quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10797: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (32): Uma cobra na sala de aula

1. Em mensagem do dia 10 de Dezembro de 2012, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma memória do seu tempo de estudante, desta vez lembrando o seu professor Santos:

HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (32)

Uma cobra na sala de aula 

Frequentávamos o 4º ano!

A nossa sala de aula ficava à entrada do corredor que se iniciava no recreio dos rapazes, na porta da sineta, e terminava no recreio das moças; era a primeira porta à direita. Aquela sala tinha outra porta, larga e envidraçada, que raramente podíamos utilizar e que dava para o exterior em frente ao velho “bebedouro”, no recreio dos rapazes, próximo do portão principal.

Num fim-de-semana em que fui a casa, apanhei, no campo, à mão, uma enorme cobra descomunal (mediria entre 20 e 30cm de comprimento). Consegui uma caixa de cartão, fiz uns pequenos furos nas faces laterais e na parte superior e guardei lá o referido réptil peçonhento; pelos furos ela podia respirar o suficiente para não morrer asfixiada.

Antes de introduzir a bicha na improvisada prisão, com a minha naifa, cortei-lhe a língua, para que não ferisse alguém que tentasse capturá-la depois de eu a devolver à liberdade em local apropriado.

Na 2.ª feira de manhã tínhamos uma aula com o professor Santos – História ou Geografia. Eu gostava imenso deste professor; respeitava-o muito e admirei-o pela vida fora, pelo seu saber, pela maneira fácil e eficiente como comunicava com os alunos (fazia-se entender perfeitamente o que nem todos conseguiam); era quase o exemplo acabado do “self made man”!

Eu estava na última carteira com o Cândido (vulgo Fajões) na fila ao lado da janela; portanto na esquina diagonalmente oposta ao professor. Quando entendi ser oportuno, abri a “porta” daquela cómoda prisão e a “bicha”, cheirando de novo a liberdade, correu desnorteada pela sala com a cabeça levantada, ameaçando tudo e todos.

Alguém gritou:
- Ai! Uma cobra!

Os alunos levantaram-se, afastando-se daquele monstro que não parava de correr; algumas moças subiram corajosamente para os assentos das carteiras; outras, mais “ousadas” colocaram-se em segurança na parte superior da carteira.

O animalejo continuava a correr procurando insistentemente um qualquer orifício por onde pudesse entrar, recuperando assim a sua “ampla liberdade” – como ainda estava longe o tempo dito das “amplas liberdades.

Antes que o animal desaparecesse, eu perguntei:
- Onde está a cobra?!

Caminhei para ela e, sem dificuldade, recapturei-a e voltei, calmamente, para o meu lugar com a cobra a saracotear na minha mão.

O Dr. Vide havia-nos ensinado como apanhar uma cobra ou um lagarto sem correr perigo de ser picado ou mordido.

Acabada a balbúrdia, todos olhavam insistentemente para mim procurando saber onde eu guardaria aquela cobra; coloquei-a cuidadosamente na “habitação” que eu preparara para ela. Acabou a festa.

Fui talvez o ultimo aluno a sair da sala de aula; o professor Santos, apercebeu-se que eu não trazia a cobra na mão; perguntou que caixa era aquela; não ocultei que se tratava da nova “casa” da cobrinha. Ainda hoje não compreendo por que não fui mimoseado com um par de tabefes… bem merecidos.

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O professor Santos era realmente extraordinário, profundo conhecedor de História e Geografia e extremamente eficiente.

As aulas dele eram divertidíssimas, sem dúvida…, mas aprendíamos. Era muito bom comunicador.

