sábado, 12 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9890: Estórias do Juvenal Amado (42): O arroz do nosso descontentamento

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 7 de Maio de 2012:

Carlos, Luís, Magalhães e restante Tabanca Grande
Este é um texto sobre um improvável interesse em relação a um produto que nos acompanhou de forma quase tão constante como as botas ou a G3.
Sobre os benefícios e malefícios do arroz muito foi escrito, mas o que chegou até nós, foi a memória de tempos difíceis como soldados naquela terra que se estranhou e que depois, se entranhou em nós até aos dias de hoje.
As fotos são do meu camarada Caramba e mostram o Restaurante da Morte Lenta em Galomaro, em todo o seu explendor.

Juvenal Amado


ESTÓRIAS DO JUVENAL (42)

NA GUINÉ O ARROZ DO NOSSO DESCONTENTAMENTO

Portugal é por herança dos árabes um dos países europeus que cultiva arroz no seu território. Devido ao Advento dos Descobrimentos onde cerca de 100.000 homens embarcaram nas caravelas à conquista de novos Mundos, foi necessária a importação de mão de obra africana, que colmatasse a falta de braços para cultivar os nossos campos e assim também o arroz. Este veio tornar-se da máxima importância, sendo a sua cultura depois distribuída pelos novos territórios das descobertas. Fácil de transportar e de armazenar, utilizável em qualquer situação, o arroz é consumido por mais de metade da população Mundial, com muita incidência no III Mundo onde é um poderoso antídoto contra a fome.

Esses mesmos trabalhadores possivelmente guineenses ou daquela região, fruto da escravatura, diluíram-se posteriormente nas sucessivas gerações e os descendentes, continuam por aí, como provam especialmente as mulheres de tez morena, lábios carnudos, belíssimos cabelos negros encaracolados e não menos belos bronzeados, quando apanham um pouco de sol.

A inegável beleza da mestiçagem bem patente.

Eu nunca fui grande apreciador de arroz, mas o dito é uma parte importante da nossa gastronomia e foi muito importante na guerra. Os exércitos só se movem de barriga cheia, isso quer dizer, que arroz e feijão estão em lugares cimeiros na dieta dos combatentes.

Em tempo de fartura ele come-se em sopa, quem não gosta de um arroz de feijão, malandrinho, de pimentos, de tomate, com grelos, com iroses, de lampreia, arroz doce, de marisco, de peixe, de polvo, com pasteis e no “Pó de Arroz” que o nosso malogrado Carlos Paião tão bem cantava.

Enfim, é um sem fim de iguarias que o nosso arroz tem por base.

Tempos houve que quase foi banido por ser considerado um perigo para a saúde pública, acusando a sua cultura de mais maléfica do que benéfica. Mudam-se os tempos e mudam-se os conhecimentos e aconselham-nos a ter cuidado com certezas e fundamentalismos. Como noutros casos que são bem actuais, misturou-se politica, saúde e interesses económicos, tendo estes sempre a última palavra.

A minha mãe também pegava na colher de pau e dizia, com um olhar carregado de ameaças: “Anda cá que eu já te dou o arroz”!

Mas com a minha ida para a Guiné, o dito atingiu outros patamares gastronómicos de qualidade “insuspeitável”. Lá era sempre branco. Acompanhava feijoadas, “Estilhaços à Chefe”, com gorgulho, com sardinhas de conserva, com salsichas, com Corned Beff, em alguns destacamentos com marmelada, etc, etc..

Era tão importante que quando ele faltava, tínhamos que por vezes com assinaláveis riscos por picadas pouco seguras e até de travessias de rios em canoas, (como aconteceu algumas vezes no Saltinho) de o pedir emprestado a um quartel vizinho, quase como quem pede hoje uma chávena de arroz à vizinha do 2.º esquerdo, salvo as distâncias da comparação.

Dificilmente os nossos cozinheiros: Nascimento, Esteves, “Risinho” e o ajudante Borrego, teriam pretensões a chegar às tão almejadas estrelas Michelin e se não fossem os conhecimentos dos ajudantes africanos, o caso atingiria foros de tragédia.

Ele ficaria como uma bosta branca tipo papa, que se pegava de tal maneira a tudo, e quando se virava o prato ao contrário ele nunca caía. Os nossos especialistas cozinheiros, confeccionavam-no mais ao menos como foi usado para construir a famosa Muralha da China, com os resultados que todos sabemos ou ouvimos falar.

