sexta-feira, 30 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9681: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (13): Mansoa, 30 de Março de 1973: Faço hoje vinte e seis anos...




Carta da província da Guiné) > Escala 1/ 500 mil > Pormenor > Posição relativa de Mansoa, com Binar e Bula a oeste, e Porto Gole e Bambadinca, a leste.



1.  Com comissões de serviço militar de 2 anos, inicialmente, e depois de 21 meses, muitos de nós celebraram (!) dois ou até três aniversários natalícios no TO da Guiné... O mesmo aconteceu ao nosso camarada António Graça de Abreu (abreviadamente, AGA, nascido em  23 de março de 1947, no Porto, ex-Alf Mil do CAOP1, 1972/74, aqui na foto à esquerda, ): fez os 26 anos em Mansoa (região do Oio) e os 27 em Bissau ou em Cufar (região de Tombali), tendo regressado a Portugal, nas vésperas do 25 de abril de 1974... Em Mansoa já não era "pira", com 9 meses. 

Essa efeméride (a do aniversário natalício de 1973) é a única que consta do seu diário. (Os seus 27 anos deve tê-los passado em Bissau, regressando a 31/3/1974 a Cufar, de avioneta). Com a devida vénia, vamos reproduzir - para conhecimento da generalidade dos nossos leitores - esse excerto do Diário da Guiné, 1972/74, da autoria do AGA, de que temos um ficheiro em word, o mesmo que serviu de base à edição do seu livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp) (*). 

 Mas primeiro chamamos a atenção para algumas excertos  do prefácio, em que explica o como surgiu e decidiu publicar este documento diarístico... E hoje, como é dia do seu 65º aniversário, fica bem a um amigo e camarada da Guiné, e seu leitor, como eu, congratular-me por esta efeméride, e desejar ao AGA cem anos de ventura(s)!... Que a ta vida tenha sempre a beleza de flor de lótus, a consistência do jade,  o conforto e a fantasia da sede!... E, claro, sempre, sempre, sob a proteção do irã acocorado no sagrado poilão da nossa Tabanca Grande (LG)



Apesar de tudo, a vida é bela quando se tem 26 anos (celebrados em Mansoa, em 1973)... E continua a sê-lo, aos 65, em Portugal, nesta parte do planeta, que é a nossa casa!... Parabéns, meu amigo AGA, camarada, escritor, poeta, tradutor, sinólogo! "Sínico, mas não cínico", como ele gosta de se definir...


2. Excertos do diário  > Prefácio

(...) "Não sendo propriamente um operacional, o facto de estar integrado num comando de operações [, CAOP 1,] e de contactar todos os dias homens e lugares onde ocorriam acções militares, possibilitou diluir-me no quotidiano da guerra, vivê-lo por dentro, ser testemunha e actor de um drama real que se desenrolava diante de nós, camaradas de armas e desdita.


"Tinha então vinte e cinco, vinte e seis, vinte e sete anos e, tal como muitos outros milhares de soldados enviados para as guerras de África, escrevi um 'diário secreto', redigi centenas de aerogramas e cartas endereçadas a familiares, a amigos em Portugal.

"Três anos depois de regressar da Guiné, os acasos da fortuna levaram-me outra vez para distantes paragens, agora o Extremo Oriente, a China onde – depois de todas as guerras - me embebi num quotidiano de paz, sortilégios, alvoroços e fascínios a povoar o respirar célere da passagem dos anos. Quase esquecia o tempo da Guiné.

"Os anos passaram. De novo em Portugal, sabia que continuavam comigo o 'diário secreto' e muitas das cartas que escrevera em África. Mas considerava esses textos uma herança demasiado pessoal. Publicar, dar a conhecer o 'diário' corresponderia talvez a um confessado exercício de auto-complacente contemplação do umbigo, de narcisismo. Eu, eu e mais eu.


"Os anos passaram. Até que, em finais de 2005, a publicação dos aerogramas e cartas escritas em Angola por António Lobo Antunes, entre 1971 e 1973 - e que li de um fôlego, - me recordou o 'diário', os meus textos da Guiné. Ainda somos algumas centenas de milhares de portugueses que, como militares, vivemos as guerras de África, no entanto a memória desses anos vai-se inevitavelmente esbatendo, esquecendo. 

"Que conhecem os nossos filhos, os nossos netos do dia a dia dos seus pais e avós combatentes na Guiné, em Angola e Moçambique? Que sabem do que comíamos, onde dormíamos, como nos deslocávamos, o que sentíamos, como eram as emboscadas, as flagelações, a morte, o medo, as bebedeiras, a alegria? Como era a guerra por dentro? Os meus escritos dos dias da Guiné respondiam a algumas destas questões e, longe de qualquer comparação com a prosa exuberante do autor de Os Cus de Judas, acabei por considerar que valia a pena recuperá-los e publicar". (...).



Guiné > Região do Oio > Mansoa > CAOP 1 > Março de 1973 > O Alf Mil António Graça de Abreu (1972/74) junto ao obus 14.... Antes, e desde finais de junho de 1972,  estivera em Teixeira Pinto (Canchungo). Terminará a sua comissão em Cufar, no sul, regressando a Portugal nas vésperas do 25 de Abril de 1974.


Foto:  © António Graça de Abreu (2010). Direitos reservados


(...) Mansoa, 30 de Março de 1973

Faço hoje vinte e seis anos, de certeza também complementarei os vinte e sete nesta santa Guiné. Tantos dias ainda a percorrer, tanto vazio a preencher! Se tudo correr bem, daqui a um ano estarei em Bissau à espera do avião para regressar a casa e deixar de vez a guerra.

Ninguém sabe que eu faço anos e não foi para recordar a data que às seis da manhã os obuses começaram a bater a zona, a mandar granadas de canhão para os possíveis locais onde os guerrilheiros se estariam a levantar da cama.

Às oito, foram os combatentes do PAIGC a flagelar à distância a frente de trabalhos da estrada Jugudul-Porto Gole-Bambadinca, sem resultados. É a quarta vez nestes últimos três dias, o que só serve para criar insegurança e fazer barulho. Os nossos obuses começam a ripostar e lá se vai o sossego, o nosso e o do IN.

O meu coronel, o meu major P. e um tenente-coronel que está aqui emprestado ao CAOP, foram esta manhã de jipe, com uma pequena escolta, a Bula e Binar, tratar de assuntos relacionados com ofensivas sobre o IN. Os guerrilheiros sabiam que gente importante ia chegar a Binar e estavam à espera, emboscados junto à pista de aviação. Falharam a recepção porque os 'homens grandes' brancos não chegaram de avião, viajaram por estrada. Foram e regressaram em paz. (...)

(...) Cufar, 31 de Março de 1974

Prometi que só regressava a Cufar depois de ter resolvido o problema do meu substituto. Pois agora é verdade, já desencantaram o homem. É o alferes Lopes, apenas com quinze dias de Guiné. Tem a especialidade de Secretariado, estava exactamente destinado à 1ª. Repartição, em Bissau, e ou porque têm gente a mais ou porque eu os chateei demasiado nestes últimos dez dias, desviaram-no para Cufar. Encontrei-o na piscina do Clube de Oficiais, almocei com ele, animei-o – está um bocado abalado com a vinda para o mato, - disse-lhe que Cufar é mauzinho mas se ele fosse atirador de Infantaria e tivesse sido colocado em Cadique ou Jemberém ou Gadamael, seria bem pior. (...)

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Nota do editor

(*) Último poste da série > 23 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9642: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (12): Os infelizes que estão em Cobumba...


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