segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8795: Notas de leitura (275): A Força Aérea na Guerra em África - Angola, Guiné e Moçambique, 1961 - 1974, por Luís Alves de Fraga (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Agosto de 2011:

Queridos amigos,
Tanto como me é dado saber, este trabalho do coronel Luís Alves de Fraga é o primeiro que abraça toda a actividade aeronáutica nos três teatros de operações. Permite uma leitura sugestiva e ter a percepção em sequência do historial da Força Aérea. Valerá talvez a pena procurar articular melhor este estudo com os pára-quedistas.

Tenho agora pela frente as quase 900 páginas de “Bordo de Ataque”, de José Krus Abecasis, porventura o melhor conjunto de memórias que permite exactamente iluminar algumas dimensões do trabalho do coronel Luís Alves de Fraga.

O abraço do
Mário


A Força Aérea na Guiné

Beja Santos

“A Força Aérea na Guerra em África – Angola, Guiné e Moçambique, 1961 – 1974”, por Luís Alves de Fraga, Prefácio, 2004, apresenta-se como o primeiro trabalho que abrange a actividade aeronáutica nos três teatros de operações africanos e tem a pretensão de proceder à descrição do esforço militar da Força Aérea no decurso da guerra. O coronel Luís Alves de Fraga dá-nos um quadro sumário dos antecedentes da aviação militar em África, como o nosso ingresso na Nato introduziu um fluxo renovador na Força Aérea como terceiro ramo das Forças Armadas. Foi graças a um novo conceito estratégico da NATO que Portugal foi dotado com elevado número de aviões de caça (175 em 14 esquadrilhas). Para os cérebros da NATO a aviação de caça era a prioridade e não a aviação naval. Depois, o autor traça uma resenha dos sinais de subversão em África e comenta a evolução das hostilidades militares na Guiné, nomeadamente chama a atenção para o enquadramento da Força Aérea segundo as directivas do Governador e Comandante-Chefe António de Spínola. Mais adiante, esmiúça o papel da Força Aérea nos três teatros de operações.

Centrado no teatro guineense, conta a história da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, integrada na 1ª Região Aérea. O Aeródromo-Base nº 2 foi inaugurado em 25 de Maio de 1961 (converter-se-á, anos depois, depois de obras de beneficiação, na Base Aérea nº 12). Comenta que os guerrilheiros do PAIGC desde cedo mostraram forte desejo de fazer frente à mobilidade e liberdade de deslocação da Força Aérea, atacando com um certo à-vontade as aeronaves, e refere concretamente as primeiras baixas: perda de um F-86F do Capitão Barros Valla, a perda de um T-6 do Sargento Lobato que colidiu com o Furriel Casal; sinistro em que morreu o Capitão Rebelo Valente que pilotava um T-6. A deslocação dos aviões F-86F para Bissau suscitou grande contestação do governo dos EUA visto tratarem-se de aeronaves atribuídas à NATO. E escreve: “O governo do Estado-novo foi habilidosamente argumentando, ao nível diplomático, de forma a fazer crer que qualquer empenhamento militar em África correspondia a um processo de contenção da expansão do comunismo internacional. Washington mostrou-se inamovível. Mesmo assim, os F-86F conseguiram-se manter na Guiné até 1964, data em que regressaram definitivamente a Portugal”.

De que aeronaves dispunha a Guiné no início da guerra? Para além do F-86F, havia T-6, DO-27, Austers, Alouette II e dois C-47. Observa o autor: “Com estes meios começou-se a dar apoio de fogo ao Exército, a efectuar transporte ligeiro e a fazer frente à guerrilha. Também actuaram sobre o território aviões P2V-5, partindo da ilha do Sal, para efeitos de bombardeamento nocturno. Os Alouette III só chegaram à Guiné no final de 1965. E explica porque é que a missão dos T-6 era essencialmente de apoio às tropas do Exército e às lanchas da Marinha, referindo a amplitude das marés que fazia com que as rias substituíssem as picadas e assegurassem o abastecimento dos aquartelamentos em muitos casos com mais facilidade por via fluvial de que por terra. Os T-6, principalmente nas rias do sul faziam escolta às lanchas como em certas zonas do Geba e do Cacheu. Escreve: “O apoio de fogo com T-6 fazia-se, pelo menos entre 1963 e 1965, usando as metralhadoras Browning com o calibre de 7,7mm, retiradas dos Spitfire e dos Hurricane; evitava-se a utilização de foguetes, por estar condicionado o seu consumo. Inicialmente, os guerrilheiros temiam o fogo de metralhadora mas com o passar do tempo teve de fazer-se a opção pelo uso de foguetes de fragmentação Sneb de 37mm”. O DO-27 era o meio aéreo mais comum para o transporte ligeiro e o PCA; os Auster acabaram por deixar de operar, após sucessivos acidentes; os C-47 estavam destinados ao transporte médio e pesado para longas distâncias.

