sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P8993: Tabanca Grande (305): Manuel Gonçalves Martins Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798 (Gadamael Porto, 1965/67)

1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Manuel Gonçalves Martins Vaz, ex-Alf Mil da CCAÇ 798, Gadamael Porto, 1965/67, com data de 1 de Novembro de 2011:

Camarada Luís Graça:
Com a “entrega da arma”, no fim do serviço militar, concentrei-me no que era importante para recuperar o tempo perdido. As memórias da Guiné ficaram “congeladas” até à reforma em que alguma disponibilidade, a par de um reavivar do assunto por parte dos “media”, voltaram a agitar as lembranças passadas: - de leitura em leitura, acabo por ir parar ao vosso blogue que rapidamente devorei e onde verifiquei que da minha Companhia não havia praticamente nenhum contributo para o conhecimento do que foi a guerra na Guiné, particularmente, na Fronteira Sul. Daí a decidir que iria colaborar no blogue foi um passo e devo confessar, muito pequeno.

Cumprindo os meus deveres, cá vai a minha apresentação:

Manuel Gonçalves Martins Vaz, nascido a 09/01/942 em Miuzela (Almeida), professor reformado do Ensino Secundário, casado e residente na Póvoa de Varzim.

Prestei Serviço Militar na Guiné, como Alferes Miliciano, na CCAÇ 798, sediada em Gadamael Porto de Maio/65 a Fev/67.


MEMÓRIAS DA CCAÇ 798

De 63 a 73, uma década de Guerra na Fronteira Sul da Guiné

Uma Perspectiva a Partir de Gadamael Porto - 65/67 (I Parte)

Depois de horas infindáveis de LDM, em que as precauções redobraram na passagem junto à ilha do Como, desembarcamos em Gadamael Porto. A entrada no Quartel fazia-se em duas filas que caminhavam em sentidos opostos. – a CART 494 embarcava com destino a Bissau nas mesmas LDM`s que nos tinham levado. A operação tinha que ocorrer antes que a baixa-mar obrigasse as lanchas a afastarem-se de terra firme.

O Capitão Vieira dos Santos que nos precedera, ido de avião e que recebera do seu homólogo Coutinho e Lima o Comando do Sector, distribuiu os efectivos, guarnecendo o destacamento de Ganturé com um Grupo de Combate reforçado com um Pelotão de Milícias e Gadamael com os restantes elementos.

A Situação Militar, na altura, era de tensão, admitindo-se mesmo a possibilidade de um ataque com apoio de viaturas blindadas que facilmente entrariam por Gadamael Fronteira a partir da República da Guiné.

Embora se considere como início da luta armada na Guiné o ataque ao aquartelamento de Tite em Jan/63, na verdade desde 1962 que o PAIGC colocava minas e fazia emboscadas na estrada que acompanha a fronteira com a República da Guiné, país que dava total apoio à guerrilha, contrastando com o Senegal, na Fronteira Norte. A situação permitia que o PAIGC circulasse livremente do lado de lá da fronteira e daí lançasse os seus ataques às NT, dependendo da oportunidade e da capacidade operacional do momento.
Assim aconteceu nos ataques a Gadamael e a Sangonhá, após a instalação dos respectivos aquartelamentos.

O interesse do PAIGC por esta zona, não se manifestou apenas em 1973, nas batalhas de Guiledje e Gadamael. Corria entre os habitantes mais bem informados, que o próprio Amilcar Cabral teria estado em Gadamael Porto, bem junto ao rio, antes da chegada das NT. Não fora a ocupação militar de toda a fronteira de Guiledje a Cacine/Cameconde, em fins de 1963 princípios de 1964, talvez a História da Guerra, na Fronteira Sul fosse outra.

Durante a permanência da Companhia em Gadamael ( Maio/65-Jan/67 ) a guarnição militar na Fronteira - Sul era constituída por uma Companhia e respectivo Destacamento, nas localidades seguintes, de Norte para Sul:

Guiledje - Medjo
Gadamael - Ganturé
Sagonha - Cacoca
Cacine - Cameconde

Todas estas Companhias dependiam do BCaç 1861, aquartelado em Buba.

Embora sem interferir na “nossa guerra” a República da Guiné também tinha (ou teve) um destacamento do seu Exército em Boké, comandado por um Alferes que um dia me sugeriu um encontro na fronteira. O portador da sugestão explicava que a tropa que ia para Boké era da oposição a Sékou Touré.

