terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9392: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (15): Gadamael e tinha mais de 10 mil granadas de obus em stock... (C. Martins, ex-alf, cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)

1. Seleção de comentários, ao poste P9368 (*), do nosso leitor (e camarada) C. Martins (ex-Alf Mil, Pel Art Gadamael, 1973/74, hoje médico, participou no nosso VI Encontro Nacional, em 4 de Junho de 2011, vd. foto à dierita, ao lado de J. Casimiro Carvalho):Só vou falar do que vivi no terreno e com factos concretos e sem especulações.




Sobre Copá, onde se encontrava um conterrâneo meu e que foi ferido, foi inqualificável a irresponsabilidade do comando de sector, colocar apenas um pelotão sem quase meios de defesa junto à fronteira.

Jemberém, deixo ao critério do camarada Joaquim Sabido comentar, apenas digo que fizemos fogo de artilharia de Gadamael para o perímetro de Jemberém, o que surpreendeu, digo eu, o PAIGC.

(,,,) [Nunca ouvi falar em] insubordinação do aquartelamento de Jemberém 'devido a frequentes ataques em junho' [...]. Se houve algum ataque a Jemberém foi nos primeiros dias de maio. Eu ainda não estou senil e recordo-me muito bem. [ O Joaquim Sabido diz que, no decurso do mês de maio, ainda embrulharam pelo menos umas seis vezes].

Bedanda foi atacada com viaturas blindadas, mas sem grande êxito, diga-se. Mais uma vez uma estratégia imcompreensível dos altos comandos, visto que entre Gadamael e Mampatá-Quebo não havia qualquer aquartelamento, o que tornava fácil a infiltração até Bedanda.

Gadamael: aqui falo com conhecimento de causa...

Se tentassem o ataque directo, nem com 3 mil homens lá entravam, e seria uma carnificina de parte a parte. Tínhamos material de guerra em quantidades astronómicas. Granadas de obus tínhamos à volta de 10 mil em stock, e em cada espaldão em média 300 e prontas a disparar, isto é, já com espoleta colocada.


Quando éramos flagelados era sempre ou quase sempre do território da Guiné-Conacri.


Foram mobilizados muitos graduados de artilharia de costa para serem reconvertidos em artilheiros de campanha.


Desde de janeiro até abril entregaram-se vários guerrilheiros.


Quando das conversações para o cessar fogo,vários altos quadros do PAIGC me confessaram que estavam exaustos de tantos anos de guerra. Quase metade dos efectivos, na principal base no sul, junto a Kandiafara, tinham gonorreia (isso mesmo,  "esquentamentos").


(...) Não sei precisar o dia, mas na segunda semana de Maio [de 1974] acompanhei Pedro Pires e outros altos dirigentes do PAIGC a Cacine,  onde decorreram conversações sobre o cessar fogo e retracção das NT.Para mim,  em termos políticos,  a guerra já estava perdida antes de ter começado, agora afirmar que estávamos a beira de um colapso militar em 74 vai uma grande distância.

Nos primeiros dias de junho iniciou-se a retracção em Gadamael. [...]



Em Gadamael, a retração para Cacine e Bissau foi feita como estava programada e em boa ordem e segundo as normas militares. [...] Aceitámos o cessar fogo com o PAIGC sem sequer consultar o QG, quanto mais pedir autorização. Eu, por exemplo, fui à Guiné-Conacri apenas com o consentimento do Comandante Heitor Patrício. [...]


A propaganda, mas que era apenas e só propaganda, faz parte de qualquer guerra.


Com todo o respeito pela opinião de cada um, eu falo de factos, EU ESTAVA LÁ.


Termino dizendo que "ainda bem que acabou daquela forma", porque se não tivesse sido assim, não sei se ainda estaria no mundo dos vivos.


Um alfa bravo para todos.


Um artilheiro de Gadamael,


C. Martins



Guiné > Região de Tombali > Gamael > Maio de 1974 > A primeira visita do PAIGC à tabanca e aquartelamento de Gadamael: Em primeiro plano, ao centro, o Comandante do COP5 (Cap Ten Fuzo Heitor Patrício ); do seu lado direito está o comissário político do PAIGC, de cigarro russo na boca. O nosso camarada José Gonçalves está atrás, na segunda fila,  entre os dois. Por sua vez, o capitão Pimentel, comandante da CCAÇ 4152,  está ao lado do José Gonçalves, por detrás do Comandante Heitor Patrício. 


