quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8832: Filhos do vento (6): Os que ficaram por Canjadude (José Corceiro)

1. Mensagem de José Corceiro* (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 26 de Setembro de 2011:

Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, E. Magalhães
Deixo à vossa decisão a publicação, ou não, do texto que segue, assim como a colocação das fotos, que vão em anexo.

Um Abraço
José Corceiro


“FILHOS DO VENTO” QUE FICARAM POR CANJADUDE

Caros amigos
As Guerras são sempre sujas. Deixam o seu rasto de sangue, miséria, sofrimento e seres humanos estropiados… Há quem defenda que a Guerra é necessária!...

Em Canjadude, que eu tivesse conhecimento, sem inteireza total, existiam duas crianças “Filhos do Vento”, (presumo filhos de metropolitanos) que eram bem identificadas pela falta de pigmentação, melanina, na pele e pelos traços faciais.

Canjadude, além de Companhia Independente, era um caso com muita singularidade, no contexto operacional militar da Guiné. A CCAÇ 5, sediada em Canjadude, era composta, em Janeiro de 1970, por 52 metropolitanos e cerca de 220 militares africanos, de todas as etnias da Guiné e poucos, ou talvez nenhum, fosse natural da Tabanca de Canjadude onde estavam a habitar. Todos os metropolitanos, excluindo o 1.º Sargento, eram jovens, incluindo o Capitão que comandou a Companhia a partir de Maio, de 1970. Foi o Capitão do quadro do Exército português, que atingiu a patente com menos idade. Quando foi para Canjadude, com 23 anos, já tinha cumprido serviço militar em Angola.

Militares africanos a dormir no Aquartelamento, que estava separado da Tabanca por arame farpado, eram só dois, porque não tinham no local as mulheres. Todos os outros, alguns tinham mais que uma mulher, viviam na Tabanca, misturados com os civis. O número de militares, sobretudo africanos, foi aumentando progressivamente ao longo dos tempos. Entre os militares africanos, só um, o 1.º cabo Saldanha era mestiço, cabo-verdiano, que estudou em Bissau.

A população civil de Canjadude era de etnia Mandinga, e a dominância dos militares era de etnia Fula, que por princípios culturais e territoriais alimentavam um ódio de morte, uma etnia contra a outra, mas por razões de circunstâncias de necessidades, toleravam-se a viver porta com porta.

Ora, nesta amálgama de massa humana, onde não existiam só necessidades alimentares, havia quem satisfizesse as suas carências aproveitando as oportunidades que surgiam, sobretudo quando os pelotões pernoitavam no mato. Em matéria de adultério, por aquilo que se dizia, observei, intui e registei, os militares da CCAÇ 5, nativos, não se respeitavam muito uns aos outros. Sempre que pelotões saíam para o mato, os que ficavam no Aquartelamento, numa atitude de vingança revezavam-se, tentando desforrar-se na mulher daquele que o tinha desrespeitado… Confusões houve em que algumas podiam ter degenerado em tragédia!

Às vezes, pelotões que estavam no mato, por questões operacionais diversas, regressavam antecipadamente ao Aquartelamento, já a noite ia longa. Nestes casos havia sempre quem fosse surpreendido a meter a foice em ceara alheia, algumas vezes envolveu metropolitanos. A situação tomou outra dimensão, preocupação, e cautela, quando num regresso imprevisto do mato, um militar nativo surpreendeu no interior da sua tabanca, o seu comandante de pelotão, que por azar ou sorte, por razões de saúde não saiu nessa operação. O ousado sentindo-se ameaçado de morte, envolveu-se em luta, com quem reclamava honra, que para suavizar a ofensa aceitou receber dinheiro desembolsado pelo atrevido. O ofendido exibia orgulhosamente um galão que arrancou do ombro do seu superior. A partir deste episódio, sempre que havia regressos do mato imprevistos, durante a noite, e que eram comunicados ao operador de transmissões, além da informação dada às sentinelas, havia alerta sonoro para avisar os prevaricadores.

Talvez em Canjadude não houvesse mais “Filhos do Vento” além destes dois porque a ideia com que fiquei, intuição, é que se utilizava muito o preservativo, não tanto como preocupação de método anticoncepcional, mas mais como preventivo venéreo, pois houve alguns casos de gonorreia entre os metropolitanos. A ideia que fluía, nas conversas de caserna, é que os lesados se tinham prevenido usando a bisnaga do gel uretral, disponível no posto de enfermagem, mas que não garantiu protecção eficaz.