Está lá há muitos anos e até a única coisa construída pelo homem, que é avistado pelos astronautas nas viagens espaciais.

Mas os ajudantes de cozinha africanos cozinhavam-no ao vapor com um sabedoria difícil de igualar, deixando-o solto, que até parecia milagre para quem ainda cá na Metrópole o tinha gramado da forma argamassa que a tudo se colava.

Galomaro City > Restaurante da Morte Lenta

Quando regressei cumprido que foi o serviço militar na Guiné, o dito cujo foi praticamente banido da minha alimentação durante anos, na companhia das tão celebradas latas de conservas. Hoje já o como nas variadas formas com moderação e há uns tempos de visita a uns amigos angolanos, fui surpreendido com arroz de atum superiormente confeccionado pela Dona Verónica, matriarca da família.

Acompanhado com banana, uma belíssima salada a fazer lembrar aromas e sabores africanos… não é que fiquei fã?

Só provando se pode dar o valor.

Um abraço para todos.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9685: Estórias do Juvenal Amado (41): Um drama causado pelo esquecimento dum carteiro

28 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Meu Caro Juvenal

Quando fui para a Guiné, se bem me lembro,arroz não era especialidade para mim.Lá habituei-me a comer do dito com tal frequência que lhe tomei o gosto...
Regressei um dia e digo-te, volvidos tantos anos posso comer ao almoço e ao jantar. Olhei para o prato da foto e se fosse arroz doce a esta hora...marchava um pouco. O integral, tenho alimentação pouco convencional,não me agrada tanto, mas marcha trés bien.
Abraço e bom apetite, T.

Juvenal Amado disse...

Lembrei-me agora de que o arroz tem sido usado em ameaçador como aminha mãe fazia, mas também é usado de forma a enaltecer outros produtos que com ele nada tem a haver.
Assim quando a peixeira Maria Adelaide, nazarena dos quatro costados, usava o o termo
" SÃO ARROZ DOCE"
referindo-se aos carapaus secos de duvidosa cor e não menos duvidoso cheiro.
Ainda hoje me farto de rir com este e outros ditos dela, tendo o cuidado de mudar de passeio, quando caminho junto ao local da seca desse "pitéu".

Antº Rosinha disse...

Os africanos das nossas antigas colónias (todos em geral, antes da guerra))olhavam para o bacalhau e as batatas o pão e o azeite etc. que se consumia à mesa do branco, como uma alimentação muito pobre.

Quando em Angola a tropa resolveu acabar com o apartheid do refeitório do soldado I sem garfo e faca e do soldado C, foi uma tragédia para os I.

Criaram-se à porta dos quarteis "restaurantes" com várias mulheres a cozinhar a lenha, a fuba, o feijão com chabéu, o peixe seco a batata doce, a carne seca, o giló, a mancarra com açúcar, e era ver os soldados sairem do refeitório depois do bacalhau e das batatas e correrem para "matar" a fome à porta do quartel.

Em Bissau come-se a sopa de ostras que não tem cá, nem em Angola, nem no Brasil e nunca ouvi falar que haja noutros lugares: diz-se mais ou menos "spichespache".

Bem feito é divinal.

(Mas o arroz sempre insubstituível

Anónimo disse...

Camarigo Juvenal
Nunca fui "fã" de arroz. Antes de ir para a Guiné, já não era benvindo.
Depois de estar 59 dias em Pitche a "bianda" ao almoço e ao jantar, quando regressei estive para aí uns 10 anos sem comer...agora vou comendo de vez em quando e tem que ser "malandrinho", senão não "marcha".
Mantenhas

Luís Borrega

Hélder Valério disse...

Caros camarigos

"Espera aí que já te dou o arroz!"

O Juvenal fez bem em trazer este inseparável companheiro para este espaço de recordações. Para além do mais também para amenizar certas amarguras...

Por mim, para mim, não constituiu qualquer problema pois eu já era bastante 'arrozeiro', a minha mãe até dizia que eu devia ser arraçado de chinês (olha, agora devia dar jeito!) já que o arroz para mim era de todas as maneiras.

