sábado, 29 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7694: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (9): O último

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Janeiro de 2011:

Queridos Amigos,
Muito obrigado pela boa companhia que me deram nesta viagem.
Acabaram-se as imagens, começou o vago rumor, mal localizado, que precede a nova viagem.
Agora, anuncia-se a batalha verbal, os jogos de cintura a construir um livro, aparentemente enorme. Fosse eu disciplinado e teríamos livro até ao Outono.
Vamos ver, tenho muita Guiné pela frente.

Um abraço e até ao meu regresso,
Mário


OPERAÇÃO TANGOMAU - ÁLBUM FOTOGRÁFICO (9)

O ÚLTIMO ÁLBUM


Foi a última imagem que captei na Guiné, anoitecia em 1 de Dezembro de 2010. Estava na Pensão Central, a bagagem arrumada, eu muito feliz com as compras, sobretudo o Ninte Kamatchol e a escultura bijagó usada na dança do tubarão martelo. Lá em baixo, é aquele espectáculo fantástico dos veículos a fugirem das covas e do alcatrão carcomido. Ao longe, à esquerda, ainda uma nesga do ilhéu do Rei, ao fundo, à direita, vestígios do Pidjiquiti e ao fundo o canal do Geba e a extensão de Bissau. O dia apaga-se, é impossível fugir da atracção daquela bola de fogo que desce meteoricamente sobre o mar vegetal e o mar salgado. É a recordação obsidiante, a imagem fixa, acompanha-me em todas as recordações que me puxam até à Guiné. A partir daqui, só as recordações da cabeça, que nalguns casos possuem uma impressão muito próximo da fotografia. Consigo ver-me no restaurante Jordani, a comer bifinhos de sereia, enquanto via imagens da neve em Portugal; parece que estou a tomar um táxi que me leva para Bissalanca onde os seguranças me remexem desavergonhadamente toda a roupa, sempre sussurrando “dá qualquer coisa para o mata bicho!”; as horas em que me entretenho a ler, o voo só parte às três da manhã; o roncar do Airbus, uns saem outros sobem numa atmosfera de estufa; o último abraço do embaixador de Portugal e depois uma viagem com um jovem bijagó ao lado que vai aterrado, é o seu primeiro voo, procuro desanuviar a tensão pedindo-lhe informações sobre a dança do tubarão martelo; e o raiar do dia quando chegamos a Lisboa, trago a Guiné em todos os poros, em todos os átomos da emoção, venho desvanecido pelos reencontros, pelas descobertas.


Foi o cabo dos trabalhos despedir-me da Maria Fausta, a mulher do Abudu. Visitara-a mal chegara a Bissau, no dia 18 de Novembro à tarde, na companhia do Sr. Sabino, o motorista da embaixada. Estes bairros populares nada tem a ver com o que me lembrava de há 40 anos: Santa Luzia cresceu desmesuradamente, o Bairro Militar, Quelele, o Bairro Missirá, transformaram-se em autênticas favelas, impressionam pelo lixo, as irregularidades do solo, a guerra perdida em prol do saneamento básico. Esta fotografia foi tirada depois do nosso encontro. É muito duro conhecer alguém a quem se vai dizer, sem ambiguidades, que o marido não tem condições físicas para viver na Guiné, precisa de acompanhamento constante e medicamentos, há a esperança da naturalização, é o menos que Portugal pode fazer para este homem que se atirou ao trabalho mais humilde durante 15 anos, que foi explorado por falsos empresários que não entregaram o que ele descontou na Segurança Social. E mais não se diz, toda a pessoa tem direito à privacidade. Esta mulher olha-me com firmeza, já tínhamos conversado sobre a saúde do Abudu, um ser humano não é de ferro, expressa o sofrimento, lacrimeja. Pois a fotografia que me estás a tirar, branco, irmão do meu marido, pode espelhar mágoa e tristeza, mas só o quanto basta. O resto é dignidade africana. Para que conste.


A Ponta do Inglês provoca ao visitante (por sinal, antigo combatente) sentimentos contraditórios. Ele sabe que esta estrada enorme está regada de sangue e sofrimento. Ele sabe que quem aqui viveu, na segunda metade dos anos 60, viveu em extrema inquietação. E, no entanto, há sempre este cenário idílico, por aqui passa o Corubal estuante, é uma foz ampla, com a Península de Quinara ao fundo e em frente. À esquerda, era o Corubal de todos os perigos, os barcos da Armada penavam e eram frequentemente flagelados, ali o PAIGC tinha o domínio do solo, em ambas as margens. O viajante teve sorte com a altura do sol e os reflexos de prata. Naquela lama, na berma, disseram-lhe, houve uma instalação portuária, tudo desapareceu, pode-se percorrer a Ponta do Inglês e até supor que nunca ali houve metralha, sentinelas angustiados, soldados expectantes naquele ermo, injustificável em termos militares. Para que se saiba, quem vê paisagens não vê emoções. Aqui o passado morreu, ele só existe na memória de quem não o esqueceu.


Foi a primeira fotografia que se tirou, na concelebração de 28 de Novembro. Não gostei, há aqui muita tristeza estampada, imprópria para o evento. Tínhamos estado todos ruidosos, de línguas soltas, à volta do passado. Há aqui poses formais, de quem receia ficar descomposto para a posteridade. Nas fotografias subsequentes, deu-se o degelo, transparece a alegria africana. O único dissidente dos formalismos é o Príncipe Samba, exibe o livro que lhe foi oferecido, terá as suas razões, pode mesmo estar a pensar: “Quando voltares a ver esta fotografia lembra-te que este livro é meu, por direito próprio, durante a manhã falámos da mina anticarro em que fiquei sinistrado, contei-te as provações por que passei nos últimos anos da guerra, ao menos que nestas páginas alguém me tire do anonimato e me exalte pelo meu bem servir”. Estes, parte dos meus bravos que vieram de candonga, a pé e de bicicleta, aqui se confraternizou, neste local alguém se despediu dizendo: “Não acredito que seja a última viagem, nós merecemos mais amizade, volta”.


