quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10513: (Ex)citações (199): Nunca me considerei, não fui, não sou nem pretendo ser um “valentão” (Belmiro Tavares)

1. Mensagem do nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), com data de 10 de Outubro de 2012, com um esclarecimento dirigido a José Manuel Silva Estanqueiro que comentou o Poste 10476:

Caro Senhor José Manuel
Acabo de receber o seu comentário* ao meu texto sobre factos concretos e verídicos que eu vivi intensamente na famigerada guerra da Guiné.

1º - Antes de mais, pretendo informar que não tinha conhecimento que os não combatentes e/ou ex-combatentes doutros TO “ eram mal aceites” neste blog. Acontece que este é um blog de ex-combatentes da Guiné (apenas) e tem as suas regras como tudo na vida. Na verdade, cada um vê as coisas um pouco de acordo com a sua vivência dos acontecimentos e o seu interesse. Pretendo dizer que sendo a guerra da Guiné diferente – pior – das outras duas, nós vivemos os temas e reproduzimo-los de modo dissemelhante. De qualquer modo, uma coisa será ser “mal aceite” (a sua opinião), outra será ser proibido de entrar.

2º - Gostaria que o Sr. José Manuel me informasse:
a) Se é ex-combatente;
b) Se afirmativo, em qual TO participou
c) Qual o posto
d) Em que arma esteve inserido.

3º - Não compreendo que, em termos práticos, não distinga entre um oficial do QP e um do SG. Permito-me não explicar

4º - Se tem dúvidas que um castigo em OS prejudicava tremendamente o ex-militar (de novo na vida civil), apenas direi que um furriel miliciano da minha companhia – a gloriosa CCaç 675 – era funcionário das Finanças em Ponte de Lima; foi punido na Guiné e, quando chegou ao seu antigo posto de trabalho, foi informado que já não era funcionário público. Basta!

5 – Meu caro Sr: nunca me considerei , não fui, não sou nem pretendo ser um “valentão”; tenho, porém, duas pernas e dois braços (estes com uma mão no extremo de cada um) que, na defesa de superiores interesses dos meus subordinados (ou mesmo que sejam já ex-combatentes), seria capaz de usar, sujeitando-me à resposta do visado. Cumpre-me esclarecer que o alferes a quem transmiti o “tal” aviso era mais antigo do que eu. Ciente que esta situação era gravemente penalizadora para mim, eu não fugi à questão – a defesa intransigente dos meus Homens; em primeiro lugar os do meu pelotão… mas dos outros também. E valeu a pena! Que eu saiba nunca mais fez o mesmo.

6º - Não consigo, Sr. Estanqueiro, entender a expressão: “se fosse de Infantaria também mencionava?” não posso deixar de informar que a minha CCaç 675 – a gloriosa – era uma unidade independente; inicialmente adimos a um batalhão de Cavalaria – o célebre batalhão de Como; na parte final dependíamos de um batalhão de Artilharia. Tivemos um bom relacionamento com o Ten. Coronel de Cavalaria e também (quase o mesmo) com o Ten. Coronel de Artilharia. Com os capitães dos dois batalhões não nos demos bem nem mal, antes pelo contrário; com os subalternos tudo correu sempre sobre esferas. Pior foi a minha convivência – e a CCaç 675 também, com um ten./Cap./major que até me ameaçou com prisão… porque eu me recusei a caminhar… para o suicídio, o meu e o do meu pessoal. Ele, porém, não teve a coragem de pôr em prática as suas ameaças!

7º - Quanto aos seus considerandos sobre comandantes e chefes, meu caro Sr. José Manuel, apenas direi que um graduado tem de dar e transmitir ordens (não é o mesmo) e acima de tudo cumpri-las e fazê-las cumprir. Quanto às consequências apenas e especialmente me interessa o que os meus soldados pensaram de mim, na Guiné, e os seus juízos de valor durante os 46 anos que se seguiram ao nosso regresso, para já. Desde o nosso regresso, organizei “apenas” 46 confraternizações anuais e um sem número de “minis” que ocorreram em Lisboa e de norte a sul do País. A maior das minis ocorreu em Fermentelos (Águeda) com a participação de mais de 50 ex-combatentes – já não era propriamente uma mini!