É claro que lá na Guiné a sua prevalência sobre outros alimentos era de modo a criar situações como aqui já foram referidas, do género de 'arroz nunca mais!' mas para quem gostava, como eu, depressa ultrapassou o problema e até valorizou quando ele é realmente bem feito.

Ao contrário do que o Juvenal conta, não recordo o arroz na Guiné como sendo 'monocolor', pelo contrário, eu até costumava referi-lo pela sua cor aparente quando ia almoçar mais cedo à messe de sargentos do QG em Santa Luzia (por ir entrar de turno na Escuta) e alguém com quem me cruzasse me perguntava o que é que havia: eu dizia é arroz encarnado (quando era de tomate a fingir que acompanhava qualquer coisa), é arroz amarelo (quando era de caril ou açafrão), é arroz verde (quando tinha grelos ou qualquer outra mistura de vegetais), é arroz banco (quando era só branco, obviamente).

Portanto, Juvenal, aqui acho que também era privilegiado, embora sempre que pudesse (tivesse dinheiro e/ou tempo) preferisse as tascas, as cervejarias, os restaurantes e até uma vez ou outra "o grande hotel" de Bissau, e não só!

Abraço
Hélder S.

Eduardo Campos disse...

boa juvenal,falar da vianda dá-me fome.

EDUARDO CAMPOS disse...

ESTOU A TENTAR ACERTAR O MEU NOME DE BLOGGER

Eduardo Campos disse...

parece que já acertei...

manuelmaia disse...

Caro Juvenal,

Lá por onde andei, o arroz poderia também ser utilizado como argamassa,em função do visual de papa que se nos oferecia...
abraço

paulo santiago disse...

Já gostava imenso de arroz antes da ida para a Guiné
Lá comi "manga de bianda"e não lhe criei qualquer fobia
Até gosto de arroz com chanfana de carneiro,o que irrita os puristas da culinária.
Curiosamente,não sou apreciador de arroz doce.
E agora até ía uma...paelha

Abraços

Luís Graça disse...

Juvenal: Parabéns pela "entrada"... O arroz tem que ter honras de entrada na nossa futura enciclopédia da guerra... O teu poste já vai em dez comentários, o assunto dá pano para mangas... Já percebi que até aqui o povo (combatente) divide-se: uns gostam, outros nem tanto, outros detestam. Por boas e más razões... De qualquer modo, como diz o ditad, É manha de Portugal: comer bem, beber melhor e dizer mal.

Venham lá mais achegas.


Um grande abraço.


PS - Paulo, hoje, domingo, também ia um arroz de anho, no forno, á moda de Candoz...

Luís Graça disse...

Juvenal: Como eu te escrevi há dias, num mail, sobre a história da cultura (e do consumo) do arroz em Portugal, há muito para se dizer...

A importação de mão de obra escrava da Guiné (possivelmente balantas...) deve-se também à maior resistência daqueles povos ribeirinhos (e grandes orizicultores) ao paludismo/malária ("sezonismo", em Portugal) que foi um problema de saúde pública no nosso país até aos anos... 50 do século passado!

A Anemia falciforme parece que funciona também como factor de resistência à malária (do italiano, "mal aire", ar mau: a doença era atribuída às emanações das águas paradas, pantanosas, dos arrozais)...

O fenótipo africano está presente em vários grupos populacionais no Vale do Sado, por exemplo.... Há estudos de biologia populacional que vou tentar recuperar, quando tiver tempo...

Anónimo disse...

Pois, Juvenal

Ia escrever isto, quando li o segundo comentário do Luis Graça sobre o mesmo tema.
Alguém me disse (já há muitos anos) que foi do cruzamento desses homens e mulheres africanos, trazidos para trabalharem nos latifundios do sul de Portugal para trabalharem a terra (e, também, o arroz) que nasceu o apelido "Branquinho", muito comum nas terras do Alentejo central. Creio que não será o meu caso, poque sou do norte e tenho a tez clara.

