sábado, 10 de setembro de 2011

Guine 63/74 - P8761: Fotos a procura de... uma legenda (15): Bambadinca e o seu famoso bagabaga catedral... Álbum do Benjamim Durães





Guiné > Zona Leste > Sector L1  > Bambadinca >  Um dos ícones de Bambadinca (que quer dizer "a cova do lagarto", segundo o poeta Artur Augusto Silva)...  Este era  o famoso bagabaga de Bambadinca, ou um deles... Era muito fotografado... Quem, de resto,  não tirou uma foto em cima de um bagabaga para mandar para a metrópole, com  recuerdo da sua passagem por aquela "terra verde e vermelha"(Será que este, um verdadeiro monumento vivo da natureza, ainda está de pé, 40 anos depois ?)...

Na 1ª foto, a contar de cima, pode avaliar-se a altura do monumental bagabaga, por comparação com o Umaru Baldé, o puto, com o seu inseparável cachimbo (O Umaru deveria ter um metro e setenta de altura, este bagabaga é um dos mais altos que tenho visto, medindo cerca de 6 metros, da base ao topo).

O nosso "belo efebo" era filho de régulo, dizia-se. Teria 16 anos, na melhor das hipóteses quando se juntou a nós, CCAÇ 2590, e depois CCAÇ 12. A seguir à independência, terá andado fugido - com a cabeça a prémio, dizia-se -  tendo conseguido refugiar-se em Portugal. Morreu cá, há uns anos atrás, de doença  - Sida e tuberculose -, no hospital do Barro, em Torres Vedras ... Vários antigos camaradas, metropolitanos, da companhia ajudaram-no a sobreviver... Foi um bravo combatente, foi ferido em combate, como a maior parte dos soldados da CCAÇ 12... Não chegou a acabar a sua comissão na CCAÇ 12, segundo o seu amigo e protetor, o António Marques, terá sido transferido depois para Bissau.

Já em tempos, em 2006, tínhamos começado uma série com o título Concurso o Melhor Bababaga, de que se publicaram pelo menos 3 postes (*)... Recordo-me que trazia uma foto  com o Humberto Reis, garbosamente empoleirado num outro bababaga de Bambadinca. também do tipo catedral... 

Como eu então escrevi,  os bagabagas são aglomerados de terra e outros resíduos - material lenhoso, no essencial - , edificados pelas térmites e que constituem o seu ninho. São muito resistentes, mas infelizmente tal como a floresta tropical não resistem aos bulldozers e ao avanço do cimento (que confundimos com civilização, progresso, desenvolvimento)...

"Temos a obrigação de ajudar os guineenses a preservar estes monumentos vivos da natureza... Este pequeno concurso (fotográfico) é uma forma de sensibilizar os nossos tertulianos e demais visitantes para o património (natural e edificado) da Guiné-Bissau... Nós, ex-combatentes, quer portugueses, quer do PAIGC, temos um enorme respeito pelo bagabaga: ele fazia parte do nosso cenário de guerra... Hoje deve ser um símbolo da paz e da biodiversidade"... 

 Um das expressões que aqui usamos, é: "Não te escondas por detrás do bagabaga, dá a cara"... É o que temos feito desde Abril de 2004, alimentando e acarinhando este blogue... (LG)

Fotos: © Benjamim Durães (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Continuação do nosso passatempo Fotos à procura de... uma legenda (**), que já não é de verão, é de outono... Os nossos leitores continuam a ser convidados (para não dizer desafiados...) a mostrar, aqui em público, o seu especial talento em matéria de legendagem (livre) de fotos... 

Aproveita-se para reproduzir, mais uma vez, um dos poemas do Artur Augusto Silva (1912-1983), pai nosso amigo Pepito, e que é um hino à sua amada Guiné, "terra negra" mas também "verde e vermelha"... (LG)


TERRA NEGRA

Ao Fernando Pessoa,
Poeta de Portugal

Terra negra que tremes em convulsões de parto,
Terra negra que a guerra devasta,
Terra negra que os ódios revolvem,
Terra negra que o Luar acaricia.

