terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10783: Blogoterapia (219): Reflexão sobre a nossa condição militar (António Melo, camarada da diáspora)

1. Mensagem, de 1 do corrente, do António Melo (ex-1.º Cabo Rec Inf,  BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, 1972/74), camarada que vive em Espanha [, foto à direita]:
Hoje quero falar um pouco sobre as verdades do passado, presente e futuro dos ex-militares que na sua juventude partiram para uma aventura desconhecida, que para uns foi enriquecedora, para outros nem fu nem fa, para outros amarga e para alguns, não poucos , foi o final da sua curta vida (e que aqui rendo a minha homenagem a esses valorosos caídos).

Hoje todos nos somos  esquecidos  pela classe politica que nos governa.
  
Mas vou explanar-me sobre o fictício mas que foi um extrato retirado de cada um de nós, ex-militares, e que ao lê-lo cada um extraia a parte  que lhe corresponde da verdade.

E que assim este texto seja de todos nós ex-soldados do Exército, Marinha ou  Força Aérea,  quer tenham sido praças, sargentos ou oficiais, hajam servido nos comandos, fuzileiros, paraquedistas ou tropa regular, e de todos os que estavam na frente de combate e dos que estavam na cidade no ar acondicionado como assim já aqui li algumas vezes.

Mas que,  sem esses que estavam na cidade,  ns os que estávamos na frente de combate não sobreviviríamos porque nos faltaria a logistica de apoio, como as munições, os conbustíveis  para a viaturas, os alimentos,  a organização de comando e o correio das nossas famílias que tanto apreciávamos e que era para nós o ar que necessitávamos para continuar a viver e não me quero alongar mais porque era incomensurável o labor que faziam para podermos  sobreviver.

E que ao ler este,  saibam que aqui inclu0 a todos que tenham servido Portugal em Cabo Verde, Guiné, São Tome e Príncepe, Angola, Moçambique, Índia, Macau ou Timor,  para todos os meus respeitos.

Um dia partia um jovem vestido de verde, azul ou branco,  com sua mochila ao ombro e uma mala na mão,  caminhava com passo seguro,  cabeça baixa e por seu rosto lhe caíam as lágrimas e sem olhar para trás,  pois nesse momento não queria ver o rosto dos que deixava destroçados e de rastros, sua mãe,  seu pai, seus irmãos,  tios,  primos,  vizinhos e amigos, e que que aos gritos pronunciavan o seu nome.

 Partia em direção à sua unidade  e no dia seguinte era o embarque  rumo a África.
  
No dia seguinte o embarque e a viagem. Para África,  claro está.   

E cada um que idealize a sua,   e já chegados  ao seu destino  lhe foi dado o seu lugar na unidade que lhe tocou, para uns um aquartelamento adequado,  para outros umas tabancas e ainda para outros uma árvore, uma arma, uma pá e uma pica e agora...  vai à vida que a tropa manda desenrascar.

Já acomodado a sua nova vida, pára. E pensa um pouco.

Mas de verdade,
 o que faço eu aqui???????'??????????????? 
aqui nao perdi nada!!!!!!!!! 
por isso nada posso encontrar!!!!!!!,
lutar, combater, morrer ou ser morto, porquê? 
se esta gente não me fez nada,   porque tenho eu que lutar? 
a mim sempre me ensinaram que tens que lutar pelo que é teu,
e isto não é meu? 

E de momento voltou à realidade e se deu conta que havia passado quase uma hora, rebobinou os seus pensamentos e encontrou a resposta:
- Sim,  é verdade,   tenho que combater, lutar,  porque e a minha vida é essa,  sim que é minha e está aqui.

Assim foram passando dias, meses e anos,   lá foi vivendo, lutando,  recebendo o correio que tanto adorava da família. E asim passa o tempo e, quase chegada a hora do regresso, ,cada vez e maior o aperto que sente dentro de si porque as saudades são muitas e quer ver a família e agora que lhe restam poucos dias para os ver adopta todas as cautelas para que nada lhe passe  porque lhe vem a mente alguns dos camaradas que como ele para ai foram e ja nao estao partiram para uma viagem sem retorno uns por acidente outros por enfermidade e outros na frente de combate.
´
Se termina o tempo e  são substituídos por outros,   chega a hora do regresso e lá vem o jovem.  Ao chegar é recebido por sus familiares e amigos,  agora já um homem curtido,  endurecido pelo que representou aquela estadia em África. Os primeiros dias vai visitando os sítios que costumava frequentar antes da vida militar, em alguns casos entra a medo,

Não  é medo que lhe possam fazer mal,  mas porque não quer aceitar a realidade que alguns dos amigos vizinhos ou conhecidos ou até   pessoas com que pouco havia tratado,  também já partiram uns que morreram,  outros que imigraram,  mas assim é a vida e,  aos poucos, vai assumindo a realidade porque quando partiu deixou uma realidade e agora encontra outra.