Parece bailado contemporâneo mas é um acto religioso. Não podendo participar, orei à distância, jaculatórias para todos aqueles que se finaram ou não puderam vir. Enquanto decorre a oração, lembrei fidelidades, comportamentos exemplares, actos de heroísmo, primores de carácter. Nada me custou olhar para um acto religioso indecifrável. Esta postura curvada, parece-me, é de fácil compreensão: Deus misericordioso, prostro-me e peço-te perdão, dá-me alento para continuar e cumprir os teus ensinamentos. Estes homens purificaram-se antes da oração. E mesmo antes da purificação pela água tinham-se purificado pela estima que me devotam. É a minha de me prostrar diante de Deus.


Vim à procura deste amigo, não encontrei, ele vive em Farim, não é fácil chegar a Bambadinca. Felizmente, goza de saúde. Aqui muito perto, onde concelebramos, Quebá Sissé, conhecido pelo Doutor, meteu o dedo ao gatilho quando subia para o Unimog, desfechou uma curta rajada, mortal, sobre Uam Sambu, que me caiu nos braços. Foi testemunha de Quebá Sissé no seu julgamento, a punição foi mínima, para bem de todos nós. Esta imagem tem pelo menos 42 anos. O Doutor tinha uma verticalidade estranha, parece que o tronco lhe pesava, ajoujava a carga para diante e para trás, balançava os braços e as pernas, no seu jeito peculiar. Temo-lo aqui à porta da cozinha, cercado dos seus ajudantes, os meninos que cobiçavam as sobras do rancho. Ao fundo, o indescritível balneário de Missirá, meses depois substituído por uma estrutura mais apropriada. Honra seja feita ao Doutor, e nesta memória dirijo um olhar terno para todos os ausentes da nossa concelebração.


Afinal, eles são o futuro. A imagem vem do Bairro Joli, Mio e os seus dois filhos. Mio procura pôr de pé a granja que esteve muito tempo abandonada, mudou profissionalmente de rumo para se dedicar a esta empreitada. Os meninos, é a minha esperança, colherão o fruto, dilatarão os sonhos do Bairro Joli. Porque o que parece impossível em muitos casos torna-se viável, praticável. O que está em ruinas levanta-se, o que desfalece anima-se. Haja confiança neste futuro. Com gente determinada no presente.


Estamos prestes a terminar por onde se começou. Quando desembarquei em 29 de Julho de 1968, na noite escura, fui conduzido para o QG, o tal quartel general de onde parti, do cais do Pidjiquiti, para Missirá. Quando aqui regressei, mais de 42 anos depois, pretendi captar a imagem desse QG, hoje fantasmagoria. É um edifício que explodiu à bomba, nele morreu um chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas. Impedido de fotografar o escombro, coisa surrealista, vinguei-me fotografando um vestígio do passado, hoje completamente inócuo, sem qualquer préstimo, a não ser proteger pessoas em dia de temporal: uma guarita. Mas do que gosto verdadeiramente é da terra afogueada, parece que passou por aqui um cometa incandescente e esquentou o solo, para todo o sempre. O contraste é o verde, só falta um rio da Guiné, o resto é o que chancela esta paisagem: o verde ambiente e a laterite que pisamos.


De todas as imagens em arquivo que possuo, é desta a que mais gosto, foi-me oferecida pelo João Crisóstomo, da Companhia 1439, do Enxalé, foi tirada quando iam a caminho do Xime, quase em frente. É o símbolo de todas as viagens, está ali o Geba, soldados como nós, viaja-se de uma berma para outra. É a metáfora da Operação Tangomau. Provisoriamente, interrompe-se aqui a viagem. Muito obrigado pela vossa atenção.
__________

Notas de CV:

Vd. postes da série de:

5 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7384: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (1): Dias 18 e 19 de Novembro de 2010

9 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7410: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (2): Dia 20 de Novembro de 2010

12 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7425: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (3): Dia 21 de Novembro de 2010

16 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7445: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (4): Dia 22 de Novembro de 2010

20 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7479: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (5): Dia 23 de Novembro de 2010

28 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7514: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (6): Dia 24 de Novembro de 2010

1 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7541: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (7): Dia 25 de Novembro de 2010
e
4 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7552: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (8): Dia 26 de Novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7693: Facebook...ando (9): Notícias do pessoal da CCAÇ 6, Bedanda, dos camaradas António Teixeira, Mário Bravo, Pires, Luís Nicolau, José Vermelho, Bastos, Pinto de Carvalho, Vasco Santos, Ayala Botto (1971/73), mas também do Hugo Moura Ferreira (1966/68), nosso camarigo da primeira hora



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72>  "Mais uma foto de Bedanda com o nosso amigo Mário Bravo. Infelizmente (a idade não perdoa) não me recordo do nome dos outros a não ser o do Furriel Pires, que está logo em primeiro plano com a mão no queixo. Esta foto foi tirada no bar lá em Bedanda" (António Teixeira, ex-Alf Mil).


Foto:  © António Teixeira (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados 


1. Outros comentários do António Teixeira, novo membro da nossa Tabanca Grande [, foto à direita],  inseridos no mural da nossa página no Facebook:

(i) Que prazer encontrar aqui velhos camaradas, como o Vasco, o nosso cripto. Lembro-me perfeitamente, pois estivemos juntos mais de um ano em Bedanda. Eu sou o Alf Teixeira e moro, como sempre em Espinho. Quanto ao Alf Pinto Carvalho, estou com ele muito frequentemente, assim como o Luis Nicolau, que era o homem que nos tratava do Correio. Gostei muito também de ver o Vermelho, que nunca mais soube nada dele, assim como do Dr. Mário Bravo" (...)

(ii) "Lembro-me também de um Alferes de Artilharia que esteve em Bedanda entre 72 e 73 e que se chamava Bastos. Via-o há uns anos com frequência pois ele é de Lourosa, aqui perto de Espinho. Soube que foi para o Canadá e que voltou, mas já há muito tempo que não o vejo. Quanto Pelotão de Artilharia, não me lembro qual era. Vou tentar ver se há alguma coisa nos dois números do Jornal "O 6 do Cantanhês" que eu e o Pinto Carvalho [, foto à direita,] lançámos" (...)

Diz o Vasco Santos, também no Facebook, [esse Alf Bastos ?]  "é do meu tempo, pois foi o substituto do Cap Ayala Botto e eu estive em Bedanda até Novembro de 1973, ou seja, esive lá 23 meses.