8º - “Por isso ocorriam desastres”. Penso, Sr. Estanqueiro que entendi onde pretende chegar, mas afirmo categoricamente que nunca receei que tal acontecesse comigo; nunca pensei nisso; eu confiava plenamente nos militares à minha guarda e sempre senti que o contrário também era verdadeiro. Aliás nunca tive conhecimento efetivo – nem lá nem cá – de casos desses mas… diz-se muita coisa. O meu comportamento não mudava com a hora, e a temperatura ou o local onde nos encontrávamos; em Évora, em Bissau, em Binta ou no meio das matas mais cerradas ou mais abertas, nas viaturas ou em num barco, armados ou não, eu agi sempre do mesmo modo – eu era sempre o mesmo quer em combate quer a beber uns copos. De qualquer modo, Sr. Estanqueiro, só pode tentar beliscar-me quem teve a mesma vivência que eu e acima de tudo quem eu entender que tem capacidade moral, para agir como tal – até rima mas é verdade! A melhor resposta a tudo isto é dada pelos meus soldados – aqui incluo todos os da Companhia- não só os do meu pelotão. Permita-me Sr. José Manuel, parafrasear o estafado lema mas em sentido diferente do usual: “o povo é quem mais ordena”!

9º - Quanto ao agredir os empregados, Sr. Estanqueiro, aconselho-o (aceite se quiser) a não misturar alhos com bugalhos; não são compatíveis.

Para terminar:
Meu caro Sr. José Estanqueiro, alvitro que leia os meus textos no blog em que falo da gloriosa CCaç 675 – a família e seus componentes – e já são vários – e creia, caro senhor, que são puras verdades; não necessito inventar o que quer que seja (nem romancear) sobre o tema.

Última nota:
Aceito, perfeitamente, que trate por “senhor” quem não conhece. Como poderá o senhor, Estanqueiro, em sã consciência, tentar emitir juízos de valor sobre quem não conhece… minimamente?!

Por aqui me fico, aguardando os esclarecimentos solicitados, bem como qualquer réplica que o tema possa merecer.

Mui respeitosamente
Belmiro Tavares
10.10.2012
____________

Notas de CV:

(*) Comentário de José Estanqueiro ao poste > Guiné 63/74 - P10476: (Ex)citações (197): Carta aberta a Tony Borié (Belmiro Tavares) de 3 de Outubro de 2012:

Sr Belmiro 
Sei que neste blog são mal aceites todos os que não combateram na Guiné, mesmo sendo combatentes noutros TO. Pelo menos é a conclusão daquilo que vou lendo de cada vez que aqui venho. Mesmo assim não resisto em expor a minha opinião. 
Não concordo minimamente coma as suas teorias sobre disciplina. Não é preciso agredir ninguém para fazer cumprir as normas e regulamentos. E não me venha com a teoria que que os castigos à ordem prejudicava a vida civil.
O sr agredia soldados e ameaçava camaradas de igual posto por ser oficial e se achar um valentão. E teve a sorte de apanhar oficiais que não o puseram em sentido. 
Não percebi a referencia () ser do serviço geral. Se fosse de infantaria também mencionava? Também agride os e empregados do hotel?. 
Francamente, um chefe, líder não usa métodos desses. A diferença entre comandante e chefe está exactamente na capacidade de se levar os outros a fazerem o que nós queremos sem recurso a violência.
Os (co)mandantes esses recorrem a ela. Infelizmente à época havia muitos Belmiros. Por isso por ocorriam "desastres". 
Como não pertenço ao clã e sou penetra, trato-o por sr, pois foi assim que aprendi a tratar quem não conheço. 
Atenciosamente 
José Manuel Silva Estanqueiro

