quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8802: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (15): O Exército colonial português - do cofió, do bivaque e do caqui ao visual da boina e camuflado: Guerra e Paz(maceira)


Caldas da Rainha > "15/7/41. A despedida das tropas expedicionárias de Cabo Verde. R.I. 5, Caldas da Rainha. Luís Henriques [1º Cabo Inf)




Cabo Verde >S. Vicente > Mindelo > "23/7/1941. Chegada ao 1º Batalhão Expedicionário do R.I. nº 5 a São Vicente, Cabo Verde. Na fotografia estou eu com alguns camaradas da minha companhia. No porto do Mindelo fomos entusiasticamente recebidos. Luís Henriques". [Partida a 15 (?) ou talvez 16 de Julho de 1941, do Cais da Rocha Conde de Óbidos, Lisboa].


 Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Parada do [1º]  Batalhão expedicionário do R. I. nº 5. Lazareto, 1/12/41. S. Vicente, Cabo Verde. Ao fundo a linda baía com o seu belo porto de mar. Luís Henriques"


Fotos (e legendas): © Luís Henriques / Luís Graça  (2010). Todos os direitos reservados

 


1. Mensagem, de 19 do corrente, do nosso amigo e camarada António Rosinha [, Fur Mil, em Angola, aqui em 1961, em Luanda, o primeiro da direita]:


Amigos editores, penso que tem cabimento, fica ao vosso critério um poste ou não (*).

Na RTP África, em entrevista recente dizia o presidente de Caboverde Pedro Pires que a história das guerras é sempre contada pelo lado dos vencedores.


Mas creio que no nosso caso aqui, essa afirmação não é verdadeira, porque neste blogue contamos a história de uma guerra que não ganhámos.


Ou ganhámos?  E se perdemos, perdemos o quê?   E a perda foi total? Ou apenas parcial?


Será que Portugal alguma vez chegou a investir numas forças militares para ganhar pelas armas fosse o que fosse?  
Claro que o tipo de guerra que viria a surgir em 1961, e aqui rememoramos, não era com armas que se ganhava. Será que era por isso que não se investia em armamento? Será porque era assim que Salazar pensava, e já tinha reduzido ao mínimo as armas e os homens na Índia, quando o Neru invadiu o Estado Portugês da India?

A pasmaceira dos quartéis coloniais, interrompida em 1961, em Angola, onde se iniciaram os conflitos armados pró-independência, datava provavelmente desde 1918 quando terminou a I guerra mundial. Foram 43 anos de paz(maceira).


Os oficiais e sargentos e praças do quadro, que povoavam os quartéis coloniais, funcionavam tal qual como o armamento ultrapassadíssimo daquele tempo, serviam apenas para dar instrução, desfilar nos juramentos de bandeira, e prestar serviço de rotina de um quartel em paz. Mas não pensavam nem eram mentalizados para qualquer guerra, apenas estavam estruturados para terminar a comissão no ultramar sem complicações, o que lhe proporcionaria alguma promoção ou um algum necessário louvor, no regresso à metrópole.


Quanto aos milicianos e praças anualmente incorporados obrigatoriamente, cumpriam com os programas por obrigação.


A Infantaria, e artilharia eram as armas que se podiam encontrar distribuidas pelas capitais de distrito em Angola nos anos 50 e apenas em 1959 foi criado um esquadrão de cavalaria ( penso que era esquadrão).


A Força Aérea e Marinha eram reduzidas certamente, pois que pouco se notava a suas presenças no ambiente luandense e muito menos no interior, o que é mais dificil de ajuizar sobre o que pouco se via.


Quem demonstrava muito entusiasmo pelo serviço militar, eram os soldados indígenas, Soldados I, que assimilavam com enorme rapidez a instrução militar e o ensino nas aulas regimentais. Era uma enorme desilusão para eles quando terminavam o tempo militar e tinham que regressar às famílias de mãos a abanar, e já inadaptados à vida da tribo.


Os quartéis de infantaria coloniais viviam numa rotina sonolenta, embora se falasse que em Moçambique havia uma "cultura" mais refinada, com hábitos de guiar à esquerda a imitar os vizinhos, mas parece que o mimetismo seria apenas no volante em contramão. Nas Ilhas crioulas e Guiné seria tudo militarmente bem reduzido.


Às vezes havia um certo ambiente marcial nesses quartéis, (em Angola),  quando alguém fazia ouvir na parada discos com as marchas militares clássicas americanas. De resto era um arrastar de pés pelas paradas tão cansativo que provocava uma sede tropical enorme que só um abastecimento regular de barris de cerveja nas messes de oficiais e sargentos e cantinas, resolvia a situação.