Oh terra negra da minha infância,
onde uma negra ama me aleitou,
com cuidados maternais
e um amor que vinha do íntimo dos séculos.

Oh terra negra da minha infância,
onde brinquei com meus irmãos negros,
onde nadei no rio com meus irmãos negros,
onde cresci de mãos dadas com meus irmãos negros.

Oh terra negra dos mais saborosos frutos do mundo:
do ananás, do caju, da papaia, do mango;
Oh terra negra dos maravilhosos contos infantis
que a minha ama negra me contava para adormecer.

Ali, naquela enorme árvore, estava o irã,
terrível espírito da floresta que metia medo aos meninos
e nos fazia fugir para longe.
Mais para lá, era o poilão de Santa Luzia
que vomitava fogo quando a santa queria orações;
e o terreiro onde o cumpô dançava
e os meninos se extasiavam,
era a cova do lagarto onde ninguém ia,
era a mata do fanado
com os seus mistérios terríveis.

Era a minha vida,
a vida dos homens simples
que amavam os seus semelhantes
e veneravam os velhos.
Agora, oh terra verde e vermelha da Guiné,
só te peço que todas as noites
deixes baixar sobre meu coração
o silêncio que cura os males da alma
e que quando os dias nascerem húmidos e tenros
como o barro das tuas bolanhas,
deixes o meu corpo
receber esse afago matinal
que foi o meu primeiro baptismo
e te peço seja a minha absolvição.

Bissau: Instituto Camões, Centro Cultural Português de Bissau. 1997. pp. 23-25.


2. Para os devidos, reproduz-se aqui, com a devida vénia, um pequeno texto sobre o bagabaga (substantativo, do género masculino e não feminino, sinónimo de térmite e de termiteiro, palavra que vem do crioulo lusófono, oral e escrito, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa): J. P. Cancela da Fonseca: As térmites na paisagem da Guiné: documentário fotográfico. Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Volume XIV, nº 56, Outubro de 1959 (Reproduzido, por sua vez, pelo A.Marques Lopes, no seu blogue Coisas da Guiné, em poste de 1 de Junho de 2011)... Fiquei a saber que há dois tipos de bagabaga, o vermelho que constroi termiteiras tipo catedral, e o bagabaga preto, cujas termiteiras são em cogumelo...
 
(...) Quem pela primeira vez pisa a escaldante terra africana; quem pelas suas digressões pelo «mato» se apercebe da cambiante duma paisagem como a da Guiné portuguesa, que os menos avisados classificam de monótona; quem pelos seus inte­resses humanos se fixa na evolução que a paisagem sofre pela acção cul­tural do Homem. - Vê aqui e além, espaçados ou agrupados, erguerem-se acima do solo montículos de forma estranha , que não são obra de gente, de planta ou de pedra; - são obra de animal. 
 
Esse animal, é o «senhor da terra»… africana. A ele paga o Homem pesado tributo em géneros e em habitação: as térmites aparecem destruindo a cultura no campo, o produto no armazém, a madeira na casa. Os tecidos lenhosos, vivos ou mortos, são o seu alimento predilecto. Para os alcançar cava túneis, constrói galerias, arquitecta ninhos. Adapta as suas necessidades à paisagem. Subordina a paisagem às suas necess­idades.

As termiteiras em catedral (baga-baga vermelha) do tipo Macrotermes spp., erguem-se majestosas nas suas perspectivas de gigante, nas florestas, na savana, no campo de cultura. Sobrepassam as culturas anuais, espreitam através dos arvoredos cerrados, e, à compita, elevam ao céu a mesma prece que o cibe ou a palmeira do chabéu: - Sou vida...

Rastejam em colónias graciosas, emprestando uma beleza subtil às paisagens cinzeladas do Boé e Nhampassaré e aos solos quase enxutos de seiva criadora, as termiteiras em cogumelo da baga-baga preta, do tipo Cubitermes spp.. Às dezenas, às centenas, aconchegadas na amplidão das crostas ferruginosas donde emergem, banhando-se dum pleno sol sob a protecção dos seus chapéus dum cinzento suave, parecem reclamar a protecção do céu, gritando na sua humildade: - Nós!... Somos tam­bém vida.

Quem se detiver e