quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9433: (Ex)citações (172): Ainda o dossiê Guidaje - Maio de 1973 (Manuel Marinho / Amílcar Carreira)

1. Comentário do nosso camarada Manuel Marinho (ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Nema/Farim e Binta, 1972/74), no Poste 9425(a) no dia 1 de Fevereiro de 2012:

Caro Amílcar
Por feitio e formação não gosto de estar a comentar textos de camaradas ou amigos do blogue que não são devidamente identificados, mas isto diz respeito aos editores, e na minha opinião violam regras estabelecidas no blogue, fica o reparo.
Mas como tu dizes que eras da CCS do BCAÇ 4512, portanto pertencendo ao meu, vou corrigir o que escreves no texto, que não corresponde à verdade, (eu estava lá).

Para mais completa informação consulta o P4957(b).

No dia 8 Maio onde eu vou integrado com o meu 1º GrComb de Nema, o confronto com o PAIGC só durou 15 minutos na noite do dia 8, por efeito de rebentamento de mina que obrigou a paragem forçada e a permanecermos durante a noite junto das viaturas.

Já agora, tivemos 2 feridos nessa noite.

Dia 9 logo ao alvorecer começou a grande e longa emboscada com mais de 100 IN que durou cerca de 5 longas horas, até que um pequeno grupo de cerca de 15 elementos de Binta da minha 1ª Ccaç, conseguiu chegar perto de nós e fazermos a retirada, conseguindo a muito custo retirarmos os nossos feridos.

As tuas erradas e (lamento dizê-lo) lamentáveis afirmações;

“A emboscada à 1ª coluna de ajuda a Guidage aconteceu no 1º dia, ao fim da tarde, só terminou ao raiar do dia seguinte, com o IN a derrotar as NT, e fazendo o correspondente assalto final.”

(É por estas e por outras parecidas, que o PAIGC “ganhou a guerra”).

O IN nunca nos fez assalto final porque não teve tempo nem poder para o fazer, mesmo nós já nos limites físicos e praticamente sem munições as coisas não eram assim tão fáceis.

Tivemos 4 mortos, que ficaram na picada, as ossadas só foram levantadas passados três meses, de apenas três deles.

- Arnaldo Marques Bento - Fur Mil da Ccaç 14ª de Farim, e já agora não era açoriano.
É o primeiro a falecer vítima de ter sido atingido no baixo-ventre, com granada RPG.
- Lassana Calissa - Sold da Ccaç 14ª
- Bernardo Moreira Castro Neves - Cabo Mil do meu GrComb.
- António Júlio Carvalho Redondo - da 3ª / Bcaç 4512 (corpo não recuperado).

O PAIGC teve 13 mortos confirmados nestes confrontos.

Mais algumas notas:

- O dia 8 Maio / 73 foi numa terça-feira e não num domingo.

- A 13 quando chega a 2ª coluna de Guidaje a Farim é num domingo, e traz 2 mortos numa Berliet, um deles é da tua Ccs, é curioso não o mencionares, seu nome:

- Ludgero Rodrigues Silva – Condutor Auto – faleceu em Guidaje.

- O 1º ataque com foguetões a Farim, ocorre a 5 de Fevereiro de 1973, ainda lá estão os “velhinhos” da Cart 3358 que fomos render.

Espero ter contribuído para que se dissipem algumas dúvidas que ainda vão aparecendo.

Aos Editores, renovo o meu apelo para que haja identificação de quem comenta, pois ainda não “apareceu” o anónimo que dizia ser Capitão da minha Ccaç, fez um comentário ao P6612(c) com falsas afirmações e até hoje não pude responder, além do comentário que fiz chamando a atenção para estas questões.

Um abraço para todos
Manuel Marinho


2. Mensagem do nosso camarada Amílcar Carreira, ex-Fur Mil Inf Op da CCS/BCAÇ 4512, Farim, 1972/74, com data de 1 de Fevereiro de 2012:

Boa tarde Carlos Vinhal.
Pelos dados que forneceste estivemos em épocas diferentes na Guiné.

Não suspeitei que o meu e-mail fosse publicado com a classificação de anónimo, uma vez que um dos ficheiros dizia que estava de sargento de dia ao batalhão e no item: assunto, disponibilizava muitos dados que permitiam identificar-me. No entanto a dúvida ficou instalada, ora nunca tive necessidade de me esconder atrás do anonimato, muito menos na situação de ex-militar.

Assim esclareço:

Frequentei a recruta de sargentos milicianos no quartel das Caldas da Rainha (4/1/1972).
Frequentei a especialidade de Informações e Operações no quartel de Tavira.
Fui mobilizado fazendo parte da CCS do BCaç 4512/72, que saiu do Quartel de Tomar, com o posto de fur milº Inf.Op. de Infantaria.
No dia 6/12/72, bem cedo (6 horas da manhã?), apanhei o comboio, para Lisboa, na estação da CP de Tomar. Cerca das 18 horas de 6/12/72 embarquei, no Uíge, com destino à Guiné.
Ao final da tarde do dia 12/12/72 cheguei a Bissau e na manhã de 13/12/72 desembarquei. De imediato segui para o treino operacional que decorreu no Cumeré.
Nas primeiras semanas de Janeiro de 1973 o Bcaç 4512/72 vai para o sector de Farim. A CCS e o comando ficaram em Farim e é aí que permaneço até Agosto de 1974.
O meu nome, no meio militar. era de Amílcar, e para quem ainda tem dúvidas da autenticidade de quem fez o contacto, dir-lhe-ei que o meu nome é Amílcar Carreira.

O Carlos Silva tem razão; o modo como cada um percepciona a verdade depende de várias variáveis.