Referindo-se a actividade antiaérea, o autor lembra que os guerrilheiros possuíam metralhadoras antiaéreas 14,4mm que chegavam a pôr em risco os próprios T-6, obrigando os pilotos a voar a 8 mil pés de altitude; logo em 1963 houve notícia da existência de metralhadoras 12,7mm montadas em tripés, responsáveis pelo abate de vários aparelhos. Em finais de 1965, desencadeou-se a operação “Resgate” que tinha por objectivo calar as armas antiaéreas existentes na península do Cantanhez. Foram lançadas 30 toneladas de bombas e a ofensiva antiaérea desapareceu do Cantanhez durante vários meses. Quando, na segunda metade de 1966, aumentou a resistência do PAIGC na península de Quitafine, atacando os aquartelamentos de Cacine e Cameconde, impedindo as guarnições de saírem, foi lançada a operação “Estoque” que empenhou consideráveis meios aéreos. Lançaram-se cerca de 800Kg de bombas e granadas sobre as armas antiaéreas logo nas primeiras horas e no balanço final concluiu-se que se haviam lançado 6800Kg de bombas e 50 granadas incendiárias. O Exército teve o caminho desimpedido, baixou significativamente a actividade antiaérea na Guiné. O ataque às baterias antiaéreas constituía uma missão perigosa, visto que o piloto tinha de aguentar a sua aeronave dirigida às bocas-de-fogo no solo. Krus Abecasis, em livros que mais tarde serão alvo de recensão, deixou um relato onde escreveu: “O inimigo batia-se e morria no seu posto. Fazendo-nos frente com bravura invejável e desconhecida da generalidade dos militares portugueses”. Todo este panorama mudou radicalmente em 20 de Março de 1973 com o aparecimento do míssil Strela, já estava a ser utilizado no Vietnam. Este míssil obrigava à existência de uma equipa de dois homens – um para carregar o tubo de lançamento e um apontador – e implicava sempre uma guarnição de segurança de outros 15 homens, havia ordens de nunca deixar as tropas portuguesas apanhar um míssil Strela.

O autor deixa-nos um relato condensado das operações aéreas na Guiné de 1966 até ao final da guerra. Um só exemplo, a operação “Valquíria”, em finais de Dezembro de 1966 destinada a desalojar os guerrilheiros que no rio Cumbijã procuravam destruir as lanchas que abasteciam Cufar. 6 toneladas de bombas levaram os guerrilheiros a abandonar as posições que punham em risco a navegação no Cumbijã. Luis Alves de Fraga detalha o cativeiro do Sargento Lobato, já largamente documentado no nosso blogue.

Por último, e de forma condensada, o autor descreve as tropas pára-quedistas e as suas operações em África. Na Guiné, durante toda a campanha, morreram 3 oficiais, 6 sargentos e 47 praças.

A guerra de África foi para os oficiais e sargentos do quadro permanente da Força Aérea o elemento agregador que fez nascer e individualizar este ramo das Forças Armadas. E segundo o autor gerou um espírito de corpo que tornou possível, no fim do conflito, não se ter verificado uma debandada geral dos efectivos permanentes em busca de outras fontes de rendimento.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8785: Notas de leitura (274): Hna Bijagó, de António Estácio (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Luís Dias disse...

Caro Mário Beja Santos

Apenas uma achega quanto aos calibres das anti-aéreas utilizadas pelo PAIGC:

As forças de guerrilha do PAIGC estavam bem equipadas no que concerne a metralhadoras pesadas, especialmente fornecidas pela antiga URSS e países satélites; as Goryunov SG-43 e SGM, no calibre 7,62x54mm R, que foram construídas durante a IIª Guerra Mundial e que se mantiveram ao serviço dos russos até aos anos 60, as Degtyarev DShK, no calibre 12,7x108mm, de 1938, reformuladas em 1946 (DShKM – m/38-46) e, especialmente, as Vladimirov KPV, no calibre 14,5mm (e não 14,4mm), que entraram ao serviço da URSS em 1949.
Um abraço
Luís Dias

Anónimo disse...

enfim estava tudo bem equipado, so nos e que não não e verdade?Nem sei como e que chegaram vivos?