Ele considerava que História ou Geografia sem mapa seria coisa aberrante; quando não havia mapa ele… desenhava-o no quadro:
- “Aqui fica Portugal… a boca do Tejo… os arquinhos de Espanha, a perna da Itália, com a bota, a dar um pontapé na Sicília; junto ao tacão fica o Golfo de Tarento, etc. Depois carregando no giz com força “abria” uma autêntica estrada por onde os Hunos se deslocavam para invadir a velha Europa; - “aí vêm os Hunos… mas em tal parte estava F, à espera deles e deu-lhes na tromba, obrigando-os a retroceder em direção às suas estepes centro-asiáticas”

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Corria o nosso 3.º ano! Estudávamos a Grécia. Numa 2.ª feira, poucos alunos teriam estudado convenientemente a lição; como era habitual, na primeira meia hora, o professor Santos fazia perguntas sobre o tema da aula anterior; seguidamente, explicava a matéria para a aula seguinte. Cada aluno que ia sendo chamado pouco ou nada sabia sobre a 2.ª invasão dos persas (guerras médicas) que esbarraram no desfiladeiro das Termópilas onde 300 ousados Espartanos impediram com sucesso (inicial) a passagem de milhares de Persas. O pastor Efialtes (traidor) ensinou-lhes outro caminho e os Espartanos foram trucidados (feitos em postas).

O Ribeirito (Manuel Coutinho Ribeiro ainda hoje só o bigode está a mais, em relação àquela época) não tendo tempo de memorizar o nome do desfiladeiro, respondia apenas: “Termo”…”Termo”… o Professor Santos dando-lhe uma ligeira sapatada na cabeça, acrescentou: “pilas”, pá “pilas”!

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Já que falamos no Ribeirito… aí vai uma bem” fresquinha” (leia-se recente).
No almoço dos ex-alunos do COA, em 9 de Junho de 2012, em Ul, na antiga estação, o Ribeiro demorou, anormalmente, a escorrer as “castanhas” (vulgo urinar); estava meio mundo à espera de vez para fazer o mesmo; o nosso amigo, prazenteiro, com brilho nos olhos, comentou:
- Ainda não tenho grandes complicações para urinar… mas tenho dificuldade em encontrá-“la”!

É caso para dizer, ri-te, ri-te… o diabo vem pelo caminho

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Quem saberá explicar o motivo pelo qual as nossas colegas aprendiam razoavelmente bem, a lição de Geografia, mas sentiam grandes dificuldades em localizar, no mapa, a cidade e até o país que acabavam de citar.

Mas era verdade!

O professor Santos perguntava a uma moça: qual é a capital de tal país. A aluna respondia corretamente o nome da cidade… mas sentia-se confusa para a localizar.

Aí, ele gritava:
- Sua galinheira!

Colocava a mão naquela parte onde as costas mudam de nome; levantava-a, juntando as pontas dos dedos, acrescentando jocosamente:
- Cócóró có có… um ovo!

O dedo deve ter uma luz na ponta para guiá-lo até à cidade ou país que citamos.

Sempre que um rapaz falhava uma resposta ele com a mão fazia o gesto de “cortar o pescoço”; simulava pegar no cabelo baixando-se até tocar o solo; passava frente ao nariz fazendo sinal de mau cheiro e colocava-a sobre o tronco, simulando colar o pescoço.
Isto significava:  - cortar o pescoço, pegar pelo cabelo e meter na fossa (ou retrete); como ficava a cheirar mal, colava-a no sitio onde estava.

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Um dia a minha mãe enviou-me um cesto com belas cerejas suculentas; enchi os bolsos do casaco e fui para a aula de História (5.º ano), na sala quase em frente à secretaria a qual tinha uma janela e uma porta voltadas para o quintal.

O meu companheiro de carteira era o Arlindo (Escariz); enrolei uma folha de papel em forma de cone (era em embalagens deste género que os merceeiros, da época, nos vendiam uns míseros quinze tostões de café); coloquei-o no buraco do tinteiro, depositando ali os caroços e os pés das cerejas. Nós éramos uns rapazinhos pouco atilados mas tudo fazíamos para ser limpinhos (só não reciclávamos).

Estávamos muito entretidos a saborear displicentemente as deliciosas cerejas, mas muito atentos ao que o professor transmitia…, eis que o Sr. Santos me surpreendeu com a boca … na botija – não, não havia bebida!... apenas cerejas! Por pouco não me escalpou!... mas tenho a certeza que fiquei com menos umas dúzias de aloirados cabelos – castigo mais que merecido! E quando assim é… está tudo dito!
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10765: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (31): Dr. Abel Gandra

1 comentário:

Anónimo disse...
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