quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 – P9345: Memórias de Gabú (José Saúde) (21): Rádios dos tempos da Guerra do Ultramar



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.

Rádios dos tempos da Guerra do Ultramar

De Tete, Moçambique a Gabu, Guiné


Recebi, recentemente, uma mensagem deveras interessante enviada por um camarada Ranger de nome Jaime Froufe Andrade que refere a curiosidade em manter em seu poder um rádio pertencente a um ex guerrilheiro capturado na região de Tete, Moçambique, no dia 17 de Setembro de 1968. Segundo o relato do camarada, esse audacioso pequeno aparelho (funciona a pilhas) e revela uma história interessante a registar para a posterioridade, faltando, porém, conhecer o seu epílogo. 



Resumindo: O conteúdo do alerta deixado pelo Ranger Andrade, friso, também, o meu aviso, visando juntar as peças do puzzle entretanto desarrumado. Mas, e há sempre um mas, nestas coisas da internet tudo hoje se processa de uma forma simples e singela onde o carregar numa tecla – “enter” - poderá apresentar-se de seguida como a prova reconhecida para desmistificar um sonho que tende permanecer escondido num canto da saudade.

Fala o camarada que a celebridade que teima em manter no seu espólio ultramarino, lembra-lhe um golpe de mão efectuado lá para as bandas de Tete, Moçambique, sendo que do assalto resultou a captura de um ex guerrilheiro da FRELIMO que transportava consigo um rádio o qual ele próprio recolheu, sendo que a celebre preciosidade ainda se mantém, intacta, na vitrina dos seus troféus.

O apelo do Ranger Andrade é procurar encontrar o fim do fio da meada para, finalmente, entregar a telefonia ao seu verdadeiro dono: o homem capturado pela tropa lusa, perto de Tete, no já longínquo ano de 1968, precisamente no dia 17 de Setembro, reforço.

Sabes, camarada, que na Guiné também era comum os guerrilheiros transportarem roncos dessa natureza. Aliás, um aparte: os roncos não se quedavam apenas a nível das tropas inimigas, nós, brancos de rija tempera, curtíamos também os sons dos nossos nostálgicos rádios, aqueles comprados nas lojas dos libaneses em terras guineenses, enquanto em Moçambique, vocês, adquiriam-nos junto aos monhés, penso que era assim que na altura os baptizavam. Hoje, reconheço que se tratava de um desapreço multicultural, e racial, trazido fluentemente à estampa nesses remotos tempos.

Não obstante a verdade conhecida, o rádio, em poder do Ranger Andrade, assume-se ainda hoje como um pequeno brinquedo que não obedeceu a custos adicionais, sendo que o seu regresso às mãos do seu eloquente dono permanece em aberto. As portas continuam escancaradas!

Como nota de roda pé, passo a citar em seguida a história do meu velho rádio em Gabu, Guiné 1973/74.


O rádio do nosso contentamento 
Música para omitir a dor 

O dia de folga, de abençoado descanso, propunha aventuras deveras concertantes. A malta vestia roupa civil, aprumava-se à maneira, curtia tardes de convívio e espreitava o movimento das ruas de Gabu. 

Com uma camisa cingida ao corpo, uma calça de ganga, umas peúgas brancas, mania de uma juventude irreverente, e um sapato de pala, já agora uma cueca também branca, formalizavam uma indumentária do turista de Gabu. 

Depois vinha o passeio. 

Empapuçado com a minha presença lá ia eu desbravando territórios adversos aos campos de batalha. O camuflado, arrumado a um canto, mostrava-se paciente com a trégua que lhe foi dada. Amanhã, ou logo, lá estava ele operacional. 


No quarto partilhado com outros camaradas o velho rádio emitia sons que traziam até nós disseminadas notícias da metrópole que nos davam gozo. Sabíamos as últimas do país. Um país que além-mar se deparava com três frentes de guerra. 

Por outro lado notícias desportivas sobre as virtualidades do ciclista do Sporting, Joaquim Agostinho que, não obstante a idade, continuava a brilhar para gáudio do antigo homem do pedal João Roque que o tinha descoberto lá para as bandas de Torres Vedras; a última vitória do Benfica para o campeonato; os hoquistas portuguesas que continuam na senda como os melhores do mundo; o jovem Fernando Mamede que ao serviço do Sporting se afirmava como atleta de alta competição; enfim, notícias diversas sobre o mundo do desporto português que nos chegavam através do rádio. 