Dias depois começa a pensar o que vai fazer da nova vida pois nada é o mesmo,  a empresa onde trabalhava fechou as portas e ele tem de tomar uma decisão.

De todos esses que regressaram uns continuam seus estudos que tiveram que interromper para cumprir o serviço militar,   outros  voltam aos mesmo posto de trabalho que deixaram,  outros que não tiveram tanta sorte e a sua cabaça não aguentou  foram para lá uns homens com todas as faculdades mentais intactas e voltaram feitos farrapos, a sua cabeça já não é a mesma e se lançaram às ruas da cidade uma vida sem rumo. Outros há que seguiram a vida militar, outros ainda deles optaram pela imigração e assim alguns se encontram hoje repartidos pelos quatro cantos do mundo desde a Patagónia ao Canada, desde as gelidas terras do norte da Europa  África, Austrália e países asiáticos,  nunca mais se voltaram a ver aqueles que um dia e por determinado tempo foram camaradas,  viveram melhor ou pior, mas da mesma maneira sofreram choraram ou riram juntos.

Formaram um lar,  casaram, vieram os filhos e os netos,  hoje gente com o cabelo prateado, vamos sendo cada vez menos.

Agora, caros amigos, tabanqueiros,  deram-nos estes avanços técnicos  e estamos aqui reunidos ou atabancados,  como queiram.

Aquele jovem és tu,   sou eu e somos todos. Espero um dia poder estar num conivio e que possamos falar de coisas alegres e tristes mas isso só a vida nos dirá o que nos reserva.

Um grande abraço a todos e para ti amigo, Carlos, um muito especial. António Melo
_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 15 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10534: Blogoterapia (218): Voltei ao Éden (Felismina Costa)

3 comentários:

Tony Borie disse...

Olá António Melo.

"O que faço eu aqui?
Aqui não perdi nada.
Por isso nada posso encontrar.
Lutar, combater, morrer ou ser morto, porquê?.

Mas que grande verdade. Os jovens saíram, com cara de jovens , e alguns regressaram com cara de adultos, sofredores, mas por baixo ainda lá estavam a cara de jovens, mas encobertas por lembranças horríveis, e sofrimentos, e como dizes, ao chegarem, viram quase todos os seus sonhos de juventude, perdidos, não havia oportunidades, e o povo andava triste, pelo menos no meu tempo, e alguns, no qual me incluo, tiveram que emigrar, e enfrentar outra guerra, que era a adaptação ao novo sistema, do país para onde emigravam.
O teu texto é feliz, e nesta quadra de Natal, mais nos faz lembrar as raízes, e conta toda a realidade dos jovens que fomos. Parabéns.
Um abraço do camarada e companheiro combatente, Tony Borie.

JD disse...

Caro António Melo,
Pois então que não demore a tua comparência aos nossos convívios, ou a um deles, já que ficámos a saber que estás ausente do país.
Foi o tormento da saudade que te inspirou esta escrita, planeia, e apresenta-te com apetite e boas recordações, as que devemos privilegiar.
Um abraço
JD

antonio graça de abreu disse...

Um pouco triste, um pouco triste!

Mas nós não fomos um sacana de um povo que, a lavrar o mar, na crista das ondas a chegar a todas as terras, demos singulares e estranhos "novos mundos ao mundo"?... Quanto sofrimento, quantos mortos na flor dos nossos anos, quanto Portugal esparramado
pelos quatros cantos do globo!...
Razão de orgulho, mais do que de tristeza e sofrimento.
Como disse o padre António Vieira, em finais do sec. XVII, "tivemos a terra portuguesa para nascer, toda a Terra para morrer".
Foram "as malhas que o império tece", como escreveu Fernando Pessoa.

Nenhuma nostalgia, nenhuma razão para nos envergonharmos de quem fomos e somos.

Abraço,

António Graça de Abreu