Mesmo em tempos de paz, a tropa em África já tinha o hábito de não morrer à sede.


Parece pessimismo olhar assim para os militares, mas ninguém pode desmentir que os comandantes exigiam muito pouco, nem ao governo exigiam modernização nem aos oficiais e sargentos se exigia um rigor verdadeiro, como por exemplo ensinar a fazer fogo com as armas de cada especialidade.


Por exemplo, num curso de sargentos milicianos de armas pesadas de infantaria, com especialidade de metralhadora pesada, morteiro 81 e canhão anticarro, podia acontecer um aluno nunca ter dado um único tiro com qualquer uma dessas armas, e terminar com boa nota no fim do curso, (sem cunhas).


Na primeira manifestação nacionalista anti-colonial morreu um 1º cabo fardado de caqui, e provavelmente, digo eu, e talvez não seja exagero, sem bala na câmara, se é que tinha alguma arma na mão. Foi a 4 de Fevereiro de 1961 no ataque do MPLA (?) à casa de Reclusão em Luanda.


Nesse tempo o serviço de guarda`aos palácios do governo, ou às prisões eram feitas por uma secção: Um velho sargento barrigudo ou um novato cabo miliciano, branco ou mestiço ou mesmo preto, e um 1º cabo da mesmas cores, e 9 soldados invariavelmente (I) indígenas. Todos de caqui. Calças com polainitos, capacete de cortiça para o sargento ao palácio e cofió para os soldados I (Na casa de Reclusão era com capacete de aço, para todos).


Os soldados de sentinela usavam Mauser a tiracolo ou encostada à parede, e um pente com 5 balas dentro de um saquinho de plástico fechado e inviolável, sujeito a punição se o saco fosse violado sem justificação. Nas guaritas havia sempre dois tijolos que tanto serviam de banco para sentar como de travesseiro para dormir.


O Comandante de secção usava uma FBP a tiracolo ou no armário, que só dava tiro real já no final dos cursos de sargentos, pelo que era mais o tempo que passava com o cano cheio de massa consistente. 
 

Mais tarde, na segunda manifestação anticolonial e tribalista, morre o primeiro alferes do exército colonial, quando nos massacres do 15 de Março (FNLA), o Alferes Flores fazia uma patrulha repetidíssima numa rotina semanal de transporte de correio entre Noqui e São Salvador. Nem a PIDE se informava nem informava, nem os comandantes das companhias se preocupavam muito, pois o destino se encarregaria de os informar.

A farda do exército colonial continuava de côr caqui, quando há 50 anos (1961) foi substituida por um vistoso camuflado.


Talvez por causa da manufatura morosa dessas fardas, é que teria demorado a chegar a Luanda o primeiro navio com um grande contingente de caçadores especiais fardados com camuflados. Seria a falta de fardas ou de estratégias a causa da demora?


Já havia muitas malas feitas para dar às de vila diogo, em Luanda e não só, quando Salazar reagiu aos massacres terroristas de 15 de Março (FNLA) enviando o 1º de muitos contingentes militares.


Será que foi o ditador o inspirador do alfaiate militar?
(É que hoje já há tanta escrita sobre o homem que já se escreve que mandava em tudo, talvez ele entendesse mesmo de moda e fosse dele a ideia do camuflado. É que teve impacto psicológico positivo, naqueles que já pensavam dar corda aos sapatos.)

Não se sabe se os turras ficaram impressionados com o visual, mas ficaram e bem, impressionadas as garotas de Luanda.
Já tinha sido em Fevereiro o ataque à casa de Reclusão e o navio chegou apenas a 1 de Maio.

Mais um pouco de demora na chegada do 1º contingente, e a impaciência tomava conta da multidão e já não seria preciso "fazer qualquer guerra" nem de caqui nem de camuflado, pelo menos em Angola. Pois não haveria "brancos" a quem guardar as costas, o que era para alguns capitães do quadro, o motivo daquela mobilização "guardar os brancos" contra a revolta dos pretos, que os brancos maltratavam, e por isso eles se revoltaram.


Claro que alguns brancos, tão ignorantes como alguns desses capitães, diziam a esses capitães que matassem os pretos todos para resolver o problema.


E já na Guiné e Moçambique havia bordoada da grossa, quando se dá a 3ª manifestação anticolonial em Angola (UNITA), em que torna a haver uma morte de europeu, só que desta vez não era militar. Será que foi o camuflado que ajudou?


E não morreu nenhum militar,  porquê?  Simplesmente era noite de festa de Natal de 1966, e estava tudo acordado e bem desperto dentro do quartel, e os "turras" de Savimbi, desorganizados, é que foram surpreendidos por esse facto.