Quanto aos comentários do Manuel Marinho terei que acrescentar algo, tentando nunca trair o que disse no 1º e-mail, relativamente à verdade dos factos e de quem devia ter prioridade na narrativa.

1 - Um olhar subjectivo sobre o conflito (guerra): cada qual tem a sua visão e não vou entrar por aí.

2 - A 1ª coluna de reabastecimento a Guidage é que sofreu os 4 mortos e todos na manhã seguinte à 1ª emboscada.

2.1- Furriel miliciano Bento, atirador, pertencia à Ccaç 14, e até ali, tinha sido o professor dos militares. Era de Vila do Conde (falámos horas intermináveis sobre a guerra e de assuntos de carácter geral)

2.2 - O Cabo miliciano da 1ª Companhia BCaç 4512/72, diziam que era dos Açores. Só o via quando os furriéis de Nema vinham tomar café ao nosso bar, Farim.

2.3 - Os 2 militares (penso que um era cabo e outro soldado, mas sem a certeza), identifiquei-os como ambos pertencentes à Ccaç 14. O Manuel Marinho diz que um pertencia à 3ª Compª do BCaç 4512/72, aceito que ele esteja certo.

3 – No que respeita ao regresso a Farim (13/5/73), domingo, da coluna constituída pelos militares que tinham feito parte da 1ª e 2ª colunas de ajuda a Guidage, como é óbvio, elas tinham saído de Farim durante a semana. Esta coluna trazia de volta o Comandante de Batalhão, Cor Vaz Antunes, que tinha ido a Guidage, na 2ª coluna que saíu de Farim, e por imposição expressa do General Spínola. Não questiono a presença de mortos na coluna descrita pois o que mais me marcou foi ver os corpos enfaixados seminus e os medicamentos a serem administrados por via venosa.

4 - É verdade que o soldado auto da nossa CCS morreu, mas foi no aquartelamento de Guidage, enquanto que no e-mail anterior só mencionei os mortos que aconteceram na 1ª/2ª emboscadas.

Aproveito este contacto para fazer uma correcção e repor a verdade dos factos em relação à narrativa do ex-fur milº Araújo.
Depois de ter feito seguir o meu ficheiro sobre o soldado africano que assassinou o alferes, verifiquei que o Araújo, mais uma vez, foi rigoroso, pois refere que o oficial foi assassinado por causa de um reforço, mas que não sabia o que estava na origem do diferendo. Ao Araújo as minhas desculpas se sentiu que os meus comentários feriram de algum modo a sua narrativa.

Durante muitos anos tive dúvidas se devia revelar o que tinha vivido na guerra (não é o caso de ter conhecimento de acontecimentos extraordinários). Mas não terão sido todos extraordinários? Ainda hoje as dúvidas subsistem…

Ao Bento, estejas onde estiveres, descansa em paz. Sei que finalmente estás bem.

A todos os ex-combatentes vai um abraço fraterno e sem mágoas,
Amílcar


3. Comentário de CV:

Caros camaradas Marinho e Amílcar, a troca de argumentos dentro da cordialidade e frontalidade só podem levar a um caminho, o da verdade.

Com efeito, ficou-nos alguma dúvida quanto à identidade do Amílcar, embora nunca duvidássemos de que se tratava de um camarada que de algum modo esteve perto dos acontecimentos de Guidaje. Agora sim estamos em posse de todos os elementos e podemos falar mais abertamente, rebatendo e utilizando a cordialidade como arma de arremesso.
Cada um de nós tem uma percepção do que viu e viveu, e só o ajuste de pormenores pode levar à verdade, se é que será possível chegar até ela volvidos todos estes anos.

Renovo o nosso convite ao Amílcar para se juntar a nós e colaborar neste registo de memórias que serão tanto mais fieis quantos mais depoimentos aqui forem feitos. Manda-nos as tuas fotos da ordem.

Ao camarada Marinho agradecemos a sua sempre atenta colaboração e a certeza de que tudo faremos para manter o nosso Blogue no caminho da verdade.

Carlos Vinhal
____________

Notas de CV:

(a) - Vd. poste de 31 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9425: O Nosso Livro de Visitas (125): Amílcar, ex-Fur Mil Inf Op da CCS/BCAÇ 4512 (Farim, 1972/74)Guiné 63/74 - P9311: (Ex)citações (171): A propósito de citações e comentário do Mais Velho (José Manuel Matos Dinis)

(b) Vd. poste de 15 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4957: Tabanca Grande (173): Manuel Marinho, ex-1.º Cabo da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Farim e Binta (1972/74)

(c) Vd. poste de 18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6612: Estórias avulsas (89): Guidaje em revolta após Abril (Manuel Marinho)

Vd. último poste da série de 4 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9311: (Ex)citações (171): A propósito de citações e comentário do Mais Velho (José Manuel Matos Dinis)

2 comentários:

Luís Dias disse...

Caro Camarada Manuel Marinho

Obrigado pelos teus esclarecimentos sobre o dossier Guidage -Maio -1973.

De facto, importante é ler um testemunho de quem viveu a situação, de quem esteve lá, de quem sofreu na pele e viu cair camaradas. É que, por vezes, lemos algumas coisas que nos fazem duvidar se estávamos na mesma guerra. É como tu dizes:"É por estas e por outras parecidas, que o PAIGC “ganhou a guerra”.

Um abraço.

Luís Dias

Torcato Mendonca disse...

====É que, por vezes, lemos algumas coisas que nos fazem duvidar se estávamos na mesma guerra. É como tu dizes:"É por estas e por outras parecidas, que o PAIGC “ganhou a guerra”.====de copy/paste.

Não comento.Digo só que gostei das duas frases, além do resto.

abraço ao marinho e ao Lúis Dias. T.