sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8901: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (29): O sold cond auto Dias ou Manuel Alberto Dias dos Santos, da CCAÇ 3549 (Fajonquito, 1972/74) (Cherno Baldé / José Cortes)

1. Comentário de Cherno Baldé [, foto à esquerda, com os seus quatros filhos,] ao poste P8863

Boa tarde Luís,

Como já tive oportunidade de dizer, gostaria de estar online em permanência para comunicar e acompanhar a vida do Blogue mas, infelizmente,  ainda não é possível pelo que lamento o facto de ter que responder sempre com alguns dias de atraso.

Claro que quero ter notícias dos meus amigos portugueses que passaram por Fajonquito entre 1970/74. A CCAÇ 3549 se destaca em especial por ter sido das últimas e das quais nos lembramos melhor.


Não creio que o soldado condutor Dias esteja [já]  entre nós por se tratar de uma pessoa que tinha um perfil psicológico muito agitado, temperamental. Não obstante, sei que muitos dos seus colegas ainda estão vivos e têm-se reunido com alguma regularidade. Antes, o José Cortes dava notícias sobre os encontros.

Assusta-me um pouco a ideia de um possível reencontro com os meus velhos amigos de infância, preferia guardá-los, na minha memória, com a imagem de há 40 anos atrás, razão por que não estou muito entusiasmado. Quando vejo as imagens dos vossos encontros, custa-me muito acreditar que são as mesmas pessoas que conheci nos anos 60/70. Da mesma forma que fiquei dececionado quando voltei da URSS em 1990 e encontrei o meu pai, outrora forte e imponente, agora vergado sob o peso da idade e da miséria humana.  

Como já tinha deixado transparecer, eu não estou à procura de ninguém em especial. Nós vivemos no mesmo planeta terra, mas temos realidades históricas e contextos sociais diferentes. Não quero expor ninguém a situações que não sejam da sua própria vontade, e salvo algumas exceções, não me parece que haja muito entusiasmo da parte dos ex-soldados metropolitanos em revisitar o seu passado da Guiné e doutras partes. Pode ser uma percepção errada da minha parte e, se for, peço desculpas.

A minha viagem para a ex-URSS aconteceu em agosto de 1985 e o regresso à Guiné em setembro de 1990.

Um grande abraço para ti,  extensivo à familia  (a Alice, ao João e à Joana) e a todos que te são queridos.

Os meus votos de boa saúde e muita coragem a todos os nossos coeditores.

Do teu amigo e irmão,

2. Comentário de L.G. [, foto  à direita, CCAÇ 12, Finete, 1969, acompanhado do José Carlos Suleimane Baldé e do Umaru Baldé, do 4º Gr Comb]: 

Tinha perguntado, no mesmo poste,  o seguinte:


Cherno Baldé: (...) Andamos à procura do Dias... Será que queres ter noticias dele ?... Outra coisa: quando partiste para a Moldávia ? Finais de 1985, princípios de 1986 ?... Regressaste, de Kiev, em 1989, é isso ?... Um abraço fraterno. Prometo visitar-te quando aí for... Luís


PS - A família, a saúde, o emprego ? Como vão as coisas por aí ?


3. Resposta do nosso camarada José Cortes  (ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 3549/BCAÇ 3884, Fajonquito, 1972/74), ao um pedido meu de notícias sobre o Sold Conduto Auto Dias:

De: José Cortes [ cortjose@gmail.com]
Data: 12 de Outubro de 2011 21:26
Assunto: Soldado Condutor Dias


Caro Luís Graça, é verdade tenho andado um pouco afastado das lides da Tabanca, já me encontro reformado desde Abril e estou ainda a ajustar o meu novo estilo de vida, com tempo para tudo e sem tempo para nada, se é que me entendes.

Pois o Cherno Baldé pergunta pelo Soldado condutor Manuel Alberto Dias dos Santos, que era conhecido só por Dias, e que na verdade como ele diz era um pouco rude na maneira de falar, mas correto na maneira de agir.

O companheiro Dias, infelizmente, já faleceu,  salvo erro em  2005. Foi funcionário do Boavista, e vivia naquela zona da Boavista,  na cidade do Porto.

Nós também não o voltámos a ver porque ele não comparecia aos nossos convívios. Fizemos um,  onde o Capitão São Pedro quis prestar homenagem a todos os que já tinham falecido, e convidou as viúvas dos camaradas já desaparecidos, e foi quando soubemos da sua morte, através da viúva do soldado Dias, que esteve presente nesse convívio assim como quase todas.

Ainda hoje há viúvas dos camaradas que iam aos nossos encontros,  fazem questão de estar presentes, mesmo já não tendo os maridos, porque era aquilo que eles gostavam e elas
continuam a estar presentes e a responder pelos maridos à chamada.