Para o ANTÓNIO ROSINHA:
É engraçado que já tenho referido o "pitche-patche" (assim o ouvi chamar) a pessoal que esteve na Guiné e nunca encontrei ninguém que o tivesse comido.
Comi essa delícia em Bolama quando a minha companhia ali permaneaceu uns dias vinda de Buba, saída do inferno de Gandembel, esperando um barco para regressar a Catió.
Perguntei ao cozinheiro onde tinha aprendido a cozinhar essa sopa espessa de ostras (com alguns legumes e algum arroz)e a resposta foi: - Na Bissau.
- Em Bissau, onde?
- Em casa di pobre.
Mais não perguntei, mas nas minhas poucas passagens por Bissau, nunca vi "pitche-patche".
Alberto Branquinho

Luís Graça disse...

os portugueses são grandes comilões de arroz: cerca de 15 quilos "per capita"... Numa família de 4, é um saco de 60 quilos...

Como se sabe, o arroz (conhecido no Japão há milhares de anos), depois de cozido, aumenta três vezes de volume. Misturado com feijão, enche a barriga do pobre (no Brasil e não só...).

A sua expansão, tanto na Europa como na América, tem muito com os Descobrimentos. Para essa expansão da cultura do arroz muito contribuiram os escravos de África ...

Somos o 3º maior produtor europeu de arroz (cerca de 165 mil toneladas em 2010: estimativa)... Mas também os maiores (e mais exigentes) consumidores... A média de 15 quilos per capita (contra 7 em Espanha e 1 na Europa, cito de cor...) deve ter em linha de conta que os maiores comilões de arroz estão, não no sul, mas no norte... Aqui come-se arroz de todas as maneiras e feitios...

Devo dizer que adoro arroz, bem feito. Por exemplo, frito com coentros... Mas na infância e juventude, incluindo na Guiné, enjoei o arroz... Tudo que é de mais é demasiada.. Recordo-me que no meu tempo de escola havia uma arroz, americano, oferecido pela Caritas, a que chamávamos o "arroz teimoso"...

Além de bagos enormes (tipo agulha, mas muito mais comprido), não tinha gracinha nenhuma (para o nosso gosto)... Era "teimoso" por que aparecida muitas vezes à mesa dos pobres... Tempos difíceis, os anos 50, em que as crianças portuguesas também viviam da caridade internacional, das "sobras" dos americanos (trigop. queijo, leite, arroz, roupas, doadas pela Caritas Norte Americana...).

Os nossos filhos não sabem disto e deviam saber... quando hoje a fome volta a bater às portas (aos estômagos) de muitos portugueses.

Luís Graça disse...

Branquinho, aqui tens uma receita de
Pitche-Patche de Ostras, pitéu da Guiné-Bissau... (que já provei, só uma colherzinha, com medo da caganeira..., em 2008, em Bissau):

In: Roteiro Gastronómico de Portugal > Sabores da lusofonia

http://www.gastronomias.com/lusofonia/gb005.htm


Ingredientes:


1 dl de óleo de amendoim
1 kg de ostras
3 tomates médios maduros
70 grs de arroz carolino
2 dentes de alho
1 limão
1 cebola grande
sal q.b.
piripiri q.b.

Confecção:

Em primeiro lugar põe-se o arroz de molho em água fria durante 15 minutos.
Retira-se da água e põe-se num pano de cozinha e com o rolo da massa ou uma garrafa pisa-se para o partir.
Leve um tacho ao lume com o óleo, a cebola e dentes de alho picados. Junte o tomate limpo de peles e sementes a refogar.
Assim que a cebola amolecer junta-se o arroz partido e refoga-se mais um pouco.
Adiciona-se água suficiente para o caldo (+- 1 litro e meio de água) e a água das ostras coada por um pano fino, que antecipadamente abriu com uma faca própria.
Deixe levantar fervura e misture as ostras.
Depois das ostras cozidas retire o tacho do lume e regue com sumo de limão.
Sirva quente.

Luís Graça disse...

Quem sabes destas iguarias da Guiné-Bissau é, entre outros, o nosso António Estácio...


Vejam, aqui o poste

4 DE JUNHO DE 2010

Guiné 63/74 - P6529: Cusa di nos terra (16): A propósito do último livro do António Estácio, Nha Carlota... e as suas comidinhas (Luís Graça)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2010/06/guine-6374-p6529-cusa-di-nos-terra-15.html

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Em suma... Não digam mal do arroz, mas dos cozinheiros...


