sábado, 29 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8960: Antologia (73): Tarrafo, crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed, 1965 (7): Ilha do Como, 24 de Fevereiro e 1 de Março de 1964


Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como >  Op Tridente > Jan/Mar 1964 > Desembarque anfíbio das NT. Foto publicada na 2ª edição de Tarrafo (Braga, Pax Editora, 1970), em anexo, com a seguinte legenda: "4. Quando a água sobe os joelhos e a cintura. Ilha do Como, 1964".

Foto: © Armor Pires Mota (1970-2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.





Fonte: © Armor Pires Mota (1965-2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


1. Continuação da publicação de Tarrafo:  crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed., ed. de autor, Aveiro, 1965. Parte 2 (Ilha do Como, Jan / Mar 1964), pp. 75-78. (*)




2. Paralelamente estamos a seguir a crónica de outro combatente do Como, o Mário Dias, hoje sargento comando reformado, membro da nossa Tabanca Grande, desde a I Série do blogue. Em relação a este período (de 27 Fevereiro a 1 de Março de 1964), selecionámos o seguinte excerto (o resto pode ser lido na I Série do nosso blogue, aqui):


(...) Voltemos então para a praia.

Decididamente não me concedem o prazer de me entregar nos braços de Morfeu tranquilamente.
- Eh pá, ainda só são cinco horas.
- Deixa-te de tretas e vamos embora. Temos que explorar uma informação importante dada pelo prisioneiro que capturámos no dia 27.
- É isso? É para já.
Enfiar camuflado, botas, pegar no equipamento e armamento. Está tudo em ordem? Claro que está. A arma de um comando está sempre junto dele e pronta a funcionar ao segundo.

Progressão silenciosa, escondidos, calma, devagar, parar e escutar com frequência. Sem surpresa é impossível um golpe de mão bem sucedido.

Acampamento atingido e assaltado às 9 horas, praticamente sem resistência (o IN fugiu). Era constituído por cerca de 50 casas de mato com uma centena de camas de madeira e de ferro. Viva o luxo!...até havia mosquiteiros, colchões, lençóis, colchas e outras “mordomias”. Espalhados por diversos locais, máquina de escrever, máquinas de costura, roupa já confeccionada e peças de tecido, muitos livros de instrução primária em português, muita correspondência, e os habituais utensílios de uso doméstico. O acampamento estava rodeado por alguns abrigos e tinha postos de observação nas árvores.

Incendiadas as casas de mato começou o habitual estoiro de munições e granadas que ali se encontravam escondidas escapadas à nossa observação.

Nas proximidades estava um cemitério com 30 sepulturas recentes.

Desta acção, realizada no dia 1 de Março, trouxemos para a base (rica praia!): 1 cunhete com 800 cartuchos 7,9; 80 cartuchos 7,62; muitas munições de diversos calibres; 1 granada de mão incendiária; 1 cantil USA; catanas.

Aos poucos, a forte resistência inicial do PAIGC vai caindo por terra. Mostram já sinais evidentes da falta de agressividade, que é parte da doutrina da guerrilha: “ataca quando o IN está fraco; esconde-te se ele é mais forte”.

Mensagem de Nino aos seus guerrilheiros em poder de um prisioneiro por nós capturado:

“Hoje faz 48 dias que os nossos camaradas estão enfrentando corajosamente as forças inimigas. Camaradas, tenham paciência, porque não tenho outra safa senão o vosso auxílio… As tropas estão a aumentar cada vez mais as suas forças…camaradas, não tenho mais nada a dizer-vos, somente posso dizer-vos que de um dia para o outro vamos ficar sem a população e sem os nossos guerrilheiros. Já estamos a contar com as baixas de 23 camaradas… do vosso camarada, Marga - Nino “,

Emboscadas do grupo de comandos na mata de S. Nicolau, na noite de 5 de Março até à tarde do dia seguinte, mais uma vez os guerrilheiros não compareceram. (...)
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 24 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8943: Antologia (73): Tarrafo, crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed, 1965 (6): Ilha do Como, 17 e 23 de Fevereiro de 1964


Com a amável autorização do autor, o nosso camarada  bairradino Armor Pires Mota, começámos, a partir de 14 do corrente, a publicar as crónicas do Tarrafo, relativas à Op Tridente, na Ilha do Como (15 de Janeiro a 15 de Março de 1994), recorrendo para o efeito a um exemplar, fotocopiado, da primeira edição do livro (pp. 47 a 85), onde ainda são visíveis as marcas do lápis azul da censura.  

Recorde-se que o livro foi retirado do mercado, logo a seguir à sua entrada nas livrarias, em Outubro de 1965, muito embora o autor já tivesse publicado estas mesmas crónicas num jornal da sua  região, o Jornal da Bairrada. Hoje, é praticamente impossível encontrá-lo, a não ser nalgum alfarrabista da região centro.

Na 2ª edição, autorizada, publicada em 1970 [, foto da capa à esquerda,] estas duas crónicas tiveram tratamentos diferentes: a primeira (A Praia) foi reformulada, eliminando-se as referências ao cansaço, ao desalento e à inoperacionalidade (parcial) das NT, ao fim de de mais de um mês de desembarque na ilha do Como (a 15 de janeiro); a segunda crónica (Oração) foi pura e simplesmente eliminada...

Em lado nenhum deste livro, que é um diário de guerra, se fica a saber os resultados finais da operação, e nomeadamente as baixas, de um lado e do outro: por exemplo, que num total de 1100/1200 homens desembarcados na ilha, houve cerca de 200 que foi evacuados por doença, insolação, esgotamento, etc.

5 comentários:

Anónimo disse...

Lindas e eloquentes fotos... para alem da obra em si, de um valor historico inquestionavel...

Thanks

Nelson Herbert

JOSÉ NUNES disse...

Apanhei um exemplar há muito tempo numa venda de livros,ao lê-lo os olhos por vezes estavam rasos de água,as lágrimas fluíam sem parar,foi muito emotiva asua leitura.
José Nunes
Brá 68/70

Torcato Mendonca disse...

É pena não haver á venda a versão, não censurada claro, deste livro.

Aqui se mostra a tempera e como era o Soldado do Nosso País.

(podemos dar breve passagem de olhos pela nossa História...talvez não se repita :os brandos costumes. Se houve foi recente.)

Este livro, este diário de guerra, diz que tenho razão ao dizer:- tenho orgulho em ter sido Militar do Nosso País.
Tanto para dizer, tanto para mandar calar certas aleivosias...que merda ter de calar.

Ab T.

Luís Graça disse...

Talvez o Armor Pires Moita (que não é, ainda, membro da nossa Tabanca Grande) nos possa um dia falar do "making of" deste livro, publicado há 46 anos atrás!!!...Quantos exemplares foram impressos ? Quantos foram distribuídos pelas livrarias ? Quantos foram vendidos ? Quantos foram apreendidos e eventualmente destruídos pela PIDE ? Quantops poderão restar por aí, nas nossas bibliotecas e nos alfarrabistas ?

JOSÉ NUNES disse...

verfiallEureca encontrei o meu TARRAFO,é mais soft,pois é uma edição autorizada,de 1970 2ªedição autorizada,diz tudo,composto e impresso na editorial PAX,traz no final 22 Fotografias,enter elas uma do capitão Peralta que foi feitp prisioneiro em 1969,vou reler o livro.
José Nunes