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1970 > Vista aérea da tabanca e aquartelamento. Foto que nos foi enviada pelo nosso camarigo, da primeira horea, Hugo Moura Ferreira, ex-Alf Mil de Infantaria, que esteve na Guiné, entre Novembro de 1966 e Novembro de 1968, primeiro na CCAÇ 1621 (Cufar) e depois na CCAÇ 6 (Bedanda) (**)



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1970 > O famoso obus 14... Julgo que esta foto (e a anterior) terá sido dada ao Hugo Moura Ferreira por uma dos camaradas da CCAÇ 6 que estavam em Bedanda em 1970.

Fotos: © Hugo Moura Ferreira (2006). Direitos reservados. (***)
___________

Notas de L.G.:



(**)  Vd. postes de:

Guiné 63/74 - P7692: Parabéns a você (208): Luís Graça (Henriques), ex-Fur Mil Armas Pesadas, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71 (Tertúlia / Co-Editores)

PARABÉNS A VOCÊ
29 DE JANEIRO DE 2011

LUÍS GRAÇA (HENRIQUES)



Pois é. Sempre que o calendário marca 29 de Janeiro, o nosso camarada Luís Graça soma mais um ano de vida. Anda nisto há 64 anos, e propõe-se continuar até pelo menos ao ano 2047. A responsabilidade é grande e o Blogue não pode parar. Como aquelas pilhas, ele tem que durar... durar... durar...

Neste dia, a Tertúlia, por intermédio dos co-editores, aqui está em peso a associar-se ao nosso camarada Luís Graça, "por acaso" Comandante desta Caserna Virtual (alguém já lhe chamou Rei Luar), neste dia do seu aniversário.

Quiseram os camaradas Giselda, Miguel Pessoa, Manuel Maia, Juvenal Amado e Joaquim Carlos Peixoto, prestar a sua homenagem particular ao Luís, e nós aqui estamos a cumprir o nosso dever de publicar os seus trabalhos.






1. Como é habitual, o postal de aniversário do casal "strelado" Giselda (ex-2.º Srgt Enf.ª Pára-quedista, BA 12, Bissalanca, 1972/74) e Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado), encima o poste.





2. Do nosso camarada Manuel Maia (ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74) recebemos estas nove sextilhas:

AGRADECIMENTO A LUÍS GRAÇA E À TABANCA

Bem dentro deste espaço liberdade,
que ajuda a mitigar nossa saudade,
Luís Graça e Camaradas da Guiné...
Há laços, inquebráveis, solidários
nascidos de vivências e fadários
comuns a todos nós, creiam que é...

P`ra exorcizar fantasmas recalcados
da mente prisioneiros bem fechados,
a guerra e seus excessos encobertos...
Os medos, pesadelos, sofrimento,
vividos até aqui no isolamento,
de todos, estou em crer, foram libertos...

Por isso, agradeçamos ao Luís
e às "forças do labor", assim se diz,
Vinhal, Briote, e Magalhães Ribeiro...
Sem eles nada disto acontecia
e a história esta abrangência não teria,
narrada aqui por cada companheiro...

Juntando camarada com amigo,
surgiu palavra nova, camarigo,
Mexia Alves foi pai da expressão...
Depois, camarigar, camarigagem,
entraram nesta nossa linguagem,
tu cá tu lá, soldado/capitão...

Sexagenários uns, outros passados,
na casa dos setenta já entrados,
da Net dependentes, quem diria?
Quinhentas almas, quase, aqui vos digo,
no seio deste bom porto de abrigo,
tendo a Guiné por base e sintonia...

O ar sério com que uns temas são tratados
com ricos pormenores, elaborados,
e o tom jocoso d`outros, é contraste...
A qualidade de ambos é notória,
assente em escritos uns, ou de memória,
interessa satisfaçam quanto baste...

Já vai mais d`ano entrado neste espaço,
convívio são, um bom lugar d`abraço,
em cada tabanqueiro um camarigo...
Reitero aqui de novo um obrigado
ao furriel dum tempo já passado,
meu caro Luís Graça, um bom amigo...

Ligadas por cordão umbilical,
à mãe, tabanca grande, virtual,
surgiram já no Centro e Matosinhos...
Depois em Gondomar (Melres) e Linha
(constando que a Lapónia também tinha...)
tabancas bem reais, p`ros petisquinhos...

Num blog que congrega ao seu redor,
num misto de saudade e até de amor
pela terra ocre/amarela, um "batalhão"...
Amigo traz amigo e amigo fica
enquanto um outro amigo fica à bica
e bate à porta n`outra ocasião...

Com os parabéns de
Manuel Maia
20/01/2011




3. Do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74) recebemos este texto:

TUDO ISTO CABE NO NOME LUÍS GRAÇA

No dicionário passou a haver outro significado, que não resulta do acordo ortográfico para a língua Portuguesa.
E assim para:
Solidariedade
Amizade
Compreensão
Partilha
Local de encontro
Ponto de partida e de chegada
Diálogo
Controvérsia
Acordo e Desacordo
Pátria comum
Guiné terra alegre e triste
Saudade
Sangue Suor e Lágrimas
Irmão...
Parece impossível, mas tudo isto cabe no teu nome Luís Graça!!!!!
Os homens nascem iguais, mas alguns, tornam-se maiores que os outros!

Muitos parabéns e que este dia seja seguido de muitos anos, na nossa companhia e da tua família que te ama.

Um grande abraço
Juvenal Amado
26/01/2011


4. Do nosso camarada Joaquim Carlos Peixoto (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 3414, Bafatá e Sare Bacar, 1971/73) recebemos hoje mesmo esta mensagem:

Luís Graça
Quis o destino, que no dia 29 do mês primeiro do nosso calendário, a Senhora tua Mãe, no seu estado de graça oferecesse ao Mundo o Luís Graça.
Mas que gracinha de bebé, que gracinha de menino, que entre fofos cobertorzinhos dormia o sono dos justos numa calmaria tal que a agreste intempérie que se fazia sentir, dada a época do ano, não o perturbava.


E assim, dia após dia, ano após ano, este menino se transformou em Homem.
Deram-te uma arma para as mãos, um pelotão para comandar e sem mais nem para quê, mandaram-te para terras africanas, onde a civilização não existia, onde o calor e a humidade abundavam, onde o povo indígena te olhava desconfiado, onde a barrenta terra oferecia aos “visitantes” um aroma inesquecível, onde tudo, mas tudo era diferente.

E assim, neste ambiente quase hostil te transmitiram uma responsabilidade que quase teus ombros não sustentavam: “Defender a Pátria”.