(...) "Alda Maria Simões Tomé, com 40 anos de Guiné, aonde chegou em 1936, conheceu bem, primeiro no Cumeré e depois em Nhacra, essa Mulher Grande [, Nha Carlota,], agora biografada pelo nosso amigo António Estácio [...]:

“Era pessoa que recebia muito bem e estava sempre pronta para fazer uns petiscos deliciosos, como cachupa, linguiça picante, cuscus de arroz. Ai, era tudo tão bom” (p. 42).

"O nosso camarada e amigo Nuno Rubim também a conheceu em 1964, quando jovem capitão e destaca “o saboroso pitche-patche de ostra” (p. 44) que uma vez comeu lá em casa dela" (...).

Luís Graça disse...

Há uma pequena brochura, muito interessante, do António Estácio (que é engenheiro técnico agrícola, foi colega do Paulo Santiago em Coimbra) sobre o "Contributo Chinês para a Orizicultura Guineense" (Portugal, 2002 – Ed. de autor).

Ele emprestou-ne um exemplar, com a ideia de um dia destes fazer um poste para o blogue. Coisa que ainda não fiz nem sei quando farei por falta de tempo... Trata-se de um comunicaçãop científica que ele fez num congresso qualquer... Se bem me lembro, tudo começa com a história de um chinês de Macau que no princípio do séc. XX é desterrado para o sul da Guiné, onde se fixa (em Catió), na sequência de uma condenação por "dívida de jogo"...

Em Catió o nosso macaense deu origem a uma numerosa e prestigiada família lusochinesa, hoje guineense...

Esse macaense melhorou a cultura do arroz (orizicultura)... Também o Pepito deu grandes contributos técnicos (e sociais), em Contuboel, para o desenvolvimento da cultura do arroz de sequeiro (!), logo a seguir à independência. Contra tudo e contra todos!...Ele tem muito orgulho em falar desse trabalho pioneiro...

Um abraço para os dois, Pepito e Estácio... Ontem falámos em ti, Pepito, eu e o Leopoldo Amado, que encontrei na Feira do Livro de Lisboa, com uma série de ilustres escritores lusófonos reunidos pela CPLP numa conferência sobre História e Literatura (cito de cor, não assisti à conferência)...

O Leopoldo está bem, em Coimbra, no Centro de Estudos Sociais (CES), a orientar doutoramentos em história...

Torcato Mendonca disse...

Vim abrir e estavam comentários no Gmail. Passei ao Blogue. Li a receita e quase não contive a água na boca...eu como de tu do o que os outros homens comem. Estamos a falar de comida; sejam de que cultura, religião ou cor de pele. Dispenso o caril e insectos com pernas...lá comia tudo e delirava com ostras. Cá as da foz do Mira eram as melhores.
Alberto Branquinho, com ou sem tipo de arroz,a zona é a de Alcácer do Sal e Torrão creio eu. Zonas também de paludismo ou (sesões)-escreve-se assim?- em alentejano. Abriu-me o apetite.
Era bom que fosse arroz...
Domingo bom para todos e abraços T.

Anónimo disse...

Meu Caro Juvenal,
Nem de propósito: sobre o arroz consecutivamente servido lá no leste, tenho um escrito que vou enviar para o blogue, e só aguardava uma confirmação, que já tenho. Quanto mais distante dos centros de distribuição, menos variedade nos chegava. Por acaso, sempre fui de boa boca, e o arroz marchava. Do que eu tinha saudades, era do peixe.
Alberto, referes que é do norte e tens uma tez clara. Será dos meus óculos embaciados que te vejo moreno?
Mas isso não significa nada, pois os primeiros mouros foram absorvidos pelas gentes conquistadoras, e com estas passaram a copular. Assim, se não identificas os antecedentes,e não fores descendente de balanta, corres o risco de o seres de magrebiano.
Risco? Espero que o blogue não contemple manifestações xenófobas.
Eu estou acima de qualquer suspeita, pois descendo em linha directa do Homos Erectus.
Abraços
JD

Anónimo disse...

J.D., J.D.!

