terça-feira, 17 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10161: Memória dos lugares (188): Lisboa, Belém, os vivos e os mortos, o passado e o futuro... (Luís Graça)




Lisboa > O Tejo e o Centro Champaliimaud... > 4 de julho de 2012 > O Pedro e a sua família... Um quadro que poderia ter sido pintado por um surrealista, italiano (Giorgio di Chirico) ou português (António Dacosta)... Ou até por um respeitável "velho do Restelo", mais agarrado às âncoras do passado do que capaz de desfraldar as velas loucas do futuro... Afinal, donde vimos, para onde vamos ? Nós, o coletivo a que chamamos Portugal e os portugueses...



Lisboa > 4 de julho de 2'012 > O Pedro e a família, em Belém, junto ao Monumento aos Mortos do Ultramar > Inaugurado em 1994,  o monumento é uma homenagem a todos os soldados que morreram ao serviço de Portugal, entre 1961 e 1975. A parede em redor do monumento (, parede exterior do forte do Bom Sucesso, ) está revestida com mais 180 placas com o nomes gravados dos cerca de 9000 combatentes que a morte ceifou no Ultramar, nessa época (em combate, em acidente, em doença).




Lisboa > 4 de julho de 2012 > A lista infindável de mortos... 1969, 1970, 1971, 1972... Felizmente, não consta lá o nome do avô e pai José Ferreira Carneiro, natural de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canveses, que fez a guerra de Angola, em Camabatela (1969/72)...



Lisboa > Pastéis de Belém  (*) > 4 de julho de 2012 > O Diogo, turista ocasional, fã do Iphone e da playstation,  tripeiro, de 9 noves anos, num dos lugares obrigatórios de Lisboa, para quem vem à capital que já o foi de um vasto império, donde vinham a cana de acúçar e o pau de canela... 


Fotos : © Luís Graça  (2012). Todos os direitos reservados.


1. Há dias passei por Belém, numa visita guiada em que servi de cicerone a um casal de sobrinhos meus, do Porto, e entre outras coisas fui mostrar-lhes o monumento aos mortos do Ultramar (ou aos combatentes ?), que eles pura e simplesmente desconheciam... Lisboa tem muitas coisas para ver, e a descobrir, de preferência  a pé e devagar, em certas horas do dia, em certos dias da semana... mas os cemitérios e os monumentos aos mortos não serão, de certo,  para  os jovens, os lugares que lhes despertarão mais interesse e curiosidade.

Estacionámos por ali perto, junto ao forte do Bom Sucesso (hoje transformado num  ainda obscuro, vazio e triste museu do combatente) com a ideia de ir visitar o Centro de Investigação da Fundação Champalimaud, a doca de Pedrouços, a Torre de Belém, a caminho dos pastéis de Belém que estão para Lisboa e os seus mouros como as francesinhas estão para o Porto e os seus morcões...

O Pedro é um morcão querido, um sobrinho da minha mulher de quem eu gosto muito,  tem hoje trinta e  poucos anos, e fez muitas vezes férias juntamente com os meus filhos em pequeno. É filho do meu cunhado, José Ferreira, que fez a sua comissão de serviço militar (sic), em Angola, em Camabatela, no tempo da guerra do ultramar ou guerra colonial, como quiserem. É além disso um jovem que já sentiu, muito cedo, adolescente, a dor imensa da perda precoce e irreparável de uma mãe, vitimada por doença à época incurável...

O Pedro, que é pescador e músico de jazz, e um qualificado técnico de inspeção de gás do Instituto de Soldadura e Qualidade, na delegação do Porto,  ficou impressionado com a lista infindável de nomes de combatentes que morreram pela Pátria no antigo ultramar português, ou melhor dizendo, na(s) guerra(s) colonial(ais). Eu próprio me virei para o seu filho, de nove anos, e comentei:
- Já viste, Diogo, meu morcão ?!...  Se o nome do teu avô estivesse inscrito nestas paredes, tu nunca terias nascido...

Não sei se o puto, entretido com um dos seus jogos de guerra preferidos, no Iphone, me ouviu e, em caso afirmativo, se entendeu a minha mensagem... Ele (e o pai) pertence a um geração que felizmente não conheceu a guerra, as suas angústias, incertezas e horrores... O Diogo é, além do mais, um filho do séc XXI, da aldeia global, da realidade virtual, do Iphone, do Ipad, do cinema 3D, da playstation, da televisão digital, da Web 2... Pergunto-me como lhes podemos contar, a ele e à sua geração,  a história desta guerra, parte integrante da nossa história pátria... Como sermos suficientemente sábios, assertivos e incisivos, sem cairmos no risco de nos tornarmos patéticos, demagógicos, ridículos ?



Pela minha parte estou seguro - pelo que conheço dele - que o meu cunhado nunca contou ao filho, muito menos ao neto, as suas peripécias lá pelas fazendas do café, no norte de Angola, entre 1969 e 1972 [, foto à direita]... Ele era 1º cabo radiotelegrafista, de rendição individual, não sabe sequer o número da companhia a que esteve adido nem nunca mais encontrou (nem procurou) um camarada de guerra, ou os seus antigos camaradas de guerra... 


