sexta-feira, 4 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9852: Lições de artilharia para os infantes (4): O que era uma bateria (ou bataria)... (C. Martins, Cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)





Vendas Novas > Escolha Prática de Artilharia (EPA) >  Museu > 1998  > A peça 11.4 e o obus 14, ambos usados no TO da Guiné, durante a guerra colonial. Segundo o coro art ref Nuno Rubim, grande especialista de história da artilharia em Portugal e nosso grã-tabanqueiro (de quem não temos sabido notícias há meses), "continua a haver grande confusão sobre o material de artilharia (português ) que esteve em Guileje. Fala-se indistintamente da Peça de 11, 4 cm e do Obús de 14 cm. (...) Eram parecidos (mesmo reparo) só que o 11, 4 cm era de menor calibre e com o tubo mais comprido ( ver imagem acima)".

Foto: © Nuno Rubim (2007). Todos os direitos reservados




Extrato da pag 3 do Anexo B à Ata da reunião de Comando, realizada no QG, Bissau, em 15 de maio de 1973, assinada pelo chefe da repartição de operações, ten-cor CEM Mário Pinto de Almeida:





1. Comentário (*) do nosso leitor e camarada, C. Martins, antigo comandante do Pel Art de Gadamael (1973/74) - aliás, o último artilheiro de Gadamael - , e hoje médico (que foi aos nossos dois últimos encontros, em Monte Real, mas que nos tem pedido reserva de imagem, por razões de deontologia profissional):


Francamente, devo ser mesmo burro. É que não entendo nada, refiro-me só à artilharia. Com o respeito que me merece um oficial superior... ou devia merecer... quando refere comandantes de bateria (**)… 


Para quê ? Seria que os comandantes dos Pelarts eram incompetentes, não sabiam por em posição uma bateria e calcular os elementos de tiro ? 

É certo que um capitão tinha mais conhecimentos em termos administrativos, não ponho em causa, mas para manobrar não faziam falta… Não percebi se era para reforçar com mais obuses ou se era meramente uma questão de comando. 

No sul existiam PelArt  de obuses de 14 cm em Cacine, Gadamael, Cufar e um de 10,5 em Jemberem, que cobriam toda a área envolvente. Mais afastado e para o interior Bedanda também com 14. O dispositivo dos aquartelamentos estava errado no meu ponto de vista, mas a dotação de *elarts com obuses 14, não. 

Uma bateria (companhia, na infantaria) era constituída por 6 obuses com 3 PelArt a 2 obuses cada.

Se os PelArt  passaram a ser a 3 obuses ou peças... porque é que não passaram a ser comandadas por um capitão ? Pois é, que estes foram comandar Carts...se houvesse aumento de obuses já tinha que ser um capitão. pela lógica e escola militar tinha que ser assim... Raciocínio de militar profissional. 

Lembro que aquilo que era aprendido cá, nomeadamente a forma como devia funcionar a serventia de um obus, se fosse aplicada na prática, isto é,  em combate, estávamos "feitos".

Há uns anos atrás visitei a EPA [, Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas], fui recebido por um major que foi muito simpático, na parada davam instrução do 15,5. Abriam e fechavam a culatra com mil cuidados. Pedi-lhe se podia fechar a culatra, como fazíamos lá... no duro, debaixo de fogo... Peguei na ponta do manípulo e ao mesmo tempo deslizei a mão ao longo deste para destravar e simultaneamente empurrei com toque seco largando a mão... A culatra fechou-se com grande estrondo, perante o espanto geral e de admiração. 

Conto isto para pura e simplesmente explicar como é bem diferente a teoria e prática de "parada" ou de "escola" e a adaptação que se tem que fazer no terreno, como certamente quase todos nós sabemos.

Isto vem a propósito de oficiais superiores, altos estudos militares, QG, estratégias... sem desprimor para muitos que sabiam adaptar-se... mas outros, enfim.


2. Novo comentário  (***) do C. Martins:

Caro camarada artilheiro J.Martins (**)

Com que então na apresentação no Bac 1 [, em 1967/69], no meu tempo GA 7 [, em 1973/74], os senhores alferes escolhiam para onde queriam ir consoante as suas conveniências... Mas que "ganda sortudos" !...