Da próxima vez que me vires, vais tirar os óculos, s.f.f.. Sem xenofobias, da esquerda, da direita, do lado cima ou do lado de baixo...
Tanto quanto sei (até aos bisavós) sou judeu, como quase toda a gente nascida numa faixa ao longo da fronteira com Espanha, desde Trás-os-Montes até ao Alentejo. Quando voltares a Montemor, vai a Castelo de Vide (se é que não foste já, seu judeu!).
Abracinho
Alberto Branquinho

Luís Graça disse...

sezonismo
(sezão + -ismo)

Sezonismo (de sezão + ismo)

Doença infecciosa causada por parasitas do sangue do género Plasmodium, transmitida ao homem pelo mosquito anófele, que se manifesta geralmente por sezões.
Sinónimos: Malária, paludismo...

Sezão/ões: Acesso de febre, intermitente ou periódica, precedido de frio e de calafrios.

Luís Graça disse...

WEscrevi em tempos (peço desculpa, se autocitação é pecado):

(....) Não, não é nada pessoal,
simplesmente acontece
que tenho um ponto de vista mais esquizofrénico
sobre a relação dos poetas,
vivos e mortos,
com o bem
e com o mal.
Em Angola,
na província do Uíge,
o vírus de Marburgo mata.
Ou matava outrora
as palancas negras
e os ursos brancos
e as lebres no fim da pista.
Matava a cólera
e a kalash,
na cidade de Bissau,
em lutas fratricidas.
E o sezonismo no Mondego.
Ou nos campos de arroz do Vale do Sado,
no tempo em que os escravos balantas cultivavam as nossas bolanhas.
Agora é proibido apanhar conquilhas.
Bem como montar minas e armadilhas
no troço da ponte Caium
entre Piche e Buruntuma.
E isso não é metafísica nenhuma,
é rigorosamente política,
pura e dura.
Ou é um caso de polícia sanitária.
Todavia não tira o sono a ninguém,
muito menos o sono de má qualidade
dos ex-combatentes da ex-guerra colonial.
Nem é notícia de jornal.
ou se o é, é fait-divers,
à falta de melhor título de caixa alta. (...)

In:
Segunda-feira, 22 de Março de 2010Guiné 63/74 - P6037: Blogpoesia (69): O Dia Mundial da Poesia, da Falagueira a Buruntuma (Luís Graça)

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2010/03/guine-637-p6037-blogpoesia-69-o-dia.html

Luís Graça disse...

Agora é que é mesmo pecado capital, duas autocitações seguidas:


(...) Menos mortíferas [do que a cólera, a febre amarela, a febre tifóide, a tuberculose], mas com efeitos igualmente nefastos no nível de saúde das populações, eram as febres intermitentes (ou sezonismo), geralmente associadas à malária ou paludismo, nas regiões onde se praticava a cultura do arroz (bacias hidrográficas do Mondego, do Tejo, do Sado, vale do Sorraia, etc.) bem como ao tráfico de escravos africanos.

Em 1851, J. F. Henriques Nogueira escrevia sobre este mal endémico o seguinte:

"Quem há que não conheça os estragos que em mais de metade do nosso país produzem as febres intermitentes ou sezões ? Povoações temos onde na queda do Estio só aparecem rostos magros e macilentos, e pobres doentes, embrulhados em mantas e estirados ao sol (...).
"Dê-se água de boa qualidade às povoações sequiosas, e onde a não houver filtre-se cuidadosamente. Encanem-se os rios; sangrem-se os charcos e pauis: cubra-se de arvoredo o terreno, que se enxugar - e por este modo, com que bastante lucra a agricultura, ter-se-á convertido em salubre, ou incomparavelmente menos doentia uma localidade sezonática" (In: Estudos sobre a Reforma em Portugal, 1851) (...)

Fonte:

Graça, L. (1999) - História da Saúde e Segurança no Trabalho: 1.2. O Embrionário Desenvolvimento da Saúde Pública no Portugal Oitocentista

http://www.ensp.unl.pt/lgraca/textos15.html

Luís Graça disse...

Juvenal, já vamos num quarteirão de comentários, tudo por causa da bendita/maldita bianda... E atrás do arroz, vem a bolanha, vem o mosquito, vem a malária... Sezonismo, entre nós, até ao fim dos anos 50 foi um problema de saúde pública de tal ordem que havia um Instituto de Mariologia...

A doença ficou de tal modo no imaginário do nosso povo que há um provérbio que diz: "Febre hermititeus [ntermitente]não cura senão Deus"... Referência clara ao sezonismo ou sezões...

Anónimo disse...

