segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10655: Notas de leitura (428): "Colapso e Reconstrução Política na Guiné-Bissau 1998-2000", por Lars Rudebeck (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Setembro de 2012:

Queridos amigos,
O Prof. Lars Rudebeck acompanhou quase em cima dos acontecimentos o conflito político-militar iniciado em 1998.
Há muitos anos que ele estuda afincadamente o processo da democratização encetado nos anos 90. O que se encontra neste seu trabalho é uma investigação onde se pretende esclarecer até que ponto a democratização tem sido afetada pelos conflitos, pelas lutas intestinas governamentais, com ou sem coligações.
O investigador recorda que os partidos políticos guineenses produziram muito pouco material sobre os seus programas, há situações insólitas em que forças partidárias se esquecem de dizer do que pretendem do desenvolvimento. Ele não esconde a sua preocupação com o facto de a Guiné não poder viver eternamente dependente da ajuda internacional, se a situação se prolongar surgirão novos conflitos com consequências seguramente lesivas para o processo democrático.

Um abraço do
Mário


Colapso e reconstrução política na Guiné-Bissau (1998-2000) 

Beja Santos 

O Prof. Lars Rudebeck é um estudioso universitário com pergaminhos firmados no estudo da Guiné-Bissau. Começou em 1972 aqui a sua tese de doutoramento, da qual já se procedeu à respetiva resenha. Colaborou com o INEP e o seu nome é assíduo na revista Soronda. A pretexto do conflito político-militar encetado em Junho de 1998, o Prof. Lars Rudebeck procura investigar de que forma a ordem democrática funciona, mesmo precariamente, ou está gravemente comprometida. Trata-se de uma análise que vai muito além do sistema multipartidário e dos procedimentos eleitorais, uma vez que nela se discutem os contrastes gritantes na forma como o povo interpreta ou interioriza a democracia. Por tal via de análise, o investigador questiona os fundamentos da sociedade civil e política, o que está por detrás da tentação por via dos complôs no comportamento militar, bem como questiona se a assistência internacional se pode eternizar. “Colapso e Reconstrução Política na Guiné-Bissau 1998-2000, Um Estudo de Democratização Difícil”, é o resultado desta investigação. Para fundamentar a sua análise, Lars Rudebeck fez três viagens de estudo à Guiné-Bissau entre 1999 e 2000.

No verão de 1994 efetuaram-se eleições legislativas e presidenciais e os resultados foram aceites, assim se dava um passo em frente no constitucionalismo democrático: presidente eleito por voto universal, um governo e uma oposição, liberdade associativa, imprensa independente, tudo parecia começar a funcionar. Mas em 7 de Junho de 1998 eclodiu um conflito, de um lado estava o presidente Nino Vieira e os seus seguidores mais próximos e um pequeno número de tropas fiéis ao governo a que se juntaria uma forte ajuda militar com efetivos vindos do Senegal e da Guiné-Conacri, e do outro lado a maior parte das forças armadas guineenses sob o comando do brigadeiro Ansumane Mané. Não demorou muito tempo a comprovar-se que Ansumane Mané e os seus revoltosos tinham um forte e crescente apoio da maior parte da sociedade guineense. O conflito foi devastador e deixou profundas marcas na população. Houve êxodos, destruições, acordos de paz não cumpridos, as duas forças contendoras temiam-se e não escondiam. Por detrás do conflito estaria sobretudo o tráfico ilegal de armas que eram entregues aos rebeldes do Casamansa. Ansumane Mané contou com o apoio de comandantes frustrados e soldados com salários em atraso.

O autor não hesita em escrever que a crise fora provocada por um comportamento de género mafioso nos altos cargos do Governo. Do alto do púlpito, logo em 9 de Agosto de 1998, o bispo de Bissau foi corajosamente direito ao assunto: “Quando cada um de nós se pergunta sobre as razões desta guerra, a resposta estará nos seguintes pontos: ninguém dará ao poderoso o direito de ser arrogante; ninguém dará ao soberbo o direito de ser prepotente; ninguém dará ao injusto o direito de ser usurpador dos bens dos outros; ninguém dará ao rico o direito de escravizar os pobres”. O autor procurou entender o papel da sociedade civil durante a crise e reconheceu que a Liga Guineense dos Direitos Humanos revelava uma atividade meritória. As organizações civis reuniram-se em Novembro de 1998 e constituíram o Movimento Nacional da Sociedade Civil para a Paz, Democracia e Desenvolvimento, estiveram presentes 149 pessoas representando um total de 132 organizações. A Assembleia Nacional Popular, durante a crise, funcionou como um fórum central e marcou pontos a favor do constitucionalismo democrático. A opinião internacional, inicialmente, foi de condenação dos revoltosos, entretanto, até por via diplomática, começou a ter-se conhecimento de saques e destruições gratuitas perpetradas sobretudo pelas forças senegalesas e oriundas de Conacri. Quando o confronto militar terminou, em Maio de 1999, procurou-se um tratado constitucional denominado “Pacto de Transição Política”, onde se exigia a participação e a aprovação do poder militar em situações fundamentais do exercício da autoridade do Estado. Aqui começou o equívoco democrático, os militares mostravam-se reticentes em voltar para os quartéis e deixar os políticos em paz. Logo reivindicaram os seus salários e os soldados manifestaram-se em Bissau, em 3 de Dezembro, de armas em punho. Aproveitando-se do congresso do PAIGC, em Setembro desse ano, Ansumane Mané, sem ambiguidades aconselhou o PAIGC a não eleger o anterior primeiro-ministro, Manuel Saturnino da Costa.