No campo musical, Amália Rodrigues, Fernando Farinha, António Calvário, Madalena Iglésias, Simone de Oliveira, Tony de Matos, Francisco José e toda uma elite de cantores lusos afamados, apresentavam-se ao rubro como artistas modelos para jovens que se deparavam com o factor de isolamento algures num ponto mais híbrido numa qualquer mata do Ultramar. 

Aquele rádio foi um dos meus fiéis amigos. Comprei-o numa loja de libaneses em Gabu. Na altura adquiri também uma ventoinha. 

Após a independência fiz questão em deixar como herança para os tropas do PAIGC essa maravilhosa relíquia! Uma dádiva caída do céu. 

Um abraço deste alentejano de gema, 
José Saúde 
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados. 
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.  
___________ 
Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em:
4 DE JANEIRO DE 2012 > Guiné 63/74 – P9313: Memórias de Gabú (José Saúde) (20): Passagem de ano 1973/74


3 comentários:

jdeferraz disse...

Caro Ranger Jose Saude. a proposito de radio tu es mais novo que eu na Guine, a minha comissao foi de 68/70 e curiosamente fui do primeiro curso de op/esp dado como especialidade em que na quase sua totalidade formarao os quadros de oficiais e sargentos da decima sexta e decima setima companhia de comandos. No meu tempo havia um program de radio das forcas armadas originado em Bissau nao sei se existia no teu tempo. E ao ler o teu poste do meu bau de memorias saiu-me outra anedota. O locutor/apresentador numa das suas emissoes decidiu traduzir o titulo das cancoes emitidas para portugues... e disse... em seguida vamos ouvir Oh baby come on back.. que traduzido para portugues vem a ser... oh bebe salta-me pras costas... Um abraco- ZE.

Anónimo disse...

Fui camarada de Batalhão do Alf.
Froufe Andrade,ele era da c.caç 2358 e eu da c.caç 2357.Também tive
(mais que um)o meu National Panaso_
nic.Além das emissoras moçambicanas
captadas em OC,também ouvia as dos
países vizinhos.Não sei se o cama_
da José Saúde,tinha outro interesse
além de ouvir as músicas do seu a_
grado e os sucessos músicais da é_
poca.Eu já levava cá da Metrópole o
"bicho" das Ondas-Curtas,tinha um
potente Rádio Zenith de Válvulas,
tipo militar.Eu ouvia o mundo in_
teiro.As rádio:Moscovo;Pequim;Tira_
na;Voz da América;Bucareste;RDA;
Cairo;etc;etc e é claro a rádio Ar_
gel onde um dos nossos salvadores da pátria,repinpado no seu exílio
dourado,F.... o juizo da malta que
não tinham(por diversas razões)dado
de frosques e que calcoreavamos,
"apanhando"no tótiço,desde as bola_
nhas da Guiné até aos planaltos de
Timor.Depois voltei a ouvi-los na radio Tanzânia em Daressalam.Tinham
desertado de Angola e de Moçambique
e vá de nos"amolar"a paciência e não só,a vida.Lá que tivessem cava_
do,tudo bem,agora falar nos nossos
nomes e dar informações ao outro
"lado"para nos tramar,como fossemos
os culpados de todos os males?essa
doía(doi)mais do que termos sido mobilizados.Aqueles "trastes"faziam
lembrar a"Rosa De Tóquio".Não devo
abusar da vossa paciência,fico por
aqui.Continuação das melhoras cama_
rada José Saúde.

Carlos Nabeiro-Setúbal-Moçambique
ZOT-1968/70 B.caç 2842.

Antónjo Santos disse...

Amigo José Saude,recordo com alguma saudade porque era mais novo as saidas ao domingo para ir á cidade como diziamos na altura.Beber uma bebida no café do Diniz em frente ao caoop2,de regresso ao quartel então ouvia-seo o tao desejado relato de futebol,no nosso companheiro transistor.Um abraço.Ant.Santos ex escrit.da ccs/bart6523.