terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9238: O meu Natal no mato (38): Mansambo, 1968: O Pai Natal não passou por lá ! (Torcato Mendonça)


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mansambo < CART 2338 (1968/69) > Fotos falantes II > Mansambo no tempo das chuvas


1. Em mensagem do dia 16 de Dezembro de 2011, o nosso camarada Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69), fala-nos do seu Natal de 1968 no mato.


Natal de 68


O primeiro ano de Comissão estava quase desgastado.
O Natal de 68 aproximava-se. Todos sentiam e tentavam afastar a nostalgia, as saudades da família e dos amigos a intrometer-se demasiado e perigosamente no seu quotidiano.


A 23 [de dezembro de 1968] fizeram, parte deles, mais uma Operação a Biro/Galoiel. Uns tiros trocados sem vontade, a fuga do IN e regressaram depois da destruição dos objectivos.


No dia seguinte os olhares trocavam-se de forma diferente. A tristeza não podia interferir na segurança e todos o sabiam. Necessário era a redobrada atenção nestes dias, ditos de Festa mas diferentes ali.


Natal. A noite de Natal a nada a dizer que o era, salvo um jantar com bacalhau liofilizado, uma conversa mais animada, uma tristeza mais contida.


Por segurança, por falta de instalações adequadas não se podiam juntar todos. Distribuíam-se então pelos oito abrigos/caserna, oito casamatas meio enterradas, meio levantadas onde todos viviam.


Rostos duros, secos, a atenção ali e o pensamento a, de quando em vez, dali sair para o seu País, as suas Terras, a família, os amigos e demais entes queridos que, certamente em sentido inverso para eles enviavam seus pensamentos.


Ali estavam eles naquele aquartelamento perdido no meio do nada. Mansambo,  que eles tornaram um lugar habitável para fazerem a guerra. Para mais nada aquilo servia.
Comiam e bebiam, uns em silêncio, outros falando e disfarçando o que sentiam. De quando em vez um levantava-se e ia ter com um camarada seu conterrâneo ou apanhar ar e, talvez, nessa curta viagem, olhasse o céu estrelado e enviasse abraços e um beijo para os entes queridos. Talvez os entes queridos o mesmo fizessem e essas manifestações de carinho e amor, no meio do oceano ou do deserto que os separavam, enlaçavam-se e uma lágrima caía então. Como seria bom as deles já terem secado.


Eram jovens, muito jovens e muito mais do que cem e ali estavam em sereno convívio nesta nova família. Tentavam sorrir e sentirem um pouco, só um pouco que era noite de Natal.


Só que o Pai Natal não passou por lá.


Mansambo Natal/68



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Mansambo < CART 2338 (1968/69) > Fotos falantes II > "Rei, Rodrigues e Sousa e seus Rapazes"…

2. Adenda do autor:

Uma breve legenda nas Fotos:



(i) podem ver-se as óptimas condições de vida naquele aquartelamento;

(ii) se fosse hoje certamente seria visitado por Alta Individualidade;

(iii) os graduados do 2º Grupo da Cart 2339 - o alferes e os três furriéis: um furriel foi para os Comandos e substituído; o outro ficou, a partir da Lança Afiada Afiada [, Março de 1969], em Bissau, a tirar estilhaços; fFicou só o Fur Rei, na ultima foto com os seus rapazes;  gente óptima, uma saudade e o melhor para eles;

(iv) o alferes era uma Besta;  suficientemente deformado nesse tempo para, pelo Natal, se ter limitado a enviar um pensamento para o seu País e ter voltado ao trabalho (Seria assim? Creio que sim. Conheci-o).


Certo, certo é que estes Militares sentiram negativamente, a maioria deles, o terem ali passado esse Natal.

Fotos: © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados
____________


Notas de CV:


(*) Vd. poste de 8 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9011: Memória dos lugares (161): O cais do Xime e a solidão do Rio Geba... (Torcato Mendonça)


Vd. último poste da série de 19 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9233: O meu Natal no mato (37): Canchungo, CAOP1, Natal de 1972, com visita a correr do gen Spínola: “Info Vexa Sexa segue na mexa” (António Graça de Abreu)

11 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Desculpem o meu erro.
Onde se lê: - ## Como seria bom as deles já terem já secado.###
Deve ler-se:- # Como seria bom as deles já terem secado.#

Uma breve legenda nas Fotos:
- podem ver-se as óptimas condições de vida naquele aquartelamento. Se fosse hoje certamente seria visitado por Alta Individualidade;
-os graduados do 2º Grupo da Cart 2339 - o alferes e os três furriéis. Um furriel foi para os Comandos e substituído.O outro ficou, a partir da L. Afiada, em Bissau, a tirar estilhaços. Ficou só o Fur. Rei, na ultima foto com os seus rapazes. Gente óptima.Uma saudade e o melhor para eles.
O alferes era uma "Besta" suficientemente deformado nesse tempo para, pelo Natal, se ter limitado a enviar um pensamento para o seu País e ter voltado ao trabalho.Seria assim? Creio que sim. Conheci-o.
Certo, certo é que estes Militares sentiram negativamente, a maioria deles, o terem ali passado esse Natal.

Façamos de todos os dias - um dia de Natal, solidário e protestem quando vos molestem.

Boas Festas

Ab T.

Manuel Joaquim disse...

Meu mui caro Torquato:

Protestar ainda(?)não é problema. Agora serem "ouvidos" os protestos é que está a ser cada vez mais difícil!
Diz-se que partilhar diminui o infortúnio e eu acredito, foi uma das boas lições que a guerra me deu: a aplicar neste Natal e nos dias futuros que nos ameaçam com um "reino desventurado" e sem "coração".