Quero ainda dizer que mantenho contacto com a Filomena, que andou à procura do Furriel Andrade, trocamos emails, e falamos no Facebook, ela trabalha numa ONG (Organização não Governamental), em Bissau, que protege as mulheres que trabalham na agricultura, enquanto os homens passam o dia debaixo do mangueiro à sombra.

Bem fico por aqui, um abraço, a toda a Tabanca.

José Cortes

[ Título / revisão / fixação de texto, em conformidade com o NAO - Novo Acordo Ortográfico]
____________

Nota do editor:

3 comentários:

Antº Rosinha disse...

As crianças, brancas ou pretas, quando maiores guardam na memória a imagem dos adultos que tiveram paciência para os «aturar».

Em geral eram soldados que tinham essa «pachorra».

Claro que aparecia naturalmente um relacionamento africano, que só existia naquela gente de tabanca.

Eram demais os jovens guineenses que nos primeiros anos da independência, viviam com a nostalgia da ausência dos soldados tugas.

Manifestavam essa nostalgia, quando tinham acesso à fala com um tuga recem-chegado a Bissau.

Perguntavam pelos soldados e identificavam-no em geral pelo nome e pela terra de naturalidade, e pela companhia ou batalhão.

Chegavam a «garantir» que se viessem a Bissau o levavam para Lisboa, tal a amizade que permanecia.

Chegava-se a sentir desespero que mais parecia orfãos que perderam um pai.

Como alguns desses jovens mencionavam o assassinato de familiares, pelos «vencedores», qualquer português que conhecesse a história ficava com os sentimentos baralhados.

Penso que o Cherno vai escrever um dia a vida dele e de todos os Baldés, Ussumanes, Camarás, Braimas, Jancas e não sei que mais, que viveram com tugas, russos, bulgaros juguslavos e moldavos, e será um sucesso na África e na Europa.

Conheci um desses jovens, mas que nunca saiu de Bissau, que quando Nino Vieira fez o 14 de Novembro, veio avisar uns tantos portugueses, que a "independência ia acabar".

Penso que ainda tinha esperança que o seu amigo soldado regressaria a Bissau.

Cherno Balde disse...

Caros amigos Luis e José Cortes,

Hoje estou triste, porque perdi um grande amigo da minha infancia e fiquei mais pobre dentro de mim.

A noticia que acabo de receber nao me surpreendeu muito por se tratar da confirmacao de receios intimos que ja pressentia devido aos fortes lacos que nos uniam.

Ainda conservo na minha memoria a sua grande amizade, acompanhada de uma grande vivacidade e de incontida agressividade verbal.

O Dias foi para mim como que um pai, um grande protector no meio da tropa, seus companheiros. Nao tomei o seu nome porque ja era batizado, mas quis o destino que os meus filhos o tomassem, pois por forca do meu casamento com a Geralda dos Santos, todos os meus filhos foram registados com o apelido de Santos Baldé. Uma coincidencia que me faz feliz.

Vou entrar em contacto com o José e procurar saber da sua esposa e, eventualmente, dos seus filhos. Talvez um dia possa conhece-los.


Um abraco a todos,

Cherno Baldé
(Neste momento em Dakar a caminho de Lomé, Togo)

Luís Graça disse...

Como eu entendo perfeitamente o que escreves, meu caro Zé Cortes: (...) "já me encontro reformado desde Abril e estou ainda a ajustar o meu novo estilo de vida, com tempo para tudo e sem tempo para nada, se é que me entendes" (...).

A maior parte de nós (não é o meu caso ainda) não tem projetos para o tempo do não trabalho permanente, que é a reforma. Para muita gente, a chegada da idade da reforma é uma perigosa armadilha ou cilada. Passamos a ter, teoricamente, 24 horas por dia, para nós e para a nossa companheira (no caso de ainda estar viva)... Depois descobrimos que não é bem assim, que os nossos planos (desde viajar a fazer voluntariado ou dedicarmo-nos aos nossos "hobbbies") custam tempo e dinheiro...

Além disso, temos de ajudar os filhos e voltamos a ser pais, com a preocupação acrescida dos netos que nos são confiados...

Tenho amigos que passaram a ser duas vezes pais, a tempo inteiro: pais de filhos (que se divorciaram ou estão desempregados); pais de netos (que é preciso levar à escola, dar banho, dar de comer, ajudar a fazer os trabalhos de casa)...

Uff!, quem disse que a vida de reformado era uma "pera doce" ?... Cuida de ti, amigo e camarada. Não deixes que a reforma seja a tua "morte social". Aparece. Grita. Escreve. Acrescenta tempo ao teu tempo. Faz o essencial, esquece o acessório. A vida é bela, mas é curta... Goza a vida, dia a dia.

Luís Graça