E apenas houve um único europeu surpreendido, foi um civil noctívago, que regressava a casa vindo de uma visita feminina. 
Esse civil era simplesmente o inspector da PIDE em serviço naquela vila de fronteira de Teixeira de Souza, que pelos vistos andava mal infornado.

É que não era só falta de rigor e disciplina no desempenho da tropa, tudo o que era autoridade e Estado, estava completamente enferrujado e desligado da realidade, tropicalmente acomodado.


Para a classe da função pública, que em maioria era afro-luso caboverdeana-angolana-guineense-sãotomense-macaense e goesa, que em princípio sonhavam com uma autonomia e não escondiam essa pretensão, essa pasmaceira, que podemos dizer que era promovida ou apreciada por Salazar, nem era nada desagradável usufrui-la, antes pelo contrário, era uma vida a côres comparado com o preto e branco de Portugal e Ilhas.


Acho que essa modorra tropicalíssima, reinante nas colónias, tambem se poderia considerar um sistema político, como tudo.


Não quero agora falar na qualidade de vida que aqueles ambientes coloniais e tropicais proporcionavam, se compararmos com o nosso retângulo metropolitano e ilhas adjacentes. Imaginemos apenas que não havia fome nem pedintes, e já havia certos conhecimentos de tratamento de doenças tropicais.


Sem falar na vantagem de não haver tantas gravatas, o que tornava tudo mais desafogado, e não só no colarinho.


Falamos nos tempos em que já tudo tinha esquecido a guerra mundial, porque antes tambem terá sido complicado.
Neste caso, podemos dizer que era política de Salazar, pois era ele que tudo mandava.

Visto hoje, 50 anos depois do início das independências dos países africanos com demaracação de fronteiras definidas em Berlim, portanto da inteira responsabilidade da europa, não podemos dissociar a história das ex-colónias portuguesas, hoje 5 paises, da história de toda a África colonizada, que vai de Marrocos à Cidade do Cabo.


Mas a maior diferença entre a independência destes nossos 5 irmãos lusófonos, e outros paises africanos, não foi só Portugal ter fardado um exército para impedir que os vários movimentos tomassem nas mãos a independência daquelas fronteiras, mas sim o facto de terem sido os movimentos cujos elementos eram os mais ligados a Portugal, " africanos mais aportuguesados", e os auto-intitulados brancos de 2ª  que, ou venceram os outros movimentos ou até nem permitiram que outros movimentos se formassem, que içaram a respectiva bandeira nacional.


O que noutros paises africanos, embora muitos tenha sido o colonizador a "ajudar" a promover os futuros governantes, poucos destes dirigentes estariam desligados do ambiente tribal como o caso daqueles que tomaram o poder nos 5 paises lusófonos.


Que foi o caso mais genuíno desta afirmação a Guiné, com o PAIGC com Amilcar, e o irmão Luis Cabral e muitos outros elementos. 
Mas também como a formação do MPLA e FRELIMO em que a maioria já não nasceu em palhota de tabanca, mas sim na "praça".

O que parecia algo impossível aos ouvidos
. Era difícil acreditar que coordenassem aquele emaranhado de tribos, pelo que muita gente se opôs a "entregar" e "entregar-se" a esses movimentos vencedores de uma luta que não foi apenas dos 13 anos da guerra que a política de Salazar nos obrigou a enfrentar, mas que está muito para lá desses 13 anos.

Muita ilusão tinham esses movimentos, sobre o futuro que os esperava, pois aquilo que parecia naquele período colonial de uma certa prosperidade e abundância e até uma paz social e tribal, ia transformar-se num pesadelo igual ao que outros paises já tinham sofrido e que ainda se vai manifestando aqui e alí.


Mas provavelmente se hoje aqueles 5 países, mantêm as suas bandeiras nacionais e as suas fronteiras intactas conforme as "herdaram" desde 1880 e tal, certamente foi graças a esses movimentos "destribalizados", o que seria muito difícil aos outros movimentos e facções que havia, terem sucesso por falta de gente idónea.


Mas se Portugal (Salazar) tivesse entregue às Nações Unidas (EUA e URSS) em 1961 o destino daqueles territórios como muitos "inteligentes" anti-salazaristas ainda hoje defendem, aquelas fronteiras iam ser todas pulverizadas ou iam ser re-colonizadas fora da lusofonia, e nem seriam provavelmente as figuras como Agostinho Neto, Amilcar e Luis Cabral, ou Machel e outros conhecidos protagonistas que sobreviviam à selvajaria que se adivinhava em Março de 1961.