Pura e simplesmente ele fechou, como muitos outros de nós,  esse capítulo da sua vida. Restam-lhe as muitas dezenas de cartas e aerogramas que recebia da família, e que ele organizou, meticulosamente, em Camabatela, por data e remetente, e que trouxe consigo, religiosamente, como património valioso.  Restam-lhe ainda uma mão cheia das cartas que ele enviou à mana Chita... e que escaparam aos trambolhões do espaço e do tempo. 


Não tenho netos. Ainda. Mas,  quando (e se) os tiver, prometo trazê-los pela mão, até aqui a Belém, à Torre de Belém e ao Forte do Bom Sucesso, e esperar que me façam perguntas sobre este imenso mural onde estão os nomes dos nossos camaradas mortos... A memória de um povo transmite-se de geração em geração.  De preferência, "en su sitio", e de viva voz, pelos mais velhos, para os mais novos...

L.G. (**)

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Notas do editor:

(*) História do pastel de Belém:

"O sabor da Tradição:

"No início do Século XIX, em Belém, junto ao Mosteiro dos  Jerónimos, laborava uma refinação de cana-de-açúcar associada a  um pequeno local de comércio variado.

"Como consequência da revolução Liberal ocorrida em 1820, são em  1834 encerrados todos os conventos de Portugal, expulsando o  clero e os trabalhadores.  nNuma tentativa de sobrevivência, alguém do Mosteiro põe à venda  nessa loja uns doces pastéis, rapidamente designados por 'Pastéis de Belém'.

"Na época, a zona de Belém era distante da cidade de Lisboa e o  percurso era assegurado por barcos de vapor. No entanto, a  imponência do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Belém,  atraíam os visitantes que depressa se habituaram a saborear os  deliciosos pastéis originários do Mosteiro.

"Em 1837, inicia-se o fabrico dos 'Pastéis de Belém', em instalações nanexas à refinação, segundo a antiga 'receita secreta', oriunda do  convento. Transmitida e exclusivamente conhecida pelos mestres  pasteleiros que os fabricam artesanalmente, na 'Oficina do
Segredo'. Esta receita mantém-se igual até aos dias de hoje.

"De facto, a única verdadeira fábrica dos 'Pastéis de Belém'  consegue, através de uma criteriosa escolha de ingredientes, proporcionar hoje o paladar da antiga doçaria portuguesa".



Fonte: Pastéis de Belém

(**) Último poste da série > 13 de julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10149: Memória dos lugares (187): Gabu, ontem e hoje (Tino Neves, ex- 1º cabo escrit, CCS / BCAÇ 2893, 1969/71)

4 comentários:

Anónimo disse...

Mensagem do nosso leitor (e camarada de guerra) SNogueira, que nos chega pela caixa de correio, com pedido expresso de publicação aqui:

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Este monumento, quando foi fundado foi votado 'Aos combatentes do Ultramar' e sob esse lema erigido.
Quem é que o converteu em elogio dos mortos, num acto de banalização inaceitável?

'Os mortos' constituem uma inexistência; não se comemora - outrossim os combatentes.

SNogueira

Luís Graça disse...

Salvador:

És capaz de ter razão.. mas, que queres ?... Temos o culto dos mortos...

Na base do monumento, da autoria de Carlos Guerreiro e Batista Barros (que eu não sei quem são...), está gravado: "Aos Combatentes do Ultramar"...

Por detrás, ao longo do muro exterior do forte do Bom Sucesso, tens uma lista funerária, imensa (180 placas, li algures)... onde há também nomes de militares que morreram, mais recentemente, noutras missões fora do contexto da "guerra do ultramar"...

Nas duas primeiras placas, do lado esquerdo, lê-se "Homenagem de Portugal" e "À Memória de Todos os Soldados que Morreram ao Serviço de Portugal, 1958-1975"...

Estamos a falar de "dois" monumentos ?

Anónimo disse...

Estamos a falar de uma colagem ao voto do exemplar monumento, por parte de quem não entendeu um esforço concreto; somos um povo de meias águas... a bem interpretar a opção de quem teve o poder de mandar lá colocar esses anexos.

Honra seja feita aos combatentes; aos mortos, como tal, cabem outras memórias.

SNogueira

Juvenal Amado disse...

O Luís neste poste fala da vida e da morte.
O culto dos mortos é bem latino com o arrasto de todas as nossas tragédias.
O Memorial será para uns uma prova de gratidão e orgulho. Para outros a prova de um crime que foi feito contra a nossa geração e que se transformou num desastre por muitos anos a seguir. Nós e africanos podemos sempre contempla-lo como uma coisa que a nós é devida e que nos pertence até como denuncia.
Eu não renuncio ao direito que ele me pertença também, pois estão lá gravados para além tudo nomes que foram próximos e não tão próximos mas membros da nossa família.

Mas não posso deixar de falar da foto que encabeça o poste. Maravilhosa.

Um abraço