Foto (e legenda): © José Gonçalves (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


PS - Comentário a esta foto, feita pelo C. Martins, em 6 de julho de 2011:

(...) "A foto supra onde aparece o Comandante Patricío com um emblema do PAIGC, um oficial de marinha fuzileiro excepcional e considerado o 'pai' dos fuzos,  é bom que não se façam juizos de valor precipitados. Aquilo foi apenas circunstancial, resultou apenas e só da troca de 'galhardetes' entre as partes.. É que se o meu amigo e conterrâneo 'Pedras',  fuzo e guarda costas do Comandante Patrício na altura, com três comissões seguidas na Guiné, sabe que estão a pôr em causa a honaribilidade do Comandante Patrício,  ainda dá uma 'latada'...ah, ah, ah,  em alguém".(...)

________________



Notas do editor:


(*) Vd. poste de 18 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9368: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição e adaptação de Luís Gonçalves Vaz (Parte I)

(**) Último poste da série > Guiné 63/74 - P9388: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (12): Bissau, Liceu Honório Barreto (Nuno Rodrigues / Luís Gonçalves Vaz)

10 comentários:

Luís Graça disse...

Meu caro C. Martins:

Continuo com pena que continues a ser um "marginal secante" em relação à nossa Tabanca Grande, e portanto ao nosso blogue. O "marginal secante" é o que interseta dois sistemas de ação: és leitor do nosso blogue (visto de dentro para fora) e és nosso camarada(visto de fora para dentro)...

Para mim, és um bom camarada e tens sido um infatigável colaborador do nosso blogue, nomeadamente ao nível dos comentários... Aceito, porém, as tuas razões, pessoais, profissionais e deontológicas, para não te expores excessivamente em público, no nosso blogue, que é visto por muita gente todos os dias (cerca de 3500 visitas diárias, o que não quer dizer visitantes únicos)...

Mas agora vamos aos números: não ponho em causa a tua afirmação de que tinhas em stock 10 mil granadas de obus 14... Para mim, que não fui artilheiro, mas "infante" de armas pesadas (especialidade que, de resto, nunca exerci no TO da Guiné), 10 mil granadas de obus é muito material...

Se o meu amigo Amaral Bernardo, médico em Bedanda, nos idos anos de 1971, estiver certo, cada granada de obus 14 é(era) um "supositório!" de 50 quilos!... Multiplicado por 10 mil, dá 500 mil quilos, ou sejam, 500 toneladas...

Onde é que vocês guardavam 500 toneladas de granadas de obus em Gadamael ? É apenas uma curiosidade...

Aquele abraço para ti e para o fantasma do Sanches Ribeiro que conmtinua a pairar lá para os teus lados... LG

Anónimo disse...

Camarigo C. Martins;

Quando vi a tua fotografia no presente post, animei-me e disse: finalmente !!, ele aqui está. Só depois verifiquei que ainda não foi desta que tinhas aderido à postagem e que afinal era uma compilação de comentários teus que o Camarigo Maior deste "nosso" blogue havia feito.

Abraços do
Joaquim Sabido
Évora

Anónimo disse...

Caro Camarada Luís Graça

Admirado porquê ?
Para tua informação e de todos os camaradas, éramos reabastecidos por batelões só com granadas espoletas e cargas e outro material só para o pelart.
Ía em média uma vez por mês.Como é evidente, este stock foi feito durante vários meses.Não tínhamos restrições,mas consegui-se aumentar o stock falseando os gastos isto é gastava-mos menos do que dizia-mos para Bissau.Isto tinha como única finalidade não sermos apanhados com as "calças na mão".
Nos intervalos das flagelações, coçava-mos a micose mas também reponha-mos granadas e etc. lavava-mos os obuses "tocar punheta"(giria artilheira) sim que ao lavar o tubo aquilo parecia mesmo isso,pequenas raparações, etc...Quando era necessário vinham mecânicos de Bissau no mesmo dia de heli. até Cacine e depois sintex ou zebro até Gadamael.
Onde guardava-mos tanto material, no paiol obviamente, que tinha a porta aberta e cada um servia-se à vontade. Um dia dei-me ao trabalho de contar os cunhetes de munições de g3 e cheguei aos 400 e depois desisti.
Cada granada pesava 45 kg e não 50, e cada tiro custava 2.500$00.
Tínhamos 3 comp. 1 pelart (52 militares) e não trinta, 1 pelt de canhões s/r, 1 pelt de morteiros 81, e 2 pelt. de milicias, no total éramos à volta de 600 militares.
Como vês...é só fazer as contas.
Sobre a minha participação no blogue já te expliquei o porquê.. não tenho nada a esconder, mas é melhor para mim estar assim.
O teu blogue para mim é um paliativo..posso aqui desabafar...dar um tiro de obus imaginário..faz bem à minha sanidade mental e como eu... certamente a muitos de nós.
Um grande OBRIGADO para ti extensivo a todos os co-editores.
Repara nas horas a que escrevo,sabendo que logo pelas 8 horas da manhã estou a trabalhar, não não estou reformado, e faz o teu diagnóstico.
Um grande alfa bravo
C.Martins