Abração

Luís Dias disse...

Caro Torcato

Esses natais arreliadores que passámos naqueles buracos, fizeram-me adorar ainda mais os natais que passo em família.

O de este ano vai ser solidário com o governo que, nesse nome, tratou de me caçar e à minha mulher, metade do subsídio. As nossas gerações continuam a ser as mais solidárias com este país, mesmo quando já não queremos ou já não temos. Protestar, eu protesto! O problema é que as G3 já mudaram há muito tempo de mãos!
Um abraço e um Bom Natal
Luís Dias

Luís Graça disse...

Meu caro Torcato:

(i) Não sei quem era a "besta" a que te referes, ainda para mais sendo tu de artilharia e não de cavalaria;

(ii) À luz do nosso "RDM", não há "bestas" cá nesta caserna virtual, pese embora os primatas também saberem dar coices";

(iii) Já não me lembro do segundo natal que passei no TO da Guiné, em 1970, não longe de Mansambo, em Bambadinca ou arredores...

(iv) Sei que o primeiro, o de 1969, passei-o emboscado... e esse nunca mais o esqueci; creio aliás que é o único que vou levar para a cova comigo...

Saudações natalícias... E o viva o nosso alegre fad...ário!

Juvenal Amado disse...

Durante a minha comissão já havia mais condições, pois os camaradas do batalhão anterior já nos deixaram com a maior parte do quartel feito.
No entanto os Natais passados em Sangue Cabomba, (Cancolim) Cansamba (destacamento do Saltinho junto de Galomaro)e mesmo Cancolim tinham muito más condições. Não havia refeitórios nem geradores e a cozinha era na rua. Quando refeição estava pronta o cozinheiro batia numa jante pendurada e cada um ia buscar a sua refeição para comer no seu canto. Segundo me lembro no destacamento de Cansamba o pelotão do Saltinho foi depois substituído por um do Dulombi.
Como o Torcato diz eram dias de maiores cuidados, bem como de muitas saudades, que se combatiam com uns copos a mais.

Um abraço e bom Natal

Torcato Mendonca disse...

Caro Luís: é pesada a palavra. Pois o "equídeo" era eu claro.Nunca tal chamaria ,hoje, a ninguém. Devia ter dito desumanizado.E era...lembraste de alguém dizer. ...tiro-te a pinta...tinhas jeito para...
O Juvenal fala de Cansamba e eu estive lá, tentamos pôr uma auto defesa a funcionar...estiveste mais a Norte em Madina Xaquili...escoltei a vossa gente...Parece mal escrever agora aqui...estou velho mas ainda me indigno e temos que o fazer,diacho!

Abraços Boas Festas e Santo Natal
T.

Cesar Dias disse...

Torcato
Agora percebo a tua admiração quando quando viste a minha foto do quartel de Mansoa.
Um abraço e boas festas

César Dias

Anónimo disse...

Meu caro amigo Torcato,

Tens mesmo a certeza que o Pai Natal não descansou suavemente a mão na crina da Besta de Mansambo?

Deste lado do oceano,com um grande abraço de amizade

José Câmara

Torcato Mendonca disse...

Ah...Ah...A>h...José Câmara Amigo
Este escrito do Natal começou por ser um comentário. Sabes a quem a um Açoriano que passou pela Guiné e vive nos USA...depois alongou-se e resolvi escrever isto.
Há cada uma. Pergunta ao nosso amigão Carlos Vinhal. Ele tem o mail que acompanhou o escrito...o meu 'Tudo o Vento Levou'...
Se o Pai Natal quizwer descansar a mão...escolhe outro...
Boas Festas
Um Abração do T.

Anónimo disse...

Meu amigo Torcato

Nem sei se sinto tudo o que sugerem a tuas palavras par além delas próprias.
Ainda assim, eu que fiz o primeiro Natal no Paraíso que era Aldeia Formosa, onde havia cozinha e refeitório, duas messes, bar, comer que chegava, indo a Buba buscá-lo,com carnes e tudo no comércio com os locais; eu, gerente das messes que me aventurava por aqueles caminhos entre Aldeia e Xitole nesse comércio de trocar sal petróleo, açúcar, lata de leite, por cabrito, galinhas, ovos, e até leitões, caprichando na cozinha e na mesa, chegado o primeiro Natal, pensei que ali chegava também o Pai, sem farpela pesada mas bem carregado.
O pior foi o Medjo, sem nada disso e com muito da outra comida indegesta que chegava de Salancaur, de Xim-xi-dari, do corredor e nos deixava dormir 10 minutos seguidos nessa noite que devia ser de bacalhau e fora de plicas de macaco com aquela verdura leofilizada. Anda assim, deu para ir dois dias depois a Guilege, sete quiilómetros danados, ara uma jogatana com a tropa local.
O Pai Natal jogou do nosso lado porque não tivemos maus encontros no caminho e ganhámos um zero com um golo meu se a memória não me atraiçoa já.
Mas, ler-te, é ainda o melhor de tudo, porque nesse tempo de crença exageradamente materialista, nem acreditava em Pais Natais.
Abraço
José Brás

manuelmaia disse...

Caro Torcato.


Excelentemente retratado este teu natal de 68,igual ao que eu experimentaria em 72.
Fizeste-me reviver os dois que lá passei e que todos nós, feliz ou infelizmente, conhecemos.
E a propósito de Natal,espero que passes este de 2011 da melhor forma possível,com muita saúde e alegria.
abraço
manuelmaia