Olha, no meu tempo foi assim: tivemos um briefing com um capitão e depois com um sargento "mecânico", que nos ensinou os rudimentos de mecânica dos obuses, e a cada duas frases de índole técnico-mecânica, repetia:
- Tomem atenção, senhores alferes, que lá no mato vão ter que se desenrascar, não têm lá "mecânicos"...OUVIRAM ?
 - Sim, nosso primeiro... OOUUUUVIMMMOOOSSS!
- Amanhã é vos comunicado o vosso destino.
 - Então, oh pira, pra onde vais ?
 - Vou para...
 - Eh pá, tás f... Isso é o maior buraco da Guiné!...

E assim sucessivamente...

Outros tempos, meu caro.

Um alfa bravo e que viva Santa Bárbara.

C. Martins (****)



_________________



Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 d maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9845: Análise da situação do inimigo - Acta da reunião de Comandos, realizada em 15 de Maio de 1973 - Parte IV (Luís Vaz Gonçalves)


(**) O mesmo que bataria (segundo os dicionários de língua portuguesa)


(***) Vd. poste de 3 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9844: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte II_ Batismo de fogo em Bissum-Naga até às férias...


(****) Último poste da série > 16 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9496: Lições de artilharia para os infantes (3): Fazer a rotação, de 180º, do obus 14, para apoiar Jemberém (C. Martins, CMDT do Pel Art, Gadamael, 1973/74) 

4 comentários:

Anónimo disse...

ESCLARECIMENTO

Obviamente uma bateria era e é comandada por um capitão.
Só que na Guiné a orgânica era completamente diferente.
Os pelarts eram destacados para o mato, e hierarquicamente dependíamos do GA7.Actuávamos autonomamente em termos operacionais, e claro a pedido de todos os que precisassem do nosso apoio.
Daí a minha admiração de ser necessário capitães artilheiros,segundo o relatório,mas claro os "inteligentes" de Bissau pensavam e agiam segundo os "canhenhos" militares.
Se fossemos visitados por algum "inteligente"inspector da arma,(nunca fomos), dava-lhe um "fanico" de certeza,porque com excepção dos cálculos dos elementos de tiro e da colocação em posição dos obuses, não fazíamos nada do que foi ensinado,pela simples razão de que era completamente inviável naquele contexto.
Como exemplo,cada pelart de obus 14 devia ter 30 homens,dez por cada obus,bem... o pelart de Gadamael tinha 50, em média.
Ah ..um dia foi lá um "inteligente" de Bissau e implicou com a malta "infante" porque as "berliets" não tinham tapais..o que nós gozamos..o Homem julgava que aquilo era como cá..saiu de lá "gozado" e com o "rabinho" entre as pernas.
Era gente desta que mandava "bitaites" desde Bissau.

C.Martins

Anónimo disse...

PS

Para quem não saiba ou nunca se apercebeu.
A artilharia tinha como finalidade a defesa afastada dos aquartelamentos,actuando como contra-bateria..difícil, mas algumas vezes consegui-se,apoio aos "infantes" no mato,e efeito "psico" no IN,os chamados batimentos de zona.
Um dia um "caramelo" "sugestionado" por um sentinela,começou a fazer batimento de zona pensando que eram viaturas a andar no mato,mas era só a maré a vazar..coisas.
Adivinhem quem foi.

C.Martins

Anónimo disse...

Muito bem se fala na Sé.
Eu, "furrielzito", comandei durante três meses quatro óbuses 14, em Catió - substituindo o alf. Sequeira - e Aldeia Formosa - onde fui substituído pelo alf. Monteiro, quiça conhecido e contemporâneo do alf. Martins. (Junho/Setembro de 1968).
Coisas. Na prática a teoria é outra.
António Ribeiro

Anónimo disse...

Caro camarada artilheiro A.Ribeiro

"Furrielzão".
O Furriel mais velho do pelart,substituía o alferes nas suas ausências.
No meu tempo também sabiam por um obus em posição e calcular os elementos de tiro.
Eu estive na guiné em 73/74,por isso não conheci os alferes que citas,aliás conheci muito poucos,dos quais infelizmente já não me lembro.
Para se ser "leader",não são necessárias graduações..é inato,só que na tropa como na vida civil isso é necessário,o problema reside em que nem sempre a graduação corresponde à capacidade de liderança.
Um grande alfa bravo

C.Martins