quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10442: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (2): Funeral fula em Guileje (ou melhor, funeral muçulmano, segundo o nosso amigo Cherno Baldé)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) >  Sequência fotográfica de um "funeral fula em Guileje" (é a única legenda que possuímos) >  Foto nº 5 > s/legenda:  o cortejo funerário encaminha-se para a mata; á esquerda, é visível um troço de arame farpado do aquartelamento e tabanca; o fotógrafo acompanhou a cerimónia desde a saída da tabanca até ao local, na mata, onde se realizou o enterro; não parece haver qualquer escolta militar.


 Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 6 > s/ legenda: percebe-se pela foto que o morto, presumivelmente civil, do sexo masculino,, é transportado numa maca (possivelmente cedida pela NT), e vem coberto com um lençol ou um pano branco.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 7 > s/ legenda: os familiares e amigos, só homens, quer civis quer militares, descalços, fazem um círculo à volta da sepultura, e possivelmente rezam em voz alta  uma primeira oração.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 8 > s/ legenda: a inumação do cadáver, envolto em panos... e que parece ser depois encimado por uma esteira.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 9 > s/ legenda: os participantes assistem,  sentados, à descida do corpo à terra.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 10 > s/ legenda: a descida do corpo à terra.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > Pel Caç Nat 51 (1969/70) > Funeral fula > Álbum do alf mil Armindo Batata > Foto nº 11 > s/ legenda: possivelmente a oração de despedida à volta da sepultura, vísível pelo montículo de terra. 

[Peço ao nosso amigo e irmãozinho Cherno Baldé, fula e muçulmano, para corrigir e/ou completar estas legendas que a visualização das fotos me foi sugerindo...No TO da Guiné, no tempo em que lá estuve (1969/71)  só fui, que me lembre, a um funeral numa aldeia fula, o de um dos nosso soldados, morto em 7 de setembro  de 1969. LG]

Fotos: © Armindo Batata / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Todos os direitos reservados.


1. Explicação sobre o funeral de rito muçulmano na Guiné-Bissau, dada aqui em comentário a este poste pelo nosso amigo Cherno Baldé:


Caro Luís Graca,

As legendas estão corretíssimas, mas no intitulado, eu prefereria que fosse "funeral muçulmano" porque é disto que se trata, pois o ritual é o mesmo entre os muçulmanos de todas as origens e as pequenas diferenças que se podem notar resultam de condições concretas dos meios de cada comunidade.

O Armindo Batata dá-nos nestas imagens a impressão de um observador atento ao que se passa ao redor, no obstante, escapou-lhe a parte da oração fúnebre (conjunta) que é feita na morança, antes de partir para a sua última morada onde participam todos, homens e mulheres.

Torna-se quase impossível identificar o(a) morto(a) a partir das imagens (se é civil ou militar, homem ou mulher), mas a padiola [, maca,] é militar e deve pertencer aos serviços sanitários do quartel que, neste caso substitui a função tradicional da esteira fabricada com fibras de colmo que deveria servir para enrolar e transportar o defunto ao local do enterro.

A praxe muçulmana manda que o cemitério esteja situado fora da aldeia e a proteção da sepultura suficientemente sólida para evitar que as hienas e jagudis façam das suas.

O funeral muçulmano caracteriza-se pela sua simplicidade, rapidez e equidade, cada uma delas com o seu lote de vantagens e inconveniências, dependendo do ponto de vista de quem observa ou analisa. Todavia, uma coisa é certa, são cada vez mais as comunidades africanas que aderem, nomeadamente na Guiné-Bissau, provavelmente para diminuir o fardo dos custos (sociais e econoómicos) ligados aàs tumultuosas e repetitivas cerimónias de culto aos mortos em tempos de crise generalizada.

Aceitem esta contribuição de um leigo e muçulmano pela cultura.

Um grande abraço para ti e aos restantes editores,
Cherno Baldé

PS - Queria acrescentar que as três características ou princípios acima enunciados impedem que o morto seja enterrado dentro de uma urna, salvo casos excepcionais, o mais provável é ser retirado do caixão e enterrado na maior simplicidade possível.

