sábado, 1 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10313 Efemérides (108): No dia em que o primeiro homem pisou a lua... Neil Armstrong (1930-2012), um herói do nosso tempo, visto de Samba Cumbera, tabanca fula a sudoeste de Galomaro, longe do Vietname, a 400 mil km de distância do nosso satélite (Rui Felício / Luís Graça)



Neil Armstrong (1930-2012), antigo combatente da guerra da Coreia, astronauta da NASA, o primeiro homem a pisar a lua... Foto da NASA, tirada a 1 de julho de 1969. (Fonte: Wikipédia).


1. Ontem foi um dia especial, 6ª sexta-feira, 31 de agosto de 2012... Dia de lua cheia, a "lua azul" (nome da lua quando ocorre duas luas cheias no mesmo mês: tinha ocorrido uma primeira lua cheia a 2 de agosto e a agora ocorreu a segunda: é um fenónemo com alguma raridade, acontece em cada  dois anos e picos...  A lua azul anterior ocorreu em dezembro de 2009, e a próxima será em julho de 2015).

Por estranha coincidência ou não, o primeiro homem que pisou a lua, Neil Armstrong, foi ontem a enterrar, numa cerimónia privada. Tinha morrido dias antes, a 25 de agosto de 2012. Com 82 anos. Na Grécia antiga, seria um herói, um semideus. Para os norte-americanos, e para todos os habitantes do planeta, o dia 20 de julho de 1969 foi uma datas mais memoráveis do séc. XX, e o comandante da missão Apolo 11 tornou-se um "ícone global", A família definiu-o como um "herói americano relutante"...Milhões de pessoas viram-no, pela televisão, em direto, descer na superfície lunar. Ele e Edwin Aldrin foram os primeiros humanos a descer no satélite da terra e explorar, durante 2 horas e meia, a sua superfície.

Nascido em 1930, Neil Armstrong começou por servir o seu país, na marinha de guerra, foi piloto e combateu na guerra da Coreia. Entrou para a NASA em 1962 e em 1965 comandou a missão Gemini VIII, indo pela primeira vez para o espaço.

Em 20 de julho o nosso camarada Rui Felício estava com o seu grupo de combate reforçando o sistema de autodefesa de uma tabanca, Samba Cumbera,  a sudoeste de Galomaro. Ele era um dos "baixinhos de Dulombi", alf mil da CCAÇ 2405, adido ao BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Eu. por minha vez,  tinha chegado Bambadinca, sede do setor L1, em 18 de julho, vindo de Contuboel. A minha companhia, CCAÇ 2590 (mais tarde, CCAÇ 12), passava a estar às ordens do comando daquele batalhão.

Em 20 de julho de 1969, domingo, não soube lamentavelmente desse grande acontecimento, de imediato reconhecido como um marco na história da humanidade. Ou se soube, não me lembro. Alguns dias depois, a 24 de julho, 3 grupos de combate da minha companhia tiveram o seu batismo de fogo, em farda nº 3, ainda nem sequer tinham chegado os camuflados para os nossos  soldados africanos. Em Madina Xaquili, a sudeste de Galomaro... na Guiné, longe do Vietname, a menos de 400 mil km da lua... 

Sobre esta efeméride o Rui Felício, um, homem sábio, escreveu um poste de antologia, na I Série do nosso blogue (nº 640, de 19 de março 2006).  Muitos leitores não o conhecem, nem ao poste nem ao autor. É da mais elementar justiça reeditá-lo. É ao mesmo tempo quádrupla homenagem, (i) ao Rui Felício, português, ecuménico, tolerante, sábio;  (ii) ao seu companheiro daquela noite, o Samba, chefe da tabanca de Samba Cumbera, um outro homem sábio, fula, guineense, muçulmano;   (iii)  ao primeiro homem que pisou a lua e que acaba de nos deixar, um herói do nosso tempo; e  ainda, e porque não, (iv) à lua, ora azul, ora vermelha, ora prateada, o satélite do nosso planeta que nos fascina, emociona, inspira, intriga, interpela, provoca, desafia...e a quem os cães ladram...LG


A lua, nosso satélite... Foto da NASA


Aldrin, da missão Apolo 11, na superfície lunar, em 20 de julho de 1969. Foto da NASA.



31 de agosto de 2012 > A minha "lua azul", tirada de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses, Portugal... (Foto de Luís Graça)




2. O dia em que o homem foi à lua
por Rui Felício


Era domingo… Durante todo o dia a rádio ia noticiando a chegada do homem à Lua… A célebre frase do astronauta [, Neil Armstrong] afirmando que o passo que acabara de dar em solo lunar era um passo de gigante para a humanidade, era escutada repetidamente nos pequenos transistores que nos mantinham ligados ao mundo.

