domingo, 23 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10424: Blogpoesia (300): Deram-me uma arma... (Ricardo Almeida, o poeta da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71)


1.  Poema do novo membro da Tabanca Grande  Ricardo [Marques de ] Almeida [, foto à esquerda,], que em 8 de agosto de 2012 se apresentou nestes termos 


Boa tarde,  camarada Luis graça.

Antes de mais, começo por me apresentar, como ex- 1.º cabo nº 08922568 da CCAÇ 
2548 / BCAÇ 2879, do 3º pelotão, comandado pelo alferes João Rebelo e dentre os demais furrieis destaco o furruiel Godinho, ,  o fotografo-dia,que registava as nossas imagens.

Camarada desde o nascimento do nosso blogue que tento entrar sem o conseguir até agora, mas adiante.

Acuso a mensagem que me enviaste dando-me conta de alguns pormenores como o destacado nela, a segurança montada pela tua companhia no regresso da 2548 para Bissau á espera de embarque para Portugal.

Por minha infelicidade, não fiz essa viagem de despedida visto a minha guerra ter antes terminada.  Ou melhor, travei outr, a talvez esta mais violenta que a primeira a que nos estamos a referir pois, foi travada noutras frentes de hospital, em hospital (Caramulo incluído), devido a  tuberculose pulmonar que poderia ser a minha última batalha, deixando-me esta agarrado para sempre, à ADFA - Associação dos Deficientes cdas forças Armadas, meu refúgio e minha segunda casa (...) 

Viseu em 8/8/12
Ricardo Marques de Almeida

[ ex-1.º Cabo da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71]




2. Mensagem inserida na nossa página do Facebook, em 21 do corrente:


Em mensagens anteriores via e-mail apresentei-me à Tabanca Grande como sendo o ex-1º cabo nº  089225/68,  respondendo pelo nome de Ricardo Marques de Almeida,  da CCAÇ 2548 / BCAÇ 2879 que passou pela Guiné nos anos de 1969 a 1971,  sendo este batalhão comandado pelo malogrado tenente coronel Manuel Agostinho Ferreira. 

Apresentei-me com várias fotos e um poema que ainda estarão  em vossa posse á espera de serem publicadas.  Também (vide história do BCAÇ 2879) estou postado no blogue de Carlos Silva sobre a guerra da Guiné. (...)


3. .Poema publicado em 18 de setembro, na nossa página do Facebook >Tabanca Grande 


Deram-me uma arma e disseram-me
estima-a bem, porque vai ser tua mulher
e tua amante!

E
de agora em diante,
haja o que houver,
só ela te pode valer
em momentos de aflição.

E
ganhar-lhe-ás afeição,
porque só ela te pode safar,
em situações menos boas
ela serve para matar.

E
defenderes teus camaradas
ao fazerem emboscadas
naquelas matas escuras,
sofrendo a humilhação
de andar á caça de vidas,
muitas delas por lá interrompidas,

E
outras por lá ficarão
para sempre esquecidas,
enterradas sem caixão.

E
seu pai sem o saber
E
de coração apertado
pensa nada acontecer
ao seu filho tão amado!


Mas eis que chega o carteiro
com a noticia inesperada,
ele salta do pardieiro
onde então se encontrava...

E
estranhando o aerograma
porque era de forma diferente~,
lhe entrega o telegrama
com o faz a tanta gente!

O EXÉRCITO PORTUGUÊS
VEM DIZER-LHE QUE SEU FILHO
AGORA MARCHOU DE VEZ,
VAI CAMINHAR NOUTRO TRILHO.

na sua nova morada
uma árvore é plantada,
de seu gosto o seringueiro
para assinalar que ali
E
a quem passar por aqui
verá Portugal inteiro.


Mas outra árvore nasceu
E
como a outra cresceu
na campa daquele soldado
que foi preciso ele morrer
para Portugal o ver
como cidadão inteiro!

E
de mãos dadas caminham
em perfeita solidez,
numa amizade eterna,
o soldado português
E
o preto guerrilheiro...
vir de tão longe morrer
na pátria de outro ser
E
obrigado a combater
os filhos de outro povo,
sem que razão mais houvesse
p'ra que isso acontecesse.

LIBERDADE, INDEPENDÊNCIA
PÃO, EDUCAÇÃO
SAÚDE, CIÊNCIA

NASCEU EM PORTUGAL
MAMOU LEITE PORTUGUÊS
HOJE É UM SEM ABRIGO EM PORTUGAL
HOJE É UM INDIGENTE PORTUGUÊS

e
hoje
e
hoje
e
hoje.

escrito no ponche de protecção
nas matas de Lamel,

setembro de 1969.
Marques de Almeida

__________________

Nota do editor:

Último poste da série > 18 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10401: Blogpoesia (299): Memória da guerra (António Graça de Abreu)

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro camarada Ricardo Almeida

Três breves comentários:

- para te saudar nesta tua adesão a este grupo, que nada te impede de dares as tuas contribuições onde bem entenderes, como é natural, mas que se sente mais enriquecido pela tua presença, com toda a tua memória dos tempos de guerra que viveste e que, afinal, também foram os nossos;

- para lamentar o teu infortúnio no que diz respeito aos problemas de saúde mas com o respeito e a admiração que merece quem consegue lutar e lidar com tal situação;

- para referir o teu poema, que tem bastante conteúdo crítico e revela uma observação muito aguda do que se passava à tua volta.

Abraço
Hélder S.