Voltando a atualidade, é isto que explica o facto de os chamados fundamentalistas destruirem os mausoléus no norte de Mali (Tombouctu). São contradições de difícil solução dentro da própria religião que, ainda, não têm uma solução pacífica.

O cemitério do alto de S. João, [em Lisboa,]  está melhor urbanizado e apetrechado que muitas cidades
do terceiro mundo. Cherno


2. Recorde-se aqui, mais uma vez,  a lista das 11 unidades que passaram por Guileje, entre fevereiro de 1964 e maio de 1973 (Fonte: Carlos Schwarz/Nuno Rubim, 2006)

  1. CCAÇ 495 (Fev 1964 / jan 1965);
  2. CCAÇ 726 (Out 1964 / .jul 1966) (contactos: Teco e cor art ref Nuno Rubim);
  3. CAÇ 1424 (Jan 1966/Dez 1966);
  4. CCAÇ 1477 (Dez 1966 / jul 1967) (contacto: Cap Rino);
  5. CART 1613 (Jun 1967 / mai 1968) (contacto: Cap José Neto, já falecido, em 2007);
  6. CCAÇ 2316 (Mai 1968 / jun 1969) (contacto: Cap Vasconcelos);
  7. CART 2410 (Jun 1969 / mar 1970) > Os Dráculas (contacto: Armindo Batata, ex-comandante do Pel Caç Nat 51, jan 1969  / jan 1970);
  8. CCAÇ 2617 ( Mar 1970/Fev 1971) > Os Magriços (contacto: Abílio);
  9. CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971) (contacto: cor inf ref Jorge Parracho);
  10. CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje (açorianos) (contacto: Amaro Munhoz Samúdio):
  11. CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) > Os Piratas de Guileje (contacto: José Casimiro Carvalho).
Observ. - Receio que o nosso camarada e amigo Nuno Rubim, talvez o maior estudioso do dossiê Guileje/Gadamael, se tenha enganado na designação da 1ª companhia que terá passado por Guileje, com início em fevereiro de 1964... Ele refere a CCAÇ 495, quando provavelmente se queria referir á CART 495 ...
Não tenho a certeza da existência da CCAÇ 495... A CART 495, mobilizada pelo RAL 1, partiu para o TO da Guiné em 17/7/1963 e regressou a 24/8/1965. Teve como comandante o cap art Ângelo Rafael Leiria Pires. Esteve em Aldeia Formosa e Nhraca, possivelmente com um pelotão destacado em Guileje. Da mesma época, era a CART 494, comandada pelo cap art Alexandre da Costa Coutinho e Lima, tendo estado em Ganjola, Gadamael e Bissau. Talvez o Coutinho e Lima nos possa tirar esta dúvida. Quanto ao Nuno Rubim, não tenho tido notícias dele há muitos, muitos meses!
_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 26 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10435 Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (1): População de Guileje

9 comentários:

Luís Graça disse...

Ao Luís Birrega, que hoje faz anos:

Luís, que tenhas um dia em grande!... Muito folgo em ver-te pela Tabanca Grande. E aproveito par te mandar como prenda... um pedido de comentário ás fotos do Armindo Batata, uma sequência fotográfica de um "funeral fula"...

Tu que conviveste com os fulas, como eu, e tens inclusive um pequeno dicionário fula-português, é possível que tenhas assistido a algum funeral... Lembras-te como eram celebradas as cerimónias fúnebres entre os fulas, islamizados ? As legendas, minhas, que acompanham as fotos estão corretas ?

Mais do que um funeral fula, deve tratar-se de um funeral muçulmano, ou segundo o rito muçulmano... Ou não ?

Só assisti a um funeral, e foi de um soldado nosso, da CCAÇ 12... Levámo-lo à sua aldeia numa urna de madeira, e prestámos-lhe honras militares... Não me lembro de ter assistido à descida do corpo à terra... Foi no regulado do Cossé, a 8 ou 9 de setembro de 1969... Ele morreu a 7. Não sei se a urna ia chumbada.

Um Alfa Bravo. LG

Cherno Baldé disse...