Claro que não havia televisão na Guiné e, mesmo que houvesse, jamais seria vista em Samba Cumbera, pequena tabanca onde a luz nos era fornecida através de garrafas de cerveja cheias de petróleo, nas quais se embebiam torcidas de desperdício que, depois de acesas, nos enchiam os pulmões de fuligem e fumo.

Mas nos confins da mata, longe de toda a civilização, a importante notícia precisava de ser partilhada e divulgada... Os soldados se encarregariam de o fazer à sua maneira, junto das bajudas. Por mim, preferia meditar sobre o assunto, silenciosamente... Afinal os nossos avós jamais imaginariam que alguma vez o homem pudesse chegar à Lua, apesar de Júlio Verne, o visionário do século anterior, já o ter previsto…

E, longe das mais modernas evoluções da ciência e da tecnologia, os naturais da Guiné que nasciam e morriam na sua aldeia da selva sem nunca sairem do pequeno perímetro onde viviam, muito menos sonhariam com essa utópica possibilidade de o homem chegar à Lua.

Como muitas vezes fazia, depois de jantar, sentei-me numa cadeira de fula, onde descansava semi deitado, olhando o céu, nessa noite muito limpo e estrelado…Bem alto, a luz branca da lua, em quarto crescente, derramava-se pela orla da floresta e pelos cones de capim dos telhados das tabancas, desenhando sombras fantasmagóricas pelo terreno limpo do centro da aldeia.

E mantive-me assim deitado, o olhar fixo na lua, tentando perscrutar o mais pequeno sinal da presença do homem que eu sabia estar ali vagueando, em qualquer lugar do Mar das Tempestades…

Não sei quanto tempo assim me mantive, absorto, atento e quieto… Despertei e voltei à realidade com a voz do meu simpático amigo Samba, Chefe da Tabanca de Samba Cumbera, que me perguntava se podia sentar-se a meu lado, para o qual arrastara uma cadeira semelhante à minha…

Era um homem de grande cultura árabe, que conhecia muito da história do islamismo, que sabia com um estranho rigor a exacta direcção de Meca, que lia e escrevia árabe, que conhecia em pormenor toda a história dos Fulas e da razão de ser da sua permanência na terra da Guiné… Para onde, dizia, foram empurrados em sucessivas lutas tribais com os seus rivais Mandingas…

As nossas conversas eram normalmente muito agradáveis e, posso dizer, sempre aprendi mais com ele do que ele comigo…Temos a tendência e o preconceito de avaliar os outros pelos nossos parâmetros e pela nossa cultura, catalogando-os de bárbaros e analfabetos só porque não têm o conhecimento e a instrução, medidos pelos nossos padrões.

Aprendi que no meio daquela gente existiam homens com conhecimento mais vasto e aprofundado que muitos dos nossos soldados… O Samba era um deles…Perguntou-me porque estava tão pensativo e quieto… Respondi-lhe que aquela noite era muito especial para o mundo, porque estava se passando algo que nunca antes tinha acontecido…

Franziu o rosto, comentando que, pelo meu ar, não devia ser coisa boa… Sorri, dizendo-lhe que era exactamente o contrário…E, embora sabendo de antemão a resposta, perguntei-lhe apenas como forma de iniciar a revelação do que estava acontecendo:
- Sabes que neste preciso momento um homem como nós caminha na lua que está ali em cima diante dos nossos olhos?

A reacção foi inesperada e contrária a tudo o que eu teria imaginado:
- Alfero! Não é um homem como nós, não! É o profeta Maomé que, juntamente com Alá, dali nos vigia a todos, para nos proteger, nos ensinar o caminho justo e para nos castigar quando dele nos desviamos…

E prosseguiu:
- Como é possível que homem grande e instruído como o Alfero, só hoje soubesse isso? Não entendo mesmo!...

Pensei durante uns segundos se devia argumentar, puxar dos meus galões de homem civilizado, e demonstrar-lhe a minha superioridade, provando-lhe que não era nada daquilo que ele dizia. Desisti de o fazer…

Afinal, ambos nos estávamos alimentando de sonhos… e, cada um à sua maneira, sentíamo-nos felizes pela beleza insubstituível de um luar africano em noite calma e limpída…Independentemente de quem lá estava caminhando naquele momento…

Rui Felício,
Ex-Alf Mil Inf,
3º Gr Comb
CCAÇ 2405
(Dulombi, 1968/70)

P.S. - Passados dias, com a chegada de um jornal de Lisboa, mostrei-lhe as fotografias do astronauta pisando a Lua. E, então expliquei-lhe o que realmente se tinha passado naquela noite… Pelo seu ar meio trocista, ainda hoje não sei se o convenci… Mas como ele também não me convenceu que por lá andavam Alá e o Maomé, ficamos quites, cada um na sua... em paz!