Lars Rudebeck considera que os políticos dentro e fora do governo da Assembleia trabalhavam como podiam para manobrar entre o poder militar, o povo, possíveis investidores na paralisada economia do país e a comunidade internacional. Entrou-se em clima eleitoral, o presidente interino, Malã Bacai Sanhá, candidatou-se também à presidência pelo PAIGC. As eleições tiveram lugar em 28 de Novembro. O candidato do PRS, Koumba Yalá foi o mais votado, mas tendo ficado abaixo dos 50 %, houve segunda volta entre ele e Bacai Sanhá. O investigador aprecia os programas dos partidos e não tem dificuldades em dizer que um grande número deles tem a sua existência graças a um candidato e pouco mais. Analisa Koumba Yalá, um novo presidente que nos anos 80 tivera a responsabilidade pela formação interna dos quadros do PAIGC e observa: “A base social do seu partido é popular, mas na prática não defende ideias políticas muito diferentes das ideias dos outros partidos. Nas eleições legislativas de 1994 o seu partido conseguiu no total um pouco mais de 8 % dos votos e nas presidenciais esteve à beira de vencer Nino na segunda volta. Apesar disto, durante o período de 1994-1999, Koumba Yalá e o seu novo partido não se destacaram muito na cena política”.

É um estudo pormenorizado, que abarca a situação das mulheres, a complexidade da transição, os vínculos étnicos e o sentimento de mudança. O autor não esconde o seu ceticismo quanto ao futuro da democracia no país. Até então, os entrevistados usavam uma expressão eloquente sobre as razões que os levavam a participar nos sucessivos atos eleitorais: acreditavam poder haver uma sociedade melhor, para eles o conceito de democracia andava próximo da busca de felicidade. Para um investigador, a democracia só muito dificilmente poderá sobreviver se não houver um certo grau de participação popular e de justiça social. Ora a justiça social deteriorou-se, os cidadãos apercebem-se que vivem numa sociedade onde a coesão está ausente e onde os militares não respeitam o voto das urnas. No período em análise, o autor detetou várias crises políticas, demissões, rumores, perseguições pelos militares de civis ligados aos direitos humanos, tudo isto enquanto era patente a posição fraca e indecisa do Governo. Os cidadãos guineenses deram provas de se encontrar bem preparados para se envolverem em atos eleitorais mas não se pode iludir a falta de financiamento interno que agrava os principais problemas governamentais, agora crónicos: a sua dependência em relação aos militares e a mão estendida em relação à ajuda internacional. Enquanto escrevia o seu livro, Lars Rudebeck apercebeu-se de que a vida dos governos estava cada vez mais frágil, seguiu-se a guerra sem quartel a Ansumane Mané, morto em 30 de Novembro de 2000. E autor insiste que não é possível uma democracia depender eternamente da ajuda internacional. Afinal, na ordem interna, os cidadãos também se cansaram do protagonismo de Ansumane Mané como mais tarde nada fizeram quando Koumba Yalá foi deposto. Nesse ano de 2001, a população guineense vivia profundamente desencantada.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10640: Notas de leitura (427): "África Misteriosa", de Julião Quintinha (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Os primeiros suecos, penso que será sueco este autor, que conheci em África, não foi na Guiné, onde conheci muitos e muitas suecas, foi em Noqui, Angola, onde vinham passar e beber uns copos aos fins de semana.

Vinham de Matadi, ex-Congo Belga em 1960, para onde foram enviados por Harmarskjoeld da ONU.

Era eu cabo miliciano e não queria saber nem sabia patavina de política nem de suecos, nem nunca pensei que essas coisas um dia me iam interessar.

Só me interessaram essas coisas quando passados anos fui encontrar esses mesmos suecos em Bissau principalmente concentrados em Bula.

O protagonismo dos suecos e outros nordicos nas ex-colónias belgas e Guiné Bissau, foi tão nocivo com a sua cooperação tanto ou mais que os infinitos 500 anos de exploração portuguesa e dos 80 anos de exploração e colonização belga.

Aquela ajuda nórdica não foi mais que apoiar e assistir a genocídios e crimes de máquina fotográfica ao ombro e umas coroas de misericordiosas dádivas.

Também praticavam "psico-social".

Isto eu conto embora seja repetido, e já prescreveu, pois parece que os suecos, como eu já desisitiram: Em 1993 o Bjorg fez o que poucos suecos faziam em África, fazer um filho africano.

Só que o menino de branco só tinha os dentes.

Mas Bjorg e os compatriotas residentes em Bula assumiram o facto tranquilamente (fleugma?)e nem se comentava o contraste e nem se perguntava de que etnia seria o pai biológico e até houve festa de despedida para a Suécia dos três em fim de comissão (forçada muito diplomaticamente).

Caíu muito bem tanto na família como na sociedade de Bula sueca e guineense, o gesto de Bjorg: levar a família para Estocolmo.

Só que passadas semanas a jovem mãe e filho tiveram que regressar a Bissau pois que Bjorg teve que emigrar para os EUA por motivos profissionais e deixou-os muito bem instalados em Estocolmo.

E foi-lhe dado a escolher pela embaixada à mãe e filho se preferiam esperar pelo regresso de Bjorg, lá em Estocolmo ou em Bissau.

Chegaram à conclusão que o clima de Bissau era melhor para os dois.

Enfim, tudo se cria!