domingo, 16 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8911: Antologia (70): Tarrafo, crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed, 1965 (3): Ilha do Como, 18 e 20 de Janeiro de 1964





Fonte: © Armor Pires Mota (1965-2011) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.


Continuação da publicação de Tarrafo; crónica de guerra, de Armor Pires Mota, 1ª ed., Aveiro, 1965. Parte 2 (Ilha do Como, Jan / Mar 1964), pp. 56-60.  (*)

Começámos, a partir de 14 do corrente, a publicar as crónicas do Tarrafo, relativas à Op Tridente, na Ilha do Como (15 de Janeiro a 15 de Março de 1994),  utilizando para o efeito a primeira edição (pp. 47 a 85).  

O exemplar, fotocopiado, que temos vindo a digitalizar, tem a particularidade (e a raridade) de mostrar as muitas páginas com os "cortes" ou "marcas" (traços, sublinhados, exlamações...) da censura.  O livro de crónicas, publicado em Outubro de 1965, impresso na Gráfica Aveirense, foi de imediato retirado do mercado e hoje só é possível encontrá-lo nalgum alfarrobista. O autor fez depois uma 2ª edição, "autorizada", em 1970, com o mesmo título, Tarrafo (Braga, Pax Editora).

Sobre ele e o Tarrafo, escreveu Beja Santos, na série Notas de leitura: (...) "Resta perguntar porquê este silêncio em torno do primeiro repórter combatente, alguém que escreveu a guerra quase em directo, em tom singelo, frugal nas imagens, entregando-nos os seus estados de alma sobre a forma de diário. Porventura houve preconceitos ideológicos, hoje totalmente inexplicáveis, talvez porque o escritor assumisse que fizera esta comissão numa convicção dos destinos da Pátria. Ele foi o primeiro escritor entre nós, devemos-lhe esta guerra quase em directo, no tempo em que se combatia de capacete e se transportavam munições e víveres em burros. Como veremos, a Guiné tem acompanhado a sua obra literária, até ao presente. Armor Pires Mota ofereceu-me a cópia de “Tarrafo” com as marcas do lápis da PIDE. É um exemplar que, cheio de orgulho, entrego ao blogue".

Acompanhe-se aqui a descrição que o Mário Dias, na altura furriel comando, integrado no grupo de comandos do Alf Mil Saraiva, instalados perto da CCAV 488/BCAV 490, a que pertencia o Alf Mil Armor Pires Mota, nas imediações da antiga tabanca de Cauane, faz destes primeiros dias  de ação:

(...) "Precauções redobradas, chegada a Cauane festivamente saudada pelos guerrilheiros com nutrido fogo de PPSH e de outras armas a partir da mata em frente, distanciada cerca de 200 metros da nossa posição. Felizmente os tiros saíam muito altos e só o som irritante das chicotadas incomodava.

"Instalados em abrigos expeditos cavados no chão arenoso, as tropas montavam guarda aquele local estratégico por ficar próximo da mata, um pouco elevado, o que permitia
domínio sobre o terreno circundante. Sob orientação do cmdt. do 8º Dest.Fuz. que aí se encontrava já há 3 dias, foram-nos indicadas as nossas posições. Cavamos abrigos, o que não foi difícil, o terreno era mole, ficando uma equipa em cada abrigo. Sempre em mente o princípio sagrado de nunca se separarem os elementos de uma equipa". (...)




Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > Janeiro de 1964 > Na tabanca de Cauane, após a acção descrita. Estou eu, (de óculos) encostado a uma palhota, visivelmente cansado. A meu lado, a comer uma bolacha da ração de combate - não havia mais nada - o 1º cabo fotocine Raimundo que estava destacado pelo QG a fim de fazer a cobertura da operação, e que se juntou ao nosso grupo nunca mais deixando de nos acompanhar.

Foto (e legenda): © Mário Dias (2005-2011) / Blogue Luís Graça & camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados
 

 (...) "A tabanca de Cauane, bem como as restantes, estava praticamente destruída assim como a casa do comerciante Brandão, ali bem próxima. Meses antes, já a aviação havia actuado na ilha bombardeando e destruindo todas as instalações que pudessem ser proveitosas ao IN. Recordo-me ainda de assistir no QG em Santa Luzia, onde ocasionalmente me encontrava, aos protestos do referido Brandão por lhe terem escavacado tudo quanto possuía no Como.Nada a fazer. Tivemos que ordenadamente retirar e regressar às nossas posições na tabanca de Cauane. Nesta acção, os fuzileiros sofreram 2 mortos e 3 feridos graves. Dos guerrilheiros não se sabe pois ninguém conseguiu lá chegar e verificar o que entre eles se passou.

"Mesmo em ruínas, as palhotas de Cauane foram úteis para guardar muito do nosso material e sempre proporcionavam alguma sombra. Junto a uma das casas, foi colocado um tosco mastro, bem alto, onde flutuava orgulhosamente a bandeira nacional. Creio que tal “provocação” irritava os guerrilheiros que para lá disparavam longas rajadas de metralhadora, sensivelmente de hora a hora. Nós, ao fim de algum tempo habituámo-nos ao festival e até já sabíamos que horas eram, sem necessidade de consultar o relógio. Bastava contar as rajadas. As munições que assim gastaram, e foram milhares delas, (nós nem respondíamos) nunca atingiram o pessoal instalado na tabanca de Cauane. Milagre ou falta de pontaria. Ou ambas as coisas.

"No dia 20 de Janeiro de 1964, o 8º Dest. Fuz. Esp. saiu para uma incursão na mata entre Cauane e S. Nicolau. Como era de esperar, um numeroso grupo estimado em cerca de 100 guerrilheiros nos quais foram referenciados alguns brancos e caboverdeanos, recebeu-os com nutrido fogo que durou aproximadamente 2 horas. Devido à gravidade da situação, saímos em reforço. A distância não era grande e rapidamente chegamos ao combate que estava mesmo feroz. Os guerrilheiros não paravam o fogo. Escondidos na densa mata, eram alvos difíceis de atingir. Progredindo por lanços, de árvore em árvore ou qualquer pequena elevação de terreno que nos protegesse, fomos tentando a aproximação à mata onde se encontrava o in. Impossível. O terreno até lá era descoberto e as metralhadoras varriam tudo. Perto de mim, um fuzileiro, temerariamente em terreno descoberto, fazia fogo. Quando reparei e lhe gritava para sair dali e se abrigar, só o vi a virar-se de barriga para o ar e ali ficou atingido com um tiro na cabeça. Fiz um disparo com o lança-roquetes (a minha arma, além da indispensável G3) para quebrar o ímpeto do IN e permitir que fosse socorrido. Resultou, e alguns elementos dos fuzileiros foram buscá - lo. Estava morto.

"O PAIGC estava a opor grande resistência. Foi necessária a ajuda da aviação e artilharia para que aos poucos se fosse tornando possível a nossa progressão para o interior do Como. Recordo algumas noites em que nos era recomendado não acender fogueiras, nem sequer cigarros, pois os P2V5 vinham (à socapa pois eram da NATO) bombardear a mata. As explosões eram tão fortes que o chão onde estávamos deitados estremecia.

"Durante o dia actuavam os F86 e T6 bombardeando e metralhando todos os movimentos que detectassem". (...)

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Nota do editor:

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