Viva Alberto,
Claro que conheço o bairro da judiaria, onde consta, dormiu D.Dinis com a rainha Santa. Mas não me lembro de ti.
Gosto muito da região, da sua beleza tão agreste e rochosa, quanto apaziguadora, plena de verdes, de onde se destaca o bairro do Siza. E gosto das boleimas. Sou, há muitos anos, cliente de Marvão, dos petiscos e dos beberes daquele ledo da geografia. Quando vieres de Portalegre, no cimo da serra, ao lado do depósito de água, existe a casa de um ilustre viticultor, o Mexia, que faz um aveludado e extraordinário vinho na talha. Uma excepção, melhor que o óptimo. Se passares a fronteira, a 3 km toma a direcção de S.Pedro e vai ao "Convento", e pede um leitãozinho de leche - colchinillo - assado no forno.
Estou sempre com saudades do Alentejo.
Um grande abraço
JD

Anónimo disse...

Caro Luís Graça

Deixa-me meter a foice em arroz alheio.
Nunca comi arroz na Guiné, mas sim uma papa viscosa acompanhada por pseudo-rodelas de salsicha ou chouriço da M.Militar.
Sortudos aqueles que comeram arroz.
Sobre Paludismo,este só foi considerado extinto em Portugal em 1975.
Referes,e bem, que era denominado "sezões ou maleitas" e ainda febres "terçãs ou quartâs".
Os negros têm maior resistência ao paludismo devido à grande maioria terem anemia falciforme provocada por inexistência de glucose-6-fosfato.
O vale do sado foi repovoado por antigos escravos negros,para cultivarem arroz..adivinhem porquê.
Confesso que gosto muito de arroz e ao ler estas receitas fiquei com água na boca.

Um alfa bravo

C.Martins

Juvenal Amado disse...

“Este é um texto sobre um improvável interesse”…..
Comecei assim este poste que pretendi bem disposto e sem pretensões que ele servisse mais para algo, que não fosse uma troca mais ao menos bem disposta, onde a maioria brincasse com as memórias a respeito do arroz.
Vou aqui utilizar um termo que devia pagar direitos de autor ao Torcato Mendonça,
“Engano meu”!!!!!
Não fiquei admirado com as oportunas informações do Luís uma vez, que este texto acaba por nascer através de um conversa, que com ele tive no almoço da Tertúlia em 2010 e que, ficou a germinar na minha cabeça até agora.
Quando enviei o texto aos editores o Luís, teve a amabilidade de me enviar um estudo sobre a cultura do arroz e as suas consequências a nível social, bem como na saúde das populações que viviam das e perto das plantações. O documento que acabou por ter influência na alteração penso eu para melhor no texto enviado.
As receitas que também apareceram, bem como o roteiro por algumas regiões, só confirma que a boa disposição passa pelo estomago e quando ele está vazio, serão causa de muitas irritações e mal estares.
Também eu tenho sempre saudades do Alentejo e dos petiscos da Rosa esposa do meu camarada do 3872 João António Branquinho Caramba, nascido na vila da Vidigueira, onde por diversas vezes saboreei a gastronomia simples e perfumada daquela região, sem esquecer um copo de vinho branco fresco ao fim da tarde, quando o Sol tinge de vermelho a planície e o dia morre devagar.
É preciso bem pouco para se ser feliz.
Obrigado pelos vossos comentários.

Anónimo disse...

Caro Juvenal

"Faltava o meu comentário"
Só hoje tive tempo para o ler o seu artigo sobre o arroz!
Agradeço a História, que já sei que foi o Luís que enviou, agradeço as receitas e vossa boa disposição:
--Como eu gosto de vos ver assim bem dispostos!
Nem sabem quantos termos eu já aprendi com voçês! bolanha, picada, mancarra,etc, etc, etc, sem falar nos poemas da vossa sensibilidade, até pelo... "meu Alentejo".:
-- E a propósito Juvenal, que é feito do "nosso amigo João Caramba e da sua Rosa"? que nunca mais ouvi falar deles desde o almoço, nem mesmo no Fcebook os vejo.

Peço desculpa por esta intromissão, mas num circulo de amigos tão... "porreiro", eu tinha que entrar para vos cumprimentar e desejar a continuação dessa evidente boa disposição.

Um beijo para cada um, da

Felismina