Não é de desprezar a eventualidade de aparentemente parecer ser, “Filho do Vento” (filhos de metropolitanos), e na realidade não o ser, pois podiam ser filhos gerados por homens mestiços existentes na Guiné.

Meninos da Tabanca de Canjadude

Civis de Canjadude

No ser humano, cada célula somática contém 46 cromossomas, mas as células germinativas é óbvio que só contém 23. No homem, o processo de formação de espermatozóides, espermatogénese, durante a divisão celular, meiose, produz células germinativas, com 23 cromossomas, em que uns espermatozóides têm o cromossoma y e outros o x. Na mulher, a formação do óvulo, ovogénese, durante a divisão celular, meiose, desenvolve células germinativas com 23 cromossomas, em que todos os óvulos contêm o cromossoma x.

Quando se dá a fecundação do óvulo, pelo espermatozóide, e se emparelham cada um dos 23 cromossomas homólogos, provenientes das duas células germinativas, os cromossomas homólogos são iguais em tamanho, excepto o x quando se emparelha com o y em que este é menor.

É no momento da fecundação que se define o sexo do novo ser, consoante o espermatozóide fecundante seja portador do cromossoma x, que emparelha com o x do óvulo, originando um ser feminino que é xx. Quando o espermatozóide fecundo é portador do cromossoma y, que emparelha com o cromossoma x do óvulo, origina-se o sexo masculino que é xy. No acto da concepção o sexo do gerado, depende sempre do espermatozóide. No acto da ejaculação libertam-se muitos milhões de células germinativas, umas portadoras de cromossoma x e outras y. No acto da fecundação, entre muitos processos iniciados, há o emparelhamento dos cromossomas homólogos, e acontece como que uma fusão dos genes correspondentes, nos pares de cromossomas, em que cada gene tem bem definida a característica que vai transmitir, evidenciando-se a do gene dominante em detrimento do recessivo. Grosso modo, genes são as unidades em que estão divididos os cromossomas e que contém as informações genéticas de cada ser, características de hereditariedade.

Ora, existe num dos 23 cromossomas de cada progenitor, um gene que vai determinar, segundo a cadeia sequencial do ácido nucléico, a quantidade de pigmentação, melanina, que existe na pele de cada ser. Cada traço que nos caracteriza está mapeado num gene, e o conjunto destes forma o genoma humano.

Cada gene encerra em si uma miscigenação variada, obra de muitas fusões nas relações inter-raciais.
Por vezes ao fazermos juízos somos traídos, atendendo somente à simples observação…

Um abraço e boa saúde
José Corceiro
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 3 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8730: Parabéns a você (311): Agradecimento à tertúlia de José Corceiro, ex-1º Cabo TRMS da CCaç 5 - Gatos Pretos (Canjadude, 1969/71)

Vd. último poste da série de 26 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8824: Filhos do vento (5): A família do falecido Dauda, protegido do saudoso Cap Zé Neto (CART 1613, Guileje, 1967/68)...

2 comentários:

J. Eduardo Alves disse...

ora aí está uma boa explicação, para alguns furriés que querem mudar o nome ao tema em vez de (filhos do vento) (filhos de furriés)eu digo filhos da guerra, uma guerra nunca é boa para ninguém, mas deixa-me triste que o mundo ainda á pouco era governado,por um alcoólico e um drogado, e hoje quem manda no mundo, á aí alguém que possa dizer, um abraço do tamanho do porto J Eduardo Alves

Diogo Lucas disse...

Muitos parabens ao José Corceiro, pela coragem de elaborar um assunto muito importante da Guiné, mas que foi a realidade em Angola, e Moçambique.Não acontecia só com os filhos da Guiné, acontecia com os próprios militares, mais com graduados, porque eles mandavam ir as mulheres, e depois com idas ao mato o stress e o cansaço,resultava haver esses filhos do vento.Durante o tempo de guerra, foram muitos os casos de serem apanhados, pelo facto de as operações acabarem mais cedo, ou mesmo já por desconfiança,disseram ás mulheres datas diferentes, de modo a poder apanha-las em flagrante.pois os filhos do vento são muitos milhares,não sei se alguns por violação,mas por comum acordo entre as partes. Pois violações nunca me constou , porque nós portugueses daquele tempo, tinhamos formação moral e relegiosa, o que a juntar, ao zelo dos comandantes isso não era previsivel.Foram muitos milhares de jóvens na flor da juventude,e cheios de punjança fisica aleados ao clima, acho que não foi nada de mais.Agradeço por poder dar a minha opinião.