Digam lá, não é bonito?
Bom ANO DE 2013 para todos, do Cifra amigo, e já agora sem guerras!










(Texto e ilustrações: © Tony Borié (2012). Direitos reservados) 
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 22 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10844: Do Ninho D'Águia até África (37): Os Vinte Escudos da menina Teresa (Tony Borié)

8 comentários:

Anónimo disse...

Tony Borié

É a primeira vez que comento um texto seu, pois ultimamente tenho tido pouco tempo livre, mas prometo descobrir tempo para continuar a ler as vossas memórias e a comentar, à minha maneira, os vossos textos, muitas vezes reflexivos da vivência passada e não só, pois todos nós temos já uma grande vivência para além da guerra, que nos permite reflectir e contar tantas coisas vividas ao longo destas quase sete décadas.
Suspeita, porque pertenço a esta faixa etária, não fujo de dizer que aprecio grandemente a nossa geração que é muito marcada pela sua forma de estar e ser.
Gostei muito da sua expressão escrita, que o denuncia como mais um dos elementos do Blogue, de grande sensibilidade, que passo a admirar.

Abraço fraterno

Felismina

Adamastor disse...

Camarada mansoaco
Um abraço e os meus votos de que esta seja uma época plena de coisas boas, seja lá o que for que possa ser englobado nessas coisas. A verdade é que se houver saúde e um amigo por perto, já não é nada mau.
Tudo de bom para si e para os seus e que 2013 não seja tão mau como o pintam.
Boas Festas!!!
Bernardo

Anónimo disse...


Obrigado, grande Toni. Uma hstória de guerra e de amor, nos EUA, que chegou aos jornais...Ele, Taylor Morris, ferido o Afeganistão, ela, Danielle Kelly... Ver aqui:


http://today.msnbc.msn.com/id/49147749/ns/today-today_news/t/injured-vets-inspiring-love-story-goes-viral-photos/


Luis Graça

Hélder Valério disse...

Caro Tony

Tens sido um excelente contador/narrador das histórias e acontecimentos à volta da tua participação na guerra da Guiné e também nas envolvências da mesma, antes e depois.
Esta tua história de amor e determinação é intemporal, já que é consequência da presença num 'teatro de guerra' um qualquer...

E, confesso, não foi possível impedir uma lágrima teimosa de aflorar aos olhos, tanto mais que as minhas 'defesas' estão um pouco enfraquecidas por ter de ir acompanhar a minha mãe à sua 'última morada'.

Já te tinha dito que gosto do que escreves? E dos desenhos com que 'enfeitas' os escritos? Pois é verdade! Continua!

Abraço.
Hélder Sousa

Anónimo disse...

Hélder, ainda há dias, na véspera de Natal, me falavas que ias visitar a tua velhota, que estava num lar... Se bem compreendi, ela despediu-se desta vida neste Natal. Estranha coincidência, ou premonitório sentimento o teu...Daqui, deste antigo mosteiro, agora pousada, de Santa Maria do Bouro, onde a história e o silêncio da história impregnam as suas paredes, as suas pedras, envio-te um abraço solidário neste momento de luto e de dor. Luis Graça

Tony Borie disse...

Olá Hélder.
Sofro contigo a dor da separação da tua mãe.
Para nós, antigos combatentes, as nossas mães, eram quase tudo. Era tão bom ter mãe, que nos ouvia, nos dava beijos, sempre nos limpava a cara com o seu avental, nos perguntava se tínhamos fome, e tirava da boca para nos dar, e nunca estava de mal connosco, repreeendia, mas logo dava beijos, e nos levantava no ar.
Recebe as minhas condolências.
Sorry, um abraço do amigo que está ao teu lado neste momento de dor.
Tony Borie.

Anónimo disse...

Caro Amigo Hélder

Tentei enviar um mail de condolências, mas foi-me devolvido, razão pela qual, utilizo este espaço do nosso Amigo Tony Borié para o fazer.
Só para lhe dizer que partilho a sua dor. Sei que sentimos, que perdemos algo que nunca mais voltamos a ter e que a dor da perda é tão sómente comparável em tamanho, à Felicidade de sermos seus filhos.
O meu abraço solidário a toda a família enlutada.

Felismina mealha

Hélder Valério disse...

Caros amigos

Obrigado pelas vossas palavras.
São sempre reconfortantes.
De facto foi no dia de Natal que 'partiu'. Como disse ao Luís, ia lá ao Hospital de Santarém visitá-la mais uma vez pois no domingo tinha ficado com a ideia que parecia estar a melhorar. Mas não, puro engano.
Cheguei lá, sozinho, a tempo de lhe pegar na mão antes de uma paragem cardio-respiratória, de que foi impossível recuperar, conforme o médico informou.
Hoje, agora, recordo-me com um sorriso, duma frase que ela costumava dizer quando eu, com o meu feitio irritante lhe moía o juízo o suficiente para praguejar, atirar impropérios e pedir perdão a Deus, tudo de seguida e que era: "um raio que te abrasasse já aí...cão danado... mais as coisas que me fazes dizer, Deus Nosso Senhor me perdoe!".
Mais uma vez, o meu agradecimento pelas vossas expressões de carinho.
Abraço
Hélder Sousa