Caro Luis Graca,

As legendas sao corretissimas, mas no intitulado, eu prefereria que fosse "funeral muculmano" porque é disto que se trata, pois o ritual é o mesmo entre os muculmanos de todas as origens e as pequenas diferencas que se podem notar resultam de condicoes concretas dos meios de cada comunidade.

O Armindo Batata da-nos nestas imagens a impressao de um observador atento ao que se passa ao redor, nao obstante, escapou-lhe a parte da oracao funebre (conjunta) que é feita na moranca, antes de partir para a sua ultima morada onde participam todos, homens e mulheres.

Torna-se quase impossivel identificar o(a) morto(a) a partir das imagens (se é civil ou militar, homem ou mulher), mas a padiola é militar e deve pertencer aos servicos sanitarios do quartel que, neste caso substitui a funcao tradicional da esteira fabricada com fibras de colmo que deveria servir para enrolar e transportar o defunto ao local do enterro.

A praxe muculmana manda que o cemitério esteja situado fora da aldeia e a proteccao da sepultura suficientemente solida para evitar que as hienas e jagudis facam das suas.

O funeral muculmano caracteriza-se pela sua simplicidade, rapidez e equidade, cada uma delas com o seu lote de vantagens e inconveniencias, dependendo do ponto de vista de quem observa ou analisa. Todavia, uma coisa é certa, sao cada vez mais as comunidades africanas que aderem, nomeadamente na Guiné-Bissau, provavelmente para diminuir o fardo dos custos (sociais e economicos) ligados as tumultuosas e repetitivas cerimonias de culto aos mortos em tempos de crise generalizada.

Aceitem esta contribuicao de um leigo e muculmano pela cultura.

Um grande abraco para si e aos restantes editores,

Cherno Baldé


Anónimo disse...

PS: Os dois comentarios entraram em simultaneo e queria acrescentar que as tres caracteristicas ou principios acima enunciados impedem que o morto seja enterrado dentro de uma urna, salvo casos excepcionais, o mais provavel é ser retirado do caixao e enterrado na maior simplicidade possivel.

Voltando a atualidade, é isto que explica o facto de os chamados fundamentalistas destruirem os mausoleus no norte de Mali (Tombouctu). Sao contradicoes de dificil solucao dentro da propria religiao que, ainda, nao tem uma solucao pacifica.

O cemitério do alto de S. Joao esta melhor urbanizado e apetrechado que muitas cidades
do terceiro mundo.

Cherno

Rui Silva disse...

Caro Cherno Baldé:
Muito bom dia!!
Obrigado pelas tuas informações, de quem gosta, como eu, de saber da cultura, usos, costumes e religiões do povo. Apreciava muito o culto religioso e um pouco diverso, daquele humilde, muito devoto e sacrificado povo nativo.
Já agora perguntava-te, quem era a etnia ou raça que enterrava os seus mortos na vertical, num buraco redondo e à dimensão do seu corpo, suficientemente alto (á altura do defunto) à porta da sua morança? Qual também era a etnia ou raça que rufava, em tempos supostamente determinados, os seus tambores em honra dos defuntos?
Com a maior consideração,
Recebe um grande abraço.
Rui Silva

Torcato Mendonca disse...

Está bem documentado em fotografias e pelo comentário do Cherno.
Os Muçulmanos ficam virados para Meca, de lado evidentemente. Haveria que acrescentar mais um ou outro pormenor - a oração e o choro.
Um dia um picador de Mansambo ficou, o cadáver, reduzido a uma perna e uma parte da anca.Desapareceu o resto. Não entro nos pormenores de como aconteceu.
Já com o funeral pronto o Chefe da Tabanca, Leonardo Baldé, veio ter comigo e disse:
Campini só tem a perna e como vira corpo para Meca?
Fiquei atrapalhado pois desconhecia o costume da Religião Muçulmana. A minha resposta, depois de ficar um bocado a olhar para o Leonardo,foi: - se eu me virar para Meca, e estiver deitado, o pé fica com os dedos assim e demonstrei. O Leonardo pensou e com um sorriso disse: concordo.
Assim fizeram e o valente militar foi certamente recebido por Alláh.
Deixou viúva e dois filhos...como não era QP,QE ou Miliciano, a viúva e descendentes não tiveram direito a pensão...
Ab T.

