quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9147: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (46): A velhice em Bula

1. Mensagem do nosso camarada Luís Faria (ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72), com data de 4 de Dezembro de 2011:

Olá amigo Vinhal
Segue mais um pouco de “Viagem…” que, em traços gerais vai enquadrar já em Bula a “Velhinha” CCAÇ 2791 nos meses finais de comissão e até à sua saída para o Cumeré onde aguardaria o regresso à Metrópole.
Deste intervalo de tempo, algumas passagens que retenho por me terem marcado, continuarão a ser-te enviadas de modo a cumprir contigo a “Viagem à volta das minhas memórias”.

Um grande abraço para ti e votos de saúde e Paz.
Um outro abraço para o “Pessoal atabancado”, também com votos de saúde e Paz

Para todos um Bom Natal comedido (?) e um Novo Ano …vivendo!
Luís Faria


Viagem à volta das minhas memórias (46)

A “Velhice” em Bula - Generalidades

Se a memória e os tópicos me não atraiçoam, Abril acaba-se com a 2791 ainda em serviço nos destacamentos, tendo logo no inicio de Maio o meu 2.º GRCOMB arrancado para Bula onde vai recomeçar a actividade operacional, desenvolvendo emboscadas na estrada Bula - S. Vicente a par de operações de contra-penetração basicamente nas zonas de Ponta Matar, para além de patrulhamentos defensivos e de protecção às obras na estrada de Bula - Binar, que a breve trecho viria a ser inaugurada pelo Sr. Ministro.

Ao final de Junho a “Força” sai dos destacamentos e reúne-se dando continuidade à actividade desenvolvida, enquanto se aguardava a rendição. Com esta reunião e para meu contentamento, regressa ao comando o Cap. Branco.

O Julho acaba com novo desmembramento em que o 4.º GRCOMB é destacado para Nhamate para colaborar em acções de defesa a Bissau, enquanto os restantes continuam no seu quotidiano, aguardando a rendição esperada mas que tardava e que acabaria por só chegar nos finais de Agosto, personificada na Rapaziada da 3.ª CAÇ/BCAV 8320. Até que enfim!

Se tínhamos aguentado até ali, havia que fazer tudo por tudo para evitar complicações e problemas. Achava que devíamos jogar o mais possível com a segurança e não nos deixar levar por exibicionismos aventureiristas de “Velhice” que pudessem redundar em desastre.

De um modo geral julgo que este período de Maio até final da comissão, foi vivido com esperança e sensatez, o que terá contribuído para evitar problemas de maior nas situações que fomos obrigados a enfrentar. Ainda bem, já que o Pessoal entrou neste período em 15 operações, algumas delas com recontros mas sem danos de maior.

À minha parte estava destinado um final de comissão “cú de boi”, já que fui “promovido” em parceria com “privilegiados” de outras Companhias, a levantador de minas no extenso campo que se desenvolvia pelo lado Leste da estrada Bula - S. Vicente e onde já tinha andado a “plantá-las” ano e meio atrás. Foi na verdade um bom “biscate” donde uma, julgo até que a grande maioria dos escolhidos e éramos bastantes, não saiu ilesa infelizmente!

Nesta missão, valiam a Fé, o conhecimento, a serenidade, a atenção, o cuidado, a precaução, a certeza, a não rotina, a sorte… Não valiam a ansiedade, o cansaço, a distracção, o facilitismo, a confiança rotineira, a pressa, o eufórico…

As evacuações sucediam-se, o moral baixava, os trabalhos eram suspensos e de novo recomeçavam. Eram manhãs somadas e contínuas de desgaste intenso, físico e psicológico em especial, onde nunca se tinha certeza alguma se o momento seguinte nos seria fatídico ou nos estropiaria, atirando-nos para uma eventual dependência de terceiros que, pelo menos para mim, não era suportável.

Foram na verdade manhãs - só se “trabalhava” até à hora de almoço - intensas, vividas muito intensamente. Ao mesmo tempo e falo por mim, também havia momentos de certo modo libertadores em que nós próprios nos confrontávamos e interrogávamos, nos ficávamos a conhecer melhor, nos sentíamos em paz interior, talvez mais próximos de Deus, o que creio nos ajudava a ultrapassar serenamente os medos e receios que vivíamos.

As tardes, claro, eram para descanso e extravasamentos de variada natureza de molde a reequilibrar o espírito pois que… na manhã seguinte havia mais!

Luís Faria

Salta "Pira”

A “Velhice” do meu 2.º Grupo de Combate

Furriéis da “FORÇA”

Fonte de Bula e as belas lavadeiras

Fotos © Luís Faria
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9032: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (45): Destacamentos - Pedaços

3 comentários:

Anónimo disse...

Olá meu bom amigo. Lembro-me desse período em particular, por protagonizar um dos poucos momentos em que a sorte me bafejou durante todo o tempo em que estivemos na Guiné.Fui um dos felizardos que tinha habitação específica para ir para o campo de minas mas a sorte ditou que tivesse ficado dispensado de o fazer.Penso que talvez tenha sido pelo facto de a quando da colocação das mesmas, ano e meio atrás, o meu 4º Grupo estar em Teixeira Pinto e daí, não estar rotinado.Francamente, não sei. Foi uma sobremesa que não me foi servida.Muitos ficaram mutilados e as minhas homenagem para eles.Felizmente saíste ileso. Aquele abraço
JORGE FONTINHA

António Matos disse...

Pois poderia eu lá deixar de comentar, ou melhor, meter a colherada, nesta temática ?
Bula, terra que me "alugou" guarida durante 2 anos ;
Atentos defensores duma Bissau de vícios e relativa boa vida ;
Minas - causas e consequências ...
Descreves bem e de maneira sabedora aqueles momentos que passámos no stress daquela actividade ainda que com o vago sentimento de que os acidentes não nos aconteceriam a nós ...
Fizemos parelha no levantamento ( já que na montagem a coisa era mais individual ) e ainda hoje sinto calafrios ao recordar aquela loucura da mina que decidimos neutralizar e levantar pese embora as quantidades incomensuráveis de baga-baga que se entranharam em toda ela nomeadamente no orifício da cavilha de segurança...
Teria sido uma morte inglória pois conseguimos fazer tudo bem mas no final a puta accionou-se !
Para não simplificar as coisas apelando ao milagre, prefiro, antes, e sem me abstrair da fé que nos invade naquelas ocasiões, tentar justificações para o facto de o detonador estar, precisamente naquela mina, pôdre.
Direi apenas que um qualquer macaco lhe terá mijado em cima ....
Hoje estamos aqui a recordar a aventura para memória futura e a justificar os 150 € que recebemos por ano porque a nação achou um bom preço a pagar pelas nossas temeridades !

Luis Faria disse...

Pois é Matos,na verdade nem deu tempo para susto!Só depois!!
Talvez venha a referir essa situação que recordo quase ao pormenor
Um abraço

Fontinha,deixa-te de justificações mas essa de não ires lá bater com os costados,na certa se deve ao Sarg.da ração de combate que quis,talvez,que lhe perdoasses!
Abraço