Vd. último poste da série de 9 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10508: (Ex)citações (198): O termo “batalha” pela ocupação da mata de Cufar Nalu poderá ser uma “figura de estilo”, à luz dos conceitos da ciência militar (Manuel Lomba)

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro Camarada Belmiro,
estive na Guiné 3 anos depois de si e 40 anos depois de lá ter estado permita que elogie a capacidade que mostra de ajuizar e referir com o espírito de então o que então se passava.
Ignorando questões, retóricas e divagações, respigo do seu anterior comentário o seguinte segmento que parece revelar a sua postura distinta (se me permite a avaliação) - "Nunca escondi de ninguém que eu era rigoroso com os meus soldados; quer no cumprimento de horários, quer no seu comportamento individual, quer ainda no seu relacionamento com outros soldados ou com os seus superiores. Fui sempre muito exigente, mas eu dava o exemplo! Nunca ordenei aos meus subordinados que fizessem o que eu não fazia. "

Os meus cumprimentos
e
se mais Belmiros tivesse havido, nenhum mal nos teria vindo!


SNogueira

J.M. estanqueiro disse...

Sr Belmiro Tavares
Não me movendo qualquer espírito de polémica, por uma questão de correcção, e porque me pôs questões concretas vou-lhe responder e só a essas mesmas questões . Tudo o mais está dito e não voltarei ao assunto.Sou um cidadão que cumpriu 26 meses de comissão numa unidade de atiradores (intervenção) em zona de 100% no TO Angola como cmdt GComb.Nunca tive problemas disciplinares com os meus subordinados, o mesmo não poderei dizer com os superiores hierárquicos.Temos reuniões anuais onde todos confraternizamos havendo mesmo quem vem propositadamente do estrangeiro para estar presente.Só este pormenor parece-me elucidativo.Há até quem faça gala de apresentar, agora já á 3ª geração,aquele que um dia foi o seu cmdt.
Com os meus cumprimentos
J.M Estanqueiro

José Marcelino Martins disse...

Sem espirito critico, e se tiver é construtivo, concluo que ainda há muito boa gente que precisa de "fazer as pazes com o passado".
Só assim se entenderá a nossa história, a história da Nossa Pátria, para o bem e para o mal.

JD disse...

Porra! Por um momento até pensei que fosse comigo.
Em primeiro lugar devo referir que ninguém deve ser juíz em causa desconhecida, e não fica bem ajuízar em causa própria.
As circunstâncias? As personalidades? Cada uma destas duas vertentes inclui inumeráveis ítens de avaliação.
Não tenho vergonhe de o dizer, e já aqui relatei duas vezes (com salvaguarda do bom nível geral de educação), tive que me impor "à bruta" no interesse de todos, incluindo o interlocutor e eu próprio. Por causa disso até há um amigo confrade que refere com frequência os meus pontapés no cú.
Estes eram mais frequentes, aconteciam na mata, durante as progressões, ou nas picadas, quando o pessoal descurava a segurança e os objectivos. Eram quase carinhosos, e agora dou-os ao meu neto.
Já agora, também eu ainda me sinto muito estimado por esses camaradas, e na passada 2ª feira telefonaram-me do Funchal a participar o passamento do Mário, um bom Foxtrot. Infelizmente, somos cada vez menos e insubstituíveis.
Abraços fraternos
JD

Antonio Melo disse...

Caro camarada Belmiro o que me parece e que tu nao eras digno dos galoes que levavas en cima dos ombros. Estive na guine como tu e vi gente sem galoes e com galoes com muita persunalidade e que se fazia respeitar sem agredir.
E diz-me uma coisa nao te da vergonha despois de tantos anos ainda te gloriares da tua agressividade? te aseguro que eu me escondia de todo mundo ou pelo minimo estava calado.