O Comandante Interino da CCAÇ 798 impondo os Galões de Alferes ao Régulo Habib em Ganturé (Destacamento de Gadamael Porto)

Continência à Bandeira na promoção do Régulo Habib, com a participação dos Comandantes da Companhia e Destamento

A População, maioritariamente de raça Biafada, confrontada com a incerteza da evolução da situação, optou por procurar lugar mais seguro, noutras paragens ou refugiar-se do lado de lá da fronteira. Quando as NT chegaram, as tabancas estavam abandonadas,(1) bem como as casas de construção europeia que eram três e não apenas as (duas) que foram integradas no aquartelamento. A terceira, mais pequena, situava-se na margem direita do rio, em Talaia, a uns trezentos metro do “Porto” e era de um libanês, diziam os nativos.

Com o advento das NT, as populações “fieis” começaram a regressar e foram acolhidas nos aquartelamentos.
No caso de Gadamael a apresentação do Régulo Habib foi determinante para que outros lhe seguissem o exemplo, ainda no tempo da Cart 494.

A sua apresentação foi rodeada de precauções especiais: - veio de canoa, subindo um pequeno rio que corre para a República da Guiné e era navegável (de canoa) até ao sector da Companhia , sítio ermo, por onde, penso, entraram outros “apresentados”.

Uma perspectiva diferente do cerimonial da promoção do Régulo Habib, junto às instalações do Comando do Destacamento.

O Régulo Habib colaborou sempre com as NT, tendo sido graduado em Alferes (de segunda linha ) (2). Recordo que, na despedida, me ofereceu um cachimbo indígena e me pediu o boné da farda n.º 1. Será que para ele estas peças tinham um significado especial? Penso que sim!... Pela minha parte aliviou-me a bagagem, mas sobrecarregou-me as memórias...

(1) - Seria interessante saber em que condições concretas e em que momento é que se processou o êxodo das populações, o mesmo se diga dos moradores das casas de construção europeia. Foram coagidos? Foram ameaçados? Foram aliciados a aderir aos movimentos independentistas e tiveram medo? A resposta não é fácil, passados estes anos, mas talvez algum “expert” colaborador do blogue tenha esses elementos! ...

(2) - Nunca encontrei qualquer referência ao Régulo Habib, neste blogue. Espero que alguém tenha notícias dele e que sejam boas...

(Continua)
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8970: Tabanca Grande (304): Mário Serra de Oliveira, ex-1.º Cabo Amanuense (Bissau, 1967/68)

10 comentários:

Unknown disse...

Caros amigos e Manuel Vaz, apesar de "pequeno" o teu texto além de relatar uma situação de forma objectiva e clara, de que gostei, permite que te diga tambem que admirei muito, o facto de tratares o vulgarmente designado por IN(e com todas as adjetivâncias que se lhe possa dar), pelo seu nome próprio; PAIGC.
Este sempre nos tratou por Exercito Português.
Salvaguardo que não abranjo "propaganda", mas até nesta era-mos designados da mesma forma, só que com adjectivos.

Um abraço para todos.
Carlos Filipe
ex- CCS BCAÇ3872 Galomaro/71

Carlos Vinhal disse...

Caro Carlos Filipe
Chamemos os nomes verdadeiros às coisas. O PAIGC era mesmo o nosso inimigo no terreno e na guerra, e nós o (IN) deles. A designação IN era usada em Relatórios porque é uma terminologia de guerra. Há o nós mais os nossos aliados e os outros o IN (inimigo), no caso alguns guineenses, alguns cabo-verdianos e até alguns cubanos. Não vem nenhum mal ao mundo falar-se assim abertamente sem complexos.
Eles (o IN/PAIGC) também diziam que não combatiam os portugueses, mas sim o colonialismo. Só que o corpo do colonialismo eras tu e eu, mais os amigos que nos morreram ou os que estão estropiados.
Grande abraço e votos de boa saúde.
Carlos Vinhal
Leça da Palmeira

Anónimo disse...

Caro camarada

em relacao a tua pergunta sobre o regulo, podes verificar as fotos onde se encontra o regulo am 1974 que segundo me parece se chamava Habib.

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/CCA%C3%87%204152

Jose Goncalves

Unknown disse...

Caro Carlos Vinhal, o teu ponto de vista é para mim, com a maior abertura, perfeitamente aceitável. E eu aceito pacificamente, porque não tive em consideração o aspecto da desiganação como militar. Mas sim tão somente como designação de correr de texto dos camaradas.

Tudo bem, Carlos Filipe

Antº Rosinha disse...

Seria interessante saber em que condições concretas e em que momento é que se processou o êxodo das populações, o mesmo se diga dos moradores das casas de construção europeia. "Foram coagidos?"

Manuel Vaz, quando fazes esta pergunta, estou tentado a dizer que as populações eram coagidas e era com violência.