E foi neste contexto, nesta aventura quase de miúdos que algo de muito valioso aconteceu. Deste mundo quase irreal, viria a nascer anos, muitos anos mais tarde, uma amizade e uma camaradagem que seria impensável anos antes.

Conhecemo-nos em 2009 na Quinta de Paúl, Monte Real.
Nossas mulheres também se conheceram. Não sei se acredito ou não no destino, mas de uma coisa tenho a certeza: 
- “Ele há coisas …”.
É que houve desde logo uma empatia entre os casais, que em breve se iria transformar numa grande e sincera amizade.

E é baseado nesta amizade que hoje, 29 de Janeiro, te quero desejar assim como a minha mulher, um dia bem passado junto daqueles que te são mais queridos.
Que tenhas todo o carinho que a Alice te sabe dar.
Que este dia seja uma bênção.

Suporta os males com paciência e dignidade, pois somente este dia é teu.

Esquece o ONTEM.
Vive o HOJE, porque ainda não nasceste para o AMANHÃ.

Peço que aceites um alfa bravo com toda a amizade do tamanho da força da Natureza e um beijo com muito carinho da Margarida.

Meu bom amigo Graça, podes crer que junto da minha mulher beberei uma taça de champanhe em tua honra, desejando que de hoje a um ano, possamos com saúde e mesma amizade cantar-te “os parabéns a você”.

Um alfa bravo do sempre amigo e camarigo
Joaquim Peixoto


5. Deixamos agora estas fotos, representativas de diversas fases e situações da vida do nosso aniversariante.

Luís Graça, ou o Rei Luar, visto pelo nosso camarada Mário Migueis da Silva


O Senhor Luís Henriques e a Senhora Dona Maria da Graça, em 1947, com o pequerrucho Luís.


O Fur Mil Luís Graça (Henriques) em Finete (1971) com dois camaradas da CCAÇ 12


Quem foi o responsável pela deslocação destes ex-combatentes da Guiné, perfeitamente desconhecidos, de todos os pontos do país para o I Encontro da Tertúlia realizado em 2006 em Ameira/Montemor-o-Novo?


Quem foi o responsável pelo nascimento deste enorme grupo de amigas, já muito mais alargado do que o que está na foto, oriundas de todo o país, cujo denominador comum é serem casadas com um ex-combatente da Guiné?


Monte Real acolheu em Junho de 2010 o V Encontro consecutivo da Tertúlia, com um recorde de participantes. Na foto, a partir da esquerda: o nosso JERO (Eduardo Oliveira), Mexia Alves (o nosso anfitrião) e o nosso Luís. Com um joelho em terra, o Pirata de Guileje, Casimiro Carvalho


Luís Graça voltou à Guiné em Março de 2008 para intervir no Simpósio Internacional de Guiledje. Ei-lo em Bambadinca revivendo tempos que jamais esquecerá.


6. Antes de fechar o poste, os teus editores deixam-te um fraterno abraço com votos de que passes um sábado de aniversário alegre junto de tua esposa, filhos e demais familiares. Uma saudação muito especial para os senhores teus pais por terem um filho especial para os inúmeros amigos que fez.

Conta connosco para manter este blogue que se tornou um caso sério na blogosfera. Repara Luís que até quem nos critica negativamente pratica uma leitura diária e atenta, caso contrário não continuavam a aparecer comentários mais ou menos favoráveis.

Os teus Co-editores
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Nota dos co-editores:

Vd. último poste da série de 23 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7658: Parabéns a você (207): Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833 e José Albino, ex-Fur Mil do Pel Mort 2117 e BAC 1 (Tertúlia / Editores)

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7691: Memória dos lugares (128): Foto da Antiga Administração de Gabú (ex-Nova Lamego) (Virgínio Briote/Rui Fernandes)


1. O nosso camarada Virgínio Briote (ex-Alf Mil Comando, Brá, 1965/67), enviou-nos a seguinte mensagem, que lhe foi endereçada em 26 de Janeiro de 2011, pelo nosso Camarada Rui Fernandes (que integra a nossa Tabanca Grande, desde Janeiro de 2008, mas de quem ainda não temos nenhuma foto).
Gabú
V. Briote

Vi no dia 24 do corrente a imagem da Antiga Administração de "Nova Lamego", agora Gabú, que se encontrava em ruínas, agora reconstruída.
Não sei quem financiou mas tem um bonito aspecto.
Julgo que quem andou por aquelas bandas e via as fotos com a estrutura degradada gostará de ver como se encontra neste momento.
Será a Sede do Governo Regional.
A foto foi retirada de uma reportagem da RTP-África.
Fica ao seu critério colocar ou não no Blogue.

Com os meus cumprimentos,
Rui Fernandes

Foto: © Rui Fernandes (2010). Todos os direitos reservados
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

28 de Janeiro de 2011 >

Guiné 63/74 - P7688: Memória dos lugares (127): A despedida de Bedanda, CCAÇ 6 (Dezembro de 1971/Março de 1972) (Mário Bravo, médico)


Guiné 63/74 - P7690: Estórias do Juvenal Amado (35): Rodéro, o corneteiro com falta de embocadura

1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 26 de Janeiro de 2011:

Caros Luís, Carlos, Magalhães, Briote e restante atabancados
Esta é mais uma pequena estória mas que também tem importância, pois com o povo diz, também as pedras pequenas ajudam a fazer o muro.

Juvenal Amado


Estórias do Juvenal (35)

O RODÉRO CORNETEIRO E A FALTA DE EMBOCADURA

O Rodéro era um daqueles casos, que só tinha sido apurado para o serviço militar porque naquele tempo, só escapavam poucos e muito aleijados. Alentejano extremamente magríssimo com cara, que fosse a situação que fosse, era sempre de outra dimensão, de quem recorria ao barril do tintol constantemente, mesmo que fosse mais martelado que outra coisa. De vinho só tinha o nome e vagas parecenças, o líquido que vinha nos bidões de 200 litros.

Figura simpática, trabalhava na messe dos oficiais e sargentos, respondia sempre com um sorriso, dizendo que estava tudo em forma, fosse o que fosse que se lhe perguntasse, assim entre um bocadinho de pão e uma tala quina de chouriço, que lhe tinham enviado da terra.

Com uma navalhinha cortava as rodelinhas do dito e pequenos pedaços de pão, com precisão quase cirúrgica. Saboreava as duas coisas com uma reverência como se estivesse na missa. De uma forma ancestral honrava o alimento, por vezes tão difícil de conseguir do povo alentejano.

