segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8824: Filhos do vento (5): A família do falecido Dauda, protegido do saudoso Cap Zé Neto (CART 1613, Guileje, 1967/68)...



Guiné-Bissau > Bissau > Sede da ONG AD - Acção para o Desenvolvimento > 2011 > Duas das filhas do Dauda, o mulatinho de Guileje, mascote da CART 1613 (Guileje, 1966/68), protegido do nosso saudoso Zé Neto... "[O Dauda] morreu recentemente e deixou três filhas, a Paula de 12 anos, a Segunda de 10 e a Fátima de 8, 'netinhas' da Júlia Neto", segundo notícias dadas pelo nosso amigo Pepito no princípio do ano de 2010. Devia ter 40 e tal anos, tendo nascido em meados de 1960...


1. Mensagem enviada pelo Pepito à nossa amiga Júlia Neto, em 20 do corrente, com conhecimento à nossa Tabanca Grande, de que os dois fazem parte:

Olá, Julia

Aqui vai uma fotografia das suas "netas", aqui de Bissau.


Quando perguntei à Paula, a mais velha, se sabia para quem é que eu ia enviar a fotografia, respondeu-me logo:
- Para a minha dona Júlia (em crioulo chamamos aos nossos avós de dona)

abraços

pepito



Guiné-Bissau > Bissau > A família do falecido Dauda, que vive hoje em Bissau... Na foto, a viúva e a filha mais velha...  

Foto: © Pepito / AD - Acção para o Dsenvolvimento (2011). Todos os direitos reservados. 


2. Legenda:  A descendência do Dauda sente o abraço de Júlia Neto

"Djenabu Fati e a sua filha Paula Veiga da Fonseca, mostram toda a sua alegria ao terem recebido lembranças da mãe Júlia que continuou nelas o amor filial que o grande Capitão José Neto sempre nutriu pelo Dauda V..., de Guiledje.

"Quando o Capitão começou a colaborar com a Iniciativa de Recuperação de Guiledje, a única coisa que pediu foi: 'Procurem e encontrem-me o Dauda, filho abandonado por um militar que tinha estado neste quartel e que sempre tratei como um filho e que gostaria de voltar a ver'.

"Para ele,  Capitão Neto, com aquele coração enorme que tinha, nunca conseguiu perceber como se pode abandonar uma criança pequena e desinteressar-se definitivamente dela.
A sua mulher Júlia Neto veio a Guiledje e encontrou a mulher e as filhas do Dauda e … perfilhou-as imediatamente. A família Neto, toda ela, tem um coração de ouro".

[Fonte: AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > 21 de Agosto de 2011]


Foto: © Pepito / AD - Acção para o Dsenvolvimento (2011). Todos os direitos reservados.



3. A história do Dauda [, foto acima, ] já aqui foi contada pelo nosso saudoso Cap Zé Neto (1929-2007) (vd.poste da I Série > 21 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXVII: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (3): Dauda V... )

(...) III parte das memórias do primeiro-sargento da Companhia de Artilharia nº 1613 (Guileje, 1967/68), o então 2º Sargento José Afonso da Silva Neto (e que morreu em 2007, como capitão reformado; foi o primeiro membro da nossa Tabanca Grande a deixar-nos).

(...) Dauda V...

Como já escrevi, eram todos de etnia fula, de raça negra, com excepção de um menino mestiço. Este menino, na altura com onze, doze meses de idade, era filho da Sona, uma jovem de Cacine, comprada pelo alfaiate de Guileje para ser a sua terceira esposa.

Tinha o nome de Dauda, mas era tratado por todos nós por V..., apelido do pai, capitão que comandara a companhia de Cacine. Ainda hoje, quando revejo as dezenas de fotografias que fiz do garoto, acho que poderíamos anteceder S... a V...

Foi pela minha mão que o miúdo deu os primeiros passos. E foi por ele que, suponho, arrisquei a vida quando, num ataque bem apontado, as morteiradas atingiram a zona da cozinha, lenheiro e depósito de géneros.

Ao correr para o abrigo ouvi o choro duma criança. O V... tinha jantado connosco, como de costume, e tive a quase certeza de que era ele. Retrocedi e apanhei-o junto ao coberto que servia de messe de sargentos. Arrastei-o até à entrada do abrigo e, uns instantes depois, uma granada explodiu no monte de lenha a menos de quatro metros de distância, projectando cavacas em todas as direcções.

Dos meus troféus faz parte a empenagem que sobrou dessa granada, que nunca limpei, e que a minha mulher resmunga que só serve para sujar o móvel onde está. Não é que suje, mas também nunca me apeteceu contar-lhe a história desse bocado de ferro com alhetas e terra empastada. (....)

4. Comentário de L.G.:

O tema, subjacente a esta série, tem alguma delicadeza mas não deve ser visto como tabu... Nada na guerra da Guiné (1963/74) deve ser visto como  tabu, desde que se respeitem as regras do nosso blogue... Muito em especial, devemos ter o cuidado de preservar/proteger a identidade de pais e crianças... Penso que neste caso há "consentimento informado" por parte da família do Dauda, que infelizmente já morreu, com 40 e poucos anos... Extraordinária foi a atitude da nossa querida amiga Júlia Neto que, aquando da sua visita à Guiné-Bissau, em Janeiro de 2010, fez questão de conhecer e ajudar a família do Dauda... É uma história de grande nobreza humana...

De qualquer modo, é bom relembrar que em caso algum o nosso blogue pode ser usado para fazer "investigações de paternidade"... nem muito menos "juízos de valor" sobre o comportamento de qualquer camarada (, categoria que abrange todos os operacionais até ao nível de comandante de companhia)... Infelizmente esta regra (de ouro...) nem sempre tem sido devidamente respeitada nosso blogue, a começar por mim, o que lamento profundamente. O nosso blogue deve basear-se numa relação de confiança, entre todos nós, ex-combatentes, os vivos mas também os mortos... Acusações, insinuações, juízos de valor sobre o comportamento (humano e operacional) de um camarada em relação a outro camarada quebram essa relação de confiança... E isso pode ter um efeito deletério, e pôr em causa a natureza e a especificidade do nosso blogue... Muito em particular, deve haver um grande respeito pela memória dos mortos. (LG)
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Nota do editor:

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