Luís Dias disse...

Caro C. Martins

Os meus agradecimentos pelas tuas excelentes explicações sobre a situação vivida na altura em Gadamael e para isso nada melhor do que alguém, como tu dizes e bem, que estava lá.

Também eu, como responsável pelo armamento e munições da minha companhia, enviava nos relatórios dos contactos ou das flagelações sofridas mais gastos do que efectivamente havíamos disparado.

Um abraço.

Luís Dias

Anónimo disse...

PS
peço desculpa pelos -- nos mos gastávamos coçávamos etc
é o que faz escrever ao correr do teclado

C.Martins

Anónimo disse...

Sinceramente
quando se lê nos relatórios que foram 48 ou 52 (ou não sei quê) granadas durante a flagelação ...é só para rir
Mas alguém as contava !!!!

C.Martins

Luís Graça disse...

Meu caro Martins:

Gostaria que tivesses escrito "o nosso blogue"... Ele também é teu, mesmo que formalmente continues a preferir "estar com um pé fora e com um pé dentro"... Um saudação especial para ti!...

Mas, voltando aos números: 10 mil granadas de obus 14 a 2 contos e quinhentos cada uma, perfazia a bonita quantia de 25 mil contos... Era muito dinheiro para a época...

Já reparaste quanto custava alimentar o "ventre (esfomeado) da guerra" ?... Cada um de nós tinha direito a 24$5o para se alimentar, por dia... Ora, vinte e cinco mil contos (ou 25 milhões de escudos) davam para alimentar mais de 1 milhão de soldados num só dia...

São números curiosos...

Um abração. Luís

PS - O que fizeste ao paiol no final da guerra ? Claro, não o trouxeste para casa... Foi destruído, presumo...

Anónimo disse...

Meu caro Luís Graça

Eu não fiz nada ao paiol,juro.
Os obuses vieram para cacine um a um em LDP e depois em LDM para Bissau, onde veio também a Caç 20 e o meu pelart.
A ordem que tínhamos era lançar as granadas ao mar, o que não foi feito, vieram para Bissau, mas não sei o que fizeram posteriormente.
Sobre o restante material de guerra também não sei o que lhe fizeram, mas penso que uma grande parte foi transportado para Bissau.

C.Martins

Anónimo disse...

PS

Não é vieram, mas foram.
Não foi em LDM mas em LDG.
Parece que ainda estou em Cacine e Bissau, em pensamento, claro.

C.Martins

Luís Graça disse...

1. Um leitor anónimo deixou aqui a seguinte informação:

"A haver um 'pai' dos Fuzileiros - desta actual encarnação - é o Comandante Pascoal Rodrigues e não o Comandante Patrício. A César o que é de César".

[Terça-feira, Janeiro 24, 2012 3:51:00 PM]


2. Este comentário, anónimo, esteve vários dias "on line", infringindo a mais elementar das nossas regras editoriais, que é a não aceitação de comentários anónimos... Como costumamos dizer, aqui ninguém se esconde (nem precisa de se esconder) atrás do bagabaga...

O comentário foi retirado, embora a informação nos pareça útil para os nossos leitores.

Sobre o Comandante Pascoal Rodrigues, "pai dos fuzos", e que entretanto saiu da Marinha, vivendo no Brasil desde 1975, ver aqui uma entrevista com ele:

http://www.associacaofuzileiros.pt/pdf/Desembarque_5.pdf

LG