A sua especialidade era a de corneteiro, mas tendo em vista a sua fraca figura, cedo deixou de exercer. Com um peito daqueles, os sons eram pois os mais disformes e dificilmente se descortinava o toque do rancho, do de reunir, ou mesmo para a Bandeira.

Um dia já para o fim da comissão, estando o 2.º Comandante no Comando do Batalhão, foi necessário recorrer ao Rodéro como corneteiro, pois os outros estavam impedidos, não sei porque razão.

Foi de manhã no içar da Bandeira que a coisa se deu.

Estava uma Secção formada junto ao mastro, às ordem de sentido e apresentar armas, vai o Rodéro dar inicio ao respectivo toque.

Bem os sons que saíram do cornetim eram mais parecido com um saco cheios de gatos que se pretende abandonar num balseiro.
O soldado encarregue de hastear a Bandeira não sabia o que fazer, até que olhou para Oficial de Dia que ele lhe fez sinal para avançar. Não se percebeu onde começou e acabou o toque, pouco faltou para a guarda de honra se desmanchasse a rir.

Findo o acto, lá vem o Rodéro com aquele ar inocente, pensando para os seus botões, que eram todos uns maldizentes e que até nem tinha tocado nada mal.

- Estão-se a queixar! Eu queria ver-vos era a vocês!

Quem não tinha assistido mas ouvido, juntou-se aos que tinham presenciado a vivo e a cores.
Pela parada fora toda a gente arreganhava os dentes.

O nosso 2.º Comandante que tinha presenciado tudo, quando o Rodéro ia a passar por ele, perguntou-lhe com um ar meio divertido:

- Óh Rodéro o que é que foi aquilo? - Responde o nosso afamado corneteiro:

– O quê que quer que lhe faça mê Major? Foi o que se pode arranjar.

Foi uma gargalhada geral, e o acontecimento ficou para a história, que é bom de ver que nunca mais se repetiu.

A nós disse-nos com o ar mais natural do mundo, que tinha sido falta de embocadura.
Passou ser palavra de ordem quando íamos beber uma cerveja, dizíamos que era para tratar da embocadura.

Há tempos tive notícias dele pelo Caramba. Estava bem na sua simplicidade de sempre.
Como eu gostaria de lhe dar um abraço e ouvir da boca dele, que aquele toque tinha saído assim por falta da embocadura.

Um abraço
Juvenal Amado
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7634: Estórias do Juvenal Amado (34): Só o aprendiz sabe o que custa aprender

Guiné 63/74 - P7689: Notas de leitura (194): Ordem Para Matar, de Queba Sambu (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Janeiro de 2011:

Queridos amigos,
Ou o Tenente-Coronel Queba Sambu diz a clara certidão da verdade ou é um dos maiores pantomineiros da história. Temos aqui, tintim por tintim, nomes, datas e embustes, prisões, homicídios, cenas que imitam a CIA e o KGB, ou então é puro delírio, trata-se de terrorismo de Estado, ou anda muita gente a assobiar para o lado. Não se pode ficar indiferente a este relato amplamente documentado se bem que o livro, por falta de revisão, chega a ser caótico no português e nas nomenclaturas.
Se algum dos confrades conhecer o contraditório destas acusações e denúncias, por favor, ajude-nos.

Um abraço do
Mário


Episódios de terror e despotismo nos tempos de Luís Cabral e Nino Vieira

Beja Santos

“Ordem para Matar, dos fuzilamentos ao caso das bombas da Embaixada da Guiné”, escrito pelo Tenente-Coronel Queba Sambu (Edições Referendo, 1989) é uma leitura indispensável para quem quiser entender as práticas de sanha demencial do poder despótico que se exerceu ao mais alto nível, depois da independência. O seu autor foi um chefe de serviços secretos, especialista em contra-informação. Quadro do PAIGC desde os anos de luta armada, mereceu a confiança dos dois primeiros presidentes da República e acompanhou de perto actos de puro terror e pôde presenciar as manifestações mais repugnantes do poder totalitário destes dois dirigentes. O que se estranha é não ver esta obra discutida ou contraditada, parece haver vontade de a tapar com um manto diáfano da incomodidade, como se não fosse politicamente correcto dissecar os desmandos e a bestialidade do poder autocrático, tal como ele foi exercido por homens que se diziam seguidores do pensamento de Amílcar Cabral. É tal a riqueza de informação deste libelo de Queba Sambu, que o iremos repartir para ter acesso a informação raramente versada.

O autor inicia o seu trabalho com um “breve historial da luta nacional de libertação” inserindo o seu próprio protagonismo. Passa-se adiante tudo quanto ele escreve sobre o fenómeno da descolonização e está seguramente documentado e é hoje incontestável. Educado numa missão católica em Catió, Sambu estagiou na União Soviética e daqui voltou para a região Sul, ficando às ordens do comando de Gan-Tchombê, na região de Cubisseco, em 1970. Relata pormenorizadamente o apoio que recebeu dos “padres italianos”. De Catió fugiu para as zonas libertadas. Por determinação do comando dos serviços de segurança do PAIGC foi transferido para colaborador do comandante de segurança do sector de Tombali, em 1971. Em 1973 voltou à URSS para estagiar e mais tarde foi nomeado comandante do comando de Gan-Tchombê. Descreve a Operação Mar Verde, o assassinato de Amílcar Cabral e a ofensiva de 1973. O episódio mais interessante deste depoimento tem a ver com a retaliação que o PAIGC perpetrou com um plano para assassinar Spínola em Bubaque, em retaliação pela morte de Amílcar Cabral. Ele refere que foram destacados Agostinho Pereira e Marcos da Silva para preparar o plano do atentado, a operação não se consumou por nunca terem chegado botes de desembarque equipados com motores potentes.

A seguir ao 25 de Abril, descreve as conversações entre o PAIGC e as autoridades portuguesas e depois detalha as suas novas missões no aparelho de Estado. O PAIGC, mal chegado a Bissau, pôs em movimento uma nova máquina de segurança, prevendo um inimigo interno, que convinha vigiar e reprimir, montou uma máquina de investigações secretas susceptível de policiar todos os opositores incluindo a FLING. Observa o agravamento das condições de vida da população, os protestos mal dissimulados contra a polémica questão da unidade Guiné/Cabo Verde e as críticas feitas a Luís Cabral sobre a situação ruinosa para onde descambava o país. Para Queba Sambu, a equipa governativa deu prioridade aos burocratas e desagregou-se a confiança no PAIGC. Necessitando, nessa conjuntura, de exibir um culpado, a culpa partidária implantou um regime de terror, começando pelos ex-comandos africanos.