Cherno Baldé disse...

Bom dia amigo Rui Silva,

Nao ha nenhum mal em perguntar. Pessoalmente, penso que a utilizaçao dos cemitérios entre os povos negros ao sul do Sahara está intimamente associada a adopção ou conversão as religiões monoteistas (Muçulmana e Judeo-Cristã).

Na Guiné, a maior parte das aldeias dos grupos não muçulmanos, nomeadamente Balanta, Pepel, Bijagó etc. não têm cemitérios e os mortos são enterrados dentro da morança quando não é dentro da sua própria casa.

Claro que não podemos generalizar e, pelo facto de acontecer assim e não doutra forma não retira nem acrescenta, de per si, qualquer valor cultural ou mérito social.

Quanto as posiçoes, vertical ou horijontal, não posso confirmar nem desmentir, os povos são muitos e as práticas variam muito de uma comunidade à outra.

Os povos a que fiz alusão mais acima utilizam, antes e durante as cerimónias, o instrumento de som chamado Bombolom.

Os antigos combatentes que passaram pela zona sul devem estar recordados daqueles sons ritmados e ocos, durante as noites, que muitas vezes serviam de meio de comunicação entre aldeias Balantas quando não era para prevenir sobre as operaçoes desencadeadas a partir de certas localidades durante a guerra.

Espero ter sido util na procura de respostas as tuas indagações.

Um abraço amigo,

Cherno Baldé




Rui Silva disse...

Amigo Cherno:
Obrigado pela tua atenção e ulteriores esclarecimentos.
Lembro-me que na minha primeira saúde para o mato (saída de Bissorã para Queré) foi confrontado, logo ao alvorecer, por batuques (os bombolons concerteza)não muito longe de onde andávamos e já perto de Queré. Intrigado (e assustado) com aquilo, pensando que eram sinais acústicos de um povo para outro, a denunciarem a nossa presença ali, perguntei a um dos velhinhos que nos acompanhavam e ele logo me disse que era um chôro. A nova pergunta agora, o que era um chôro, ele disse-me que foi alguém que morreu para aqueles lados do batuque. Foi a minha primeira lição de "o que fazem aos defuntos na Guiné".
Era curioso, a maneira díspar como as etnias cuidavam os seus mortos. Isto num país, colónia ou estado (como queiram), hoje país, naturalmente, tão pequeno.
Recebe um abraço e votos da melhor saúde.
Rui Silva

Anónimo disse...

1. Mensagem de
Alfredo Costa
costa_fred@msn.com
15 Set 2012


Olá, amigo Luis, a gente tivemos em Guilege de 1972 até 73, o nosso nonme era Gringos de Guileje, talvez você se recorde da gente.

2. Resposta de L.G.:

Os Gringos estão aqui representados no blogue... Infelizmente a malta açoriana aparece muito pouco por aqui. Dá notícias tuas: por onde paras ? tens fotos de Guileje ? tens ido aos encontros da tua companhia ? Enfim, dá notícias mais detalhadas.

Um Alfa Bravo (ABraço). Luís Graça

admor disse...

O único enterro em que fui chamado a participar ou convidado aconteceu em Barro.
Um homem grande de etnia balanta que se chamava Fonseca, meu cliente certo da enfermaria fez questão ou a sua família que eu assistisse ao seu funeral.
Assim, quando cheguei à tabanca na casa onde ele morava estava o Fonseca sentado numa poltrona de veludo vermelho, bastante coçado e com duas ou três notas enroladas e metidas nos lábios.
Quando foi a enterrar ao lado da sua casa foi precisamente num buraco aberto na vertical e na mesma posição de sentado em que estava na poltrona, que devia de servir para estas situações.
Não sei se a sua posição respeitava alguma orientação, mas como os balantas eram animistas acho que não devia ter qualquer sentido obrigatório, como Meca para os muçulmanos.
Fiquei bastante surpreendido com estas situações, mas não fiz quaisquer perguntas, nem na altura nem depois, o que realmente foi pena, pois poderia agora estar mais elucidado sobre o assunto.
Um grande abraço para todos.
Adriano Moreira