Mas como não fiz a minha guerra na Guiné não posso afirmar tal coisa.

Mas em Angola presenciei a uma população de uma tabanca (sanzala) a fugir, porque não alinharam com um dos movimentos, e este simplesmente destruiu a sanzala à morteirada. Calhou a ser a UNITA.

Mas quando se deu o 25 de Abril perguntaram aos movimentos porque as populações não colaboraram, e dizia na rádio o Holden Roberto que eram coisas diabólicas que não se compreendia, se era para a sua independência que lutavam.

Manuel Vaz, talvez os movimentos não soubessem aplicar a sua psico-social.

É que passados alguns anos de independência ainda a Juventude Amilcar Cabral aprendiam que a doutrina de Spínola "por uma Guiné melhor", fez muito mal ao povo guineense.

Mas sem dúvida se as populações acreditassem nos movimentos, as populações não fugiam, nós é que tinhamos fugido na primeira hora.

Isto digo, que tenho a mania de dizer coisas.

Cumprimentos

Anónimo disse...

Confirmo que o régulo se chamava Habib.

Em 2006 estive em gadamael e o régulo chamava-se Habib filho deste Habib,sendo seu "adjunto" um antigo furriel de um dos pelotões de milícias em 74.

C.Martins

Anónimo disse...

Caro Camarada
Eu também tive o prazer de conhecer o regulo Habib, fui Fur.Mil. da Cart 2410,estive no destacamento de Ganturé cerca de 4 meses 68/69.
O Habib fui muito útil para o meu grupo de combate, pois as relações foram excelentes e as suas informações foram sempre precisas.
Podes ver algumas ref.no blog, na Cart 2410 ou no meu nome.
Um abraço

Luis Guerreiro

Manuel Vaz disse...

Camaradas Luis Guerreiro, Carlos Martins e José Gonhçalves:

Li os vossos comentários sobre o Régulo Habib, que agradeço.
Depois de visualizar as fotografias que me foram sugeridas, concluí que estamos perante dois régulos de apelido Habib: o Régulo Habib pai e o Régulo Habib filho. Cheguei a esta conclusão, por me parecer que a figura do régulo que surge em 1974 é mais alto e mais novo,do que aquele que eu conheci e está representado nas outras fotografias, vingando assim a tese que apresentei.
Subsiste, no entanto, uma dúvida que passo a explicar:Pouco tempo depois de enviar à Tertúlia a I Parte da minha comunicação, foi-me dito que o Régulo Habib (pai)em 1968, foi morto à traição por um infiltrado (agente duplo ? ... interrogo-me eu)que se fez passar por"informador".
Uma vez que ele aparece em 1969, à frente da população, quando o Gen. Spínola visitou Ganturé, persiste a dúvida de quando e como morreu o Reg.Habib (pai)...
Manuel Vaz

Anónimo disse...

Camarada Manuel Vaz

Aquilo que te posso dizer é que em 74 o régulo se chamava Habib e em 2006 quando visitei Gadamael o régulo que também se chamava Habib disse-me ser filho.
Quanto à morte do régulo em 69 e nas circunstâncias que descreves, confesso que não me lembro de ouvir falar em tal,mas posso estar enganado.
Desconfiava-mos que o régulo seria informador do paigc, mas nunca se provou nada,aliás passava a maioria do tempo em Cacine...pudera em Gadamael .. era bem quentinho.
Quando nos visitava..o que era raro.. nunca tínhamos ataques.
Isso também acontecia com o pescador que muitas vezes não pescava nada..
Só que um dia apanhei-o a lavar a canoa que estava suja de sangue..esqueceu-se de a lavar antes..provável efeito do tintol que levava para a pesca.
Implorava..."alfero nã mata mim".
Claro que não lhe fiz mal,só confirmei aquilo de que desconfiava.
O que é que o desgraçado podia fazer quando encontrava a " malta do paigc"..era dar-lhes o peixe..só se fosse burro

Um abraço

C.Martins

Anónimo disse...

carlos

não sei se te lembras mas acho que foi um filho do régulo Habib, do nosso tempo, que morreu com um estilhaço de uma granada de morteiro que explodio depois deste lhe ter tocado, granada esta que foi encontrada numa bolanha quando estavam a preparar o terreno para cultivar arroz. tenho uma vaga idéia da evacuação do mesmo.

também me lembro deste régulo estar muito grato ao Spínola por este lhe ter pago uma viagem a Meca . Como julgavamos na altura muitas das pessoas com que convíviamos diàriamente em Gadamael jogavam com pau de dois bicos.

josé Gonçalves