Para Queba Sambu, desde 1974 que se preparava um pretexto para fuzilar os ex-comandos, a começar pelos mais influentes. Estes começaram a fugir para o Senegal e daqui foram recambiados e entregues às forças de repressão. A dar fé aos argumentos utilizados, iam-se igualmente desenvolvendo antagonismos de forças nacionalistas, interiores e exteriores, bem implantadas nas estruturas da função pública. Apareceram organizações de oposição ao PAIGC como a OANG – Organização Anticolonialista da Guiné-Bissau que se opunha à unidade federalista Guiné/Cabo Verde e que pretendia erradicar o chamado “neocolonialismo cabo-verdiano da Guiné”. A segurança actuou, prendeu, torturou e fuzilou. Queba Sambu descreve como se processou a perseguição aos ex-comandos, como foram presos os dissidentes do PAIGC e como foram organizados espectáculos públicos de fuzilamentos.

No início de 1977, por se ter recusado a cumprir ordens do secretário-geral da Segurança, Sambu foi designado para a Escola da Polícia Nacional e Ordem Pública. Volta a fazer curso na União Soviética e é num contexto de uma progressiva degradação económica, em 1980, que se monta o cenário que leva ao golpe de 14 de Novembro, traduzido no afastamento e até prisão dos dirigentes cabo-verdianos e à criação de um conselho da revolução tendo Nino à frente, numa altura em que Luís Cabral estava detido na fortaleza da Amura.

O golpe de Estado, trouxe expectativas a vários movimentos contestatários, incluindo a FLING. É esse um dos aspectos mais válidos da descrição feita pelo Sambu, fica-se com um quadro de actuação de duas correntes da FLING e, segundo ele, ascendeu ao poder, ou tornou-se influente perto dele a presença de inimigos do PAIGC ainda agarrados a concepções colonialistas. São acusações vagas e genéricas que valem o que valem.

E chegámos assim a um novo contexto de instabilidade que se expressou por uma série de golpes de Estado (ou as suas simulações) após o 14 de Novembro. Depois de 1981, Sambu passou a chefiar os serviços da contra-informação das Forças Armadas. Sambu não queria aceitar este cargo e escreve: “Recordo as especulações urdidas aquando da chegada à Guiné do grupo de oficiais do estágio na União Soviética e do qual eu fazia parte. Dizia-se que a nossa estadia naquele país tivera por objectivo a aprendizagem de métodos de interrogatório, tortura a presos políticos e formas de homicídio clandestino. Era enorme a aversão geral pelos serviços de contra-inteligência civil e militar e os seus elementos chegaram a sofrer fortes pressões, da parte de familiares e amigos, no sentido de abandonarem as funções”.

É época dos golpes e contragolpes, das intrigas permanentes e de um indescritível estado de suspeição ao mais alto nível. Datará dessa época uma movimentação tribalista para perseguir os quadros balantas do PAIGC, a começar pelo mais popular e influente, Paulo Correia, então Ministro da Defesa. Mal tomou posse, Sambu foi envolvido em inquéritos tendo por motivo o comportamento de elementos ligados à hierarquia do comando militar. O que se apurou foi existir um grave mal-estar social e militar visto alguns membros do Estado-Maior e todos os comandos das unidades do interior estarem abusivamente a fazer requisições excessivas de géneros alimentícios, incapazes de ver as terríveis condições de vida em que se encontravam os seus subordinados. Diz ele que havia requisições das chefias que chegavam a atingir duas toneladas de arroz, 100 litros de óleo e 300 quilos de açúcar enquanto os subordinados quase nada tinham para comer. Este relatório foi transmitido a Nino que classificou a situação de "imoralidade colectiva". Nino exigiu medidas severas a quem voltasse a praticar tais tipos de delitos ou actos de corrupção. Mas o descontentamento das Forças Armadas prosseguiu, também por faltas de pré e soldo dos militares. É neste ambiente de descontentamento que foram montados vários esquemas de intentonas e de golpes sediciosos.

(continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7682: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (17): Algumas conversas para melhor perceber o PAIGC

Vd. último poste da série de 23 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7659: Notas de leitura (193): Entre o Paraíso e o Inferno, de Abel Jesus Carreira Rei (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P7688: Memória dos lugares (127): A despedida de Bedanda, CCAÇ 6 (Dezembro de 1971/Março de 1972) (Mário Bravo, médico)



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72>  Um das imagens de marca do Alf Mil Médico  Mário Bravo, a de ... entusiástico jogador de futebol... Ei-lo aqui em mais uma "jogada para o golo"... [ O Vasco Santos, ex-1º Cabo Cripto, CCAÇ 6, 1972/73, já tentou identificar, em comentário a este poste,  os vértices destes triângulo: Alf Mil Bravo, Alf Mil António Teixeira e Fur Mil Luz, das Informações - Pel Rec Inf ?]

Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72>  O Alf Mil Médico  Mário Bravo  junto a uma das valas do perímetro defensivo do aquartelamento.



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72>  O Mário Bravo diz que esta foto terá sido tirada no Natal de 1972...  É mais provável ter sido no Natal de 1971, já que ele chegou a Bedanda nos princípios de Dezembro de 1971... e partiu para o HM 241, em Bissau, em Março de 1972, tendo ali cumprido o resto da comissão... A menos que tenha decidido passar o Natal de 1972 com os seus camariogos da CCAÇ 6... Dos alferes, em primeiro plano, um será o Borges (à esquerda) e o outro o Figueiras (à direita). [Comentário do Vasco Santos: da esquerda para a direita, Alf Borges, Cap Ayala, Alf Siva (artilheiro) e Alf Figueiras (ou Figueiral???)].




Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971/72>  O Alf Mil Médico  Mário Bravo, a meio, de pé,  na segunda metade da foto, do lado esquerdo, posando para a posteridade, no meio dos quadros metropolitanos da CCAÇ 6, na hora da despedida... Pelas suas contas, esta cena terá ocorrido em Março de 1972... O primeir militar, na primeira fila, do lado esquerdo, parce-me ser o Cap Cav Carlos Ayala Botto, de pingalim na mão,  futuro ajudante de campo do Gen Spínola, e também membro do nosso blogue.