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Notas do editor:


Último poste da série > 10 de agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10246: Efemérides (107): Dia 10 de Agosto de 1972 - Naufrágio no Rio Geba de um sintex com pessoal da CART 3494 (Jorge Araújo)

7 comentários:

J. Gabriel Sacôto M. Fernandes (Ex ALF. MIL. Guiné 64/66) disse...

Parabéns, pela efeméride . Gostei muito da justícima homenagem.
João Sacôto

Luís Graça disse...

Antes de sermos portugueses, americanos, chineses, guineenses, angolanos... antes de cristão, judeus, muçulmanos, budistas, agnósticos, ateus...somos todos seres humanos, da espécie "Homo Sapiens Sapiens"... É também por isso que gosto deste texto...

antonio graça de abreu disse...

Com certeza, cada um na sua.

Mas ainda hoje grande parte do Islão.
afirma a pés juntos que os americanos jamais desembarcaram na lua. Foi tudo fotomontagem.

E aí não é cada um na sua. Existe ou não existe o conhecimento verdadeiro e autêntico da realidade?
Realidades mais do que reais. Não estamos a falar de sonhos e utopias,ou será que estamos?

Bato-me, há cinco anos no blogue, pelo respeito pela verdade.
A verdade nua e crua,com lua ou sem lua.

Abraço,

António Graça de Abreu

Torcato Mendonca disse...

Olá Boa Tarde

A verdade. É por ela que alinho umas palavras. Talvez tenha cometido um erro. Se bem me lembro, há muito, escrevi algo sobre este facto ou feito. - a ida do homem á Lua.
Só soube mais de um mês depois. Como aconteceu com outros acontecimentos...homem di mato...sem jornal, nem tambor de som ou fumo de índio.
A memória deve cometido um erro quando disse que vi na Revista Flama, e a noticia foi-me dada pela esposa do Cmdt do Bcaç 2852, D. Alzira, de que o homem "passeava" na Lua.Por esse tempo já não estavam lá, creio eu. Deve ter sido outro acontecimento, o sismo de Fevereiro ou outro que não recordo. Fui ver a agenda, quase cifrada,e por esse tempo estava no COP 7 -Galomaro com a 2405/Páras e a "brincar" com o IN que se comportava de forma atrevida e teve que levar reprimenda.

As recordações esbatem-se muito e a memória, mais hoje do que quando escrevi o que acima relato, degradou-se mais do que eu desejava. Vidas.

Ainda recordo ter acompanhado a 2590 ou Ccaç 12 a Madina e por lá embrulharem. Eu embrulhei logo a seguir em Canssamba. Tinha cerca de 19 meses de comissão e era mais uma...foi na altura do Mamadu Indjai...

Confesso que tenho saudades daquilo e, principalmente, de mim

Abraço a esta Tertúlia, T.

Luís Graça disse...

Pois é, Torcato, o mesmo Mamadu Indjai que vocês feriram gravemente, umas semanas depois, numa operação conjunta que fizemos n o âmbito COP 7, de Galomaro (CART 2339, CCAÇ 2405, CCAÇ 12, BCP 12...) e que mais tarde fará parte do grupo de traidores que conspirou contra (e assassinou) o Amílcar Cabral. Segundo o Bobo Keita, o Mamadu Indjai foi fuzilado em Conacri.

Anónimo disse...

"confesso que tenho saudades daqui_
lo e... principalmente de mim".Pa_
lavras lindas de grande sentimento
e conserteza de um nobre coração,
palavras que eu gostava também que
fossem minhas.Palavras cheias de nostalgia,uma nostalgia boa que não
envergonha nem diminuí ninguém.Nos_
talgia essa que um sr. jornalista
francês já se referui a ela,
neste blogue há meses atrás, foi mal
interpretada e "nós"logo de
imediato regeitamos,porque nos li_
gava a uma guerra da qual nos en_
vergonhamos, porquê?,fomos "nós" que a desencadeamos e alimentamos?
Obrigado Camarada e sr. Torcato Mendonça.
Carlos Nabeiro.

Antº Rosinha disse...

O mundo rebentou as costuras a partir dessa data.

Mais ou menos a partir daí, os cientistas
divulgaram tecnologias que mudaram o mundo. O que hoje temos de mais vulgar como a máquina de fazer cálculos matemáticos a pilha, que substituiu aquela máquina de manivela "Facit", apareceram em Portugal passados 2 ou 3 anos.
Medir uma distância de quilómetros, com rigor de milímetros, com um toque num botão, já se fazia cá e nas colónias em 1973.

Na medicina computorizada, os cientistas divulgaram muita coisa das experiências que fizeram.

O que os cientistas poderão ainda fazer? Qual será o limite?

Na altura de Armstrong falava-se que já nadavam vozes no espaço de astronautas perdidos.

Seria verdade? é que cientistas "malucos" não faltarão.