Já vimos Angola, Guiné e Timor serem invadidos por vizinhos, após a saída de Portugal, imaginemos o que aconteceria em 1961. 
É que devido a muitos factores faceis de explicar, nem sempre fomos respeitados internacionalmente, e acontecia isso mesmo naquele momento crítico só que nem sempre queremos encarar isso de frente.

Nós portugueses temos tantos conceitos e preconceitos sobre o que nós somos que até temos medo/vergonha de encarar com as nossas fraquezas/forças e preferimos viver num misto de verdade/mentira quanto ao que fazemos ou fizemos ou que outros nos fizeram.


Se não vejamos um caso que não tem muito a ver com a guerra colonial, mas é ilucidativo como devemos ser nós a olhar para nós sem complexos, e não olhar para o lado e varrer os problemas para debaixo do tapete.


Por exemplo esta mentira de sermos o país com as fronteiras mais antigas da europa, com 800 ou mais anos, conforme políticos, escritores e historiadores se fartam de escrever e reescrever.


Mentira, porque a Madeira e os Açores não foram ocupados há tantos anos. 
Mentira, porque no Alentejo houve um recuo da fronteira de vários quilómetros a leste de Juromenha, o que faz que as nossas últimas fronteiras naquele lugar andam apenas pelos 200 anos, pelo menos provisoriamente, segundo esperam os "amigos de Olivença" o que faria com que hoje ainda nem temos as fronteiras definitivas.

Não devemos continuar a mentir a nós próprios, escondendo ou transfigurando factos históricos, em que nós mesmo participámos, ou estamos vendo mas fugimos com o olhar, como acontece com esta guerra nas nossas antigas colónias em que participámos em conjunto ou contra africanos, cubanos, russos, sulafricanos, etc. etc., e que como portugueses estivemos divididos mas não tanto como uns tantos querem fazer crer.


Até mesmo aqueles que não vestiram um camuflado ou porque foram para a pesca do bacalhau ou sairam das aldeias de assalto trabalhar para a França, até desses Salazar aproveitou o esforço para bem da Nação, uns pescando o fiel e indispensável amigo, outros atravez de agências do BES, estrategicamente colocadas que religiosamente lhe arrecadavam as suas remessas de emigrantes que ao que consta o ditador apreciava imenso.


Outros que foram mais para leste, tambem marcaram aquele período, e a sua maneira de ir contra aquela guerra deve tambem ser escrita e ficar para a história e nunca ser varrida para debaixo do tapete.


Claro que este Blogue  é dedicado àqueles que viveram a guerra na Guiné, e espero que os assuntos que abordei, não desrespeitem as memórias de quem lá andou.


Cumprimentos para os editores e todos os que acompanham este blogue.


Antº Rosinha

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Nota do editor:

2 comentários:

Anónimo disse...

Mais Velho Rosinha

Permita-me sauda-lo antes de mais !!

Sabe isso de tribos e etnias, a Africa, incluindo aquela que se convenciou designar por "lusofona" ha seculos que convive com esse fenomeno, que so se transforma em problema, nos tempos de hoje, quando a sua manipulacao roca ao puro aportunismo politico !

Tribos etnias. regulos e sobas tiveram os portugueses igualmente que fazer face, nos primordios do seu primeiro contacto com os povos africanos. E regra geral, mesmo os europeus nunca souberam lidar com esse fenomeno, de forma alguma um exclusivo do continente africano.

E neste particular nem seria necessario puxar muito pela memoria, para evocar aqui os "feitos" de uns tantos "Teixeiras Pintos" da nossa historia comum- nos os africanos e europeus !!!

Convenhamos,nada em que a regua,o lapis e o mapa do continente sob uma mesa, nao tivessem hoje responsabilidades a assumir !

Portanto, muito mais que o problema de racas, tribos e etnias, a "maka" do continente,tem sido a de liderancas...

No nosso caso, falharam as mais ou as menos "aportuguesadas"...pouco importa,mas falharam todas !!!

A hora e a vez e a de uma outra geracao !!!

Mantenhas meu "Velho"

Nelson Herbert
USA


Ps: Passo por Lisboa nos proximos dias, quica ao sabor de uma boa "bica" falemos da nossa Guine!!!

Hélder Valério disse...

Caro camarigo António Rosinha

A tua preocupação sobre se o que estavas a apresentar seria ou não do 'âmbito do Blogue' não é problemática pois o conjunto das tuas reflexões cobre perfeitamente o leque de situações sobre 'os antecedentes de uma era', a própria época e as consequências que ainda hoje se verificam.

Em todo o caso todo o conjunto do que escreves merece uma boa reflexão e isso não cabe em comentários que se querem breves, mas deixa que te diga que concordo com muito do que apresentas.

Um abraço
Hélder S.