[Comentário do Vasco Santos: Cap Ayala, Leão (Mecânico) e outro não identificado;
 de pé (1ª. fila, da esquerda para a direita):  Orlando (escriturário),  Nelinho (enfermeiro), Sérgio (transmissões) e  Dr. Bravo... Depois: Gaia (não sei o nome, estava na cantina praças, na vaguemestria), Carlos Azevedo, Dias e Silva (ou Pinto, enfermeiro)...Lembro-me de toda a restante malta da foto mas, de nomes, nem por isso].


1. Mais fotos enviadas pelo  nosso camarada Mário Bravo (ou Mário Silva Bravo), ex-Alf Mil Med, CCAÇ 6, Bedanda (1971/72), hoje cirurgião, ortopedista, reformado,  vivendo no Porto.  Em princípio, são as últimas fotos que ele têm de Bedanda.

Depois de sair de Bedanda, em Março de 1972, o Mário Bravo foi colocado no Serviço de Estomatologia do HM 241, em Bissau... Aí conheceu diversos colegas de profissão, milicianos, de que falaremos em próxima oportunidade... (LG).


Fotos: © Mário Bravo (2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
 
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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P7687: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (51): Na Kontra Ka Kontra: 15.º episódio




1. Décimo quinto episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 27 de Janeiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


15º EPISÓDIO

Já noite, depois do jantar, o Alferes Magalhães passa pelo “bentem” apenas para dar as boas-noites ao pessoal, e vai deitar-se. Desde que tinha chegado à tabanca ainda não tinha ouvido uma sinfonia até ao fim. Desta vez, com tempo, e com os seus problemas quase todos resolvidos, ia tentar ouvir a 5ª de Mahler completa.

Conseguiu. Por isso dormiu até mais tarde. Acordou com o barulho do pessoal a falar alto. Saiu da morança e passou pelo “legionário” dizendo-lhe para lhe aprontar o café enquanto ainda ia passar pelo forno. Queria ver se não havia fissuras, pois não sabia como se comportava aquele barro ao secar. Verificou que estava tudo perfeito e foi tomar o café.

Definitivamente iria haver pão, mas não como imaginara…

A meio da manhã, com todos os trabalhos a decorrer, inclusive a apanha de lenha para depois queimar no forno, eis que se começa a ouvir o ruído de viaturas. Conforme as instruções recebidas todo o pessoal se aprontou, vestindo a camisa os que estavam em tronco nu, o que era habitual quando estavam a trabalhar. O Alferes sabendo que, quer o Comandante Chefe de Bissau, quer o Coronel de Bafata não iam aparecer ali num Unimog, aos saltos, não se preocupou muito com quem lá vinha. Era com certeza o pessoal da Companhia de Galomaro.

Passados uns minutos chega uma coluna de três Unimogs. Houve os cumprimentos habituais, como se o pessoal já não se visse há séculos. Além do sempre esperado correio, traziam abastecimentos de toda a ordem e, naturalmente, pão! Logo o Alferes anteviu a possibilidade de não forçar com fogueiras a secagem do forno, para este não estalar. Havia pão para dois ou três dias.

Os que chegaram foram dizendo que traziam duas arcas “térmicas”, uma com gelo e a outra com cervejas frescas. Seria boa ideia habituar o palato a cervejas frescas se depois teriam que as beber a trinta e tal graus? Sempre se tiraria a barriga de misérias.

Foi sol de pouca dura. Um qualquer “inteligente” em Galomaro, em vez de por o gelo numa arca e as cervejas noutra, pôs tudo misturado. O que chegou foram apenas cervejas frescas e água…

Uma coluna, trazendo correio e abastecimentos, era sempre bem vinda mesmo sem mensagem prévia. Esta muito mais, pois trazia um grupo de sete soldados e um Furriel para reforçar a guarnição de Madina Xaquili. Pena era que não trouxesse qualquer reforço de armas pesadas ou mais granadas para o morteiro. Enfim, sempre era alguma coisa.

O João arranjou mais umas moranças para os oito homens acabados de chegar e, depois das despedidas do pessoal que retornava a Galomaro, vão todos almoçar.

Logo à mesa, o Alferes Magalhães pensou em entregar ao Furriel acabado de chegar, parte das responsabilidades que tinha sobre os ombros. Uma razão sobressaía: ter mais tempo para se dedicar à sua bajuda.

Nesta primeira refeição, a conversa repartiu-se por um lado entre os dois graduados como seria natural, por outro entre todo o resto do pessoal partilhando as suas experiências. O Alferes põe o Furriel a par de toda a situação e pede-lhe para executar as funções de orientação dos trabalhos que ele próprio vinha exercendo.

O pessoal foi dormir a sesta e os dois graduados continuam à mesa a bebericar uma boa bagaceira acabada de chegar. A mesa, sob um alpendre de folhas de palmeira e implantada numa pequena elevação, proporcionava quase sempre uma aragem refrescante. O Alferes conta ao camarada as suas intenções sobre a Asmau, única bajuda casadoira da tabanca. Conta que as coisas já estão adiantadas, pelo menos para ele, e que talvez no dia seguinte já fosse “negociar” com o Chefe da Tabanca, Adramane, pai da Asmau. O Furriel, acabado de chegar e só conhecendo o Alferes agora, não expressa qualquer opinião sobre o assunto. Apenas lhe deseja felicidades.

Depois de uma pequena sesta o Alferes faz o que o João Sanhá lhe tinha feito no dia da sua chegada: Vai mostrar os recantos da tabanca ao Furriel. Fala-lhe nas sentinelas metidas na mata para os lados de Padada, mostra-lhe o fornilho detrás do poilão, os abrigos e vão à fonte. Pelo caminho o Alferes vai dizendo:

- Nosso Furriel, foi a época seca, passaram uns seis meses sem chover e poucos lugares haverá na Guiné que tenham nesta altura uma nascente de água a correr e com a qualidade que já vai apreciar.

Estavam a chegar ao fim da zona desmatada e iam entrar na zona ensombrada da mata onde se situa a fonte, quando o Furriel pára olhando fixamente para o grupo de mulheres que estavam a lavar roupa. Fica estático. Mudo por instantes, talvez a pensar no que iria dizer ao Alferes.


Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7680: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (50): Na Kontra Ka Kontra: 14.º episódio

Guiné 63/74 - P7686: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (2): 6/12/2009, domingo, 1ª consulta, um baptizo muçulmano, um casório católico, uma visita a uma fábrica de caju... 7/12/2009, 2ª feira: 1º dia de consultas. 42 doentes à porta do C.S. Materno-Infantil de Iemberém


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > Centro de Saúde Materno-Infantil > 7 de Dezembro de 2009 > O 1º dia de consulta do médico João Graça... 42 doentes à porta... (Foto tirada às 12h55)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > Domingo, festa de baptizado muçulmano (10h25)... A eterna divisão do trabalho, homens de um lado, mulheres do outro...






Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de baptizado muçulmano (10h25)...  Preparação da comida... 



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de baptizado muçulmano (10h26)... Rapando a cabeça da criança, com uma gilete...




Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de baptizado muçulmano (10h34)...  Uma mãe (in)expressiva... uma "mater dolorosa" (?)...


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de baptizado muçulmano (10h27)... Pose majestática de um homem grande...



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de baptizado muçulmano (10h52)... Actuação de um grupo de músicos da Guiné-Conacri, com instrumentos tradicionais...


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > Iemberém > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de baptizado muçulmano (11h31)... Actuação de um grupo de músicos da Guiné-Conacri, reforçados com um novo elemento, o portuga João Graça...


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > A estrada Iemberém-São Francisco > 6 de Dezembro de 2009 > Foto tirada às 12h14, a caminho da festa de casamento em S. Francisco... Esta imagem, para qualquer ex-combatente do Cantanhez, evoca seguramente um passado de guerra, o terror das minas e das emboscadas quase à queima-roupa...





Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > São Francisco > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de casamento (13h47)... Posando junto ao bolo de casamento, feito (e enfeitado) à moda europeia... Reconheço, à direita, o incansável Domingos Fonseca, o "arqueólogo" de Guileje, quadro técnico da AD e membro da nossa Tabanca Grande



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > São Francisco > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de casamento (16h48)... As cozinheiras em acção... aqui como em toda a parte, que o dia era de festa rija...



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cantanhez > São Francisco > 6 de Dezembro de 2009 > Festa de casamento (16h41)... Reconheço, à esquerda, o motorista da AD, o Antero, que andou comigo em Março de 2008 e agora com o João, em Dezembro de 2009.



Fotos: © João Graça (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



1. Continuação da publicação dos  apontamentos (mais estenográficos do que caligráficos...), do diário de viagem do João Graça, acompanhados de algumas das centenas fotos que fez, nas duas semanas que lá passou (*)... Nos  cinco primeiros dias (de 6 a 10 de Dezembro de 2009) vamos encontrá-lo, como médico, voluntário,  no Centro de Saúde Materno-Infantil de Iemberém. Nalguns casos, por serem de todo ilegíveis ou fazerem referências muito pessoais a terceiros, optei por assinalar com parênteses rectos e reticências [...] essas partes do diário... Noutros casos, acrescentei, também dentro de parênteses rectos [   ], algumas notas da minha lavra,  decorrentes das nossas conversas sobre esta viagem (memorável, para ele)...


O João Graça, que celebrou no passado dia 21, as suas vinte e sete primaveras, pede-me para aproveitar o ensejo para  agradecer todas as manifestações de simpatia, carinho e amizade, de que foi alvo,  expressas publicamente no nosso blogue, por parte de mais de três dezenas de camaradas, amigos e camarigos (**)...


Ele ficou muito sensibilizado e um dia promete (re)conhecê-los, a todos,  ao vivo, ao Jero, Manuel Maia, Torcato, Artur Soares,  Mário Migueis, António Graça de Abreu,  Joaquim Mexia Alves, Filomena, Jorge Cabral, Eduardo Campos , César Dias, A. Santos, Manuel Marinho, Fernando Almeida, António Marques, Paulo Santiago, Manuel Amaro, J. Belo, José Câmara, Juvenal Amado, Adriano Moreira, José Corceiro, Jorge Narciso, Vasco da Gama, Manuel Reis, Jorge Picado, Felismina, António Tavares, José Martins, Luís Borrega, Hélder Valério e Zé Teixeira…



6/12/2009, domingo



Dia 2 – Iemberém e S. Francisco


17. J…, [investigadora portuguesa], amiga do C… [vem à] consulta com menina de 5 anos . Dor de dentes e barriga inchada. Abcesso dentário. [Medicação: ] ciprofloxacina e ibuprofeno. Volta na terça.


18. [A J… está a fazer] doutoramento em conflitos nas áreas de reserva ecológica. Comunidade ‘versus’ ecologia. Deu-me 10 000 francos (mais ou menos 15 €), uma “fortuna”,  para amanhã decidir evacuação de uma menina [, com suspeita de HIV/Sida] , com a enfermeira Vera, [brasileira] (Centro de Saúde Materno Infantil de Iembérem)


19. Baptizado muçulmano. Sacrifício de um carneiro para escolher nome de menino.


20. Abdulai apresentou-me a sua mulher [, bonita…]


21. Casamento com o bispo [de Bafatá] em S. Francisco. (…) Tínhamos combinado [, com o Domingos Fonseca e a esposa,] sair às 8h30, eram 12h00 ainda estávamos cá [, em Iemberém]. Dancei e pus tudo a rir.


22. Visita com os italianos [, cooperantes, reformados,] de Veneto [, região nordeste de Itália], a uma fábrica de caju. “Noi portiamo il know how” [, Nós trazemos o conhecimento      tecnológico ].


23. Nós, convidados de honra, a comer à mesa. Só homens.


7/12/2009, segunda-feira


Dia 3 - Iemberém


24. 1º dia de consultas. 42 doentes.

[Continua]

[ Revisão / fixação de texto / título / selecção, edição e legendagem das fotos: L.G.]


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Notas de L.G.:


(*) 16 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7622: Notas fotocaligráficas de uma viagem de férias à Guiné-Bissau (João Graça, jovem médico e músico) (1): 5/12/2009, sábado, viagem de carro, de Bissau (13h30) a Iemberém (21h50)
 
(**) Vd. poste de 21 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7647: Parabéns a você (204): João Graça, médico, músico e amigo da Guiné-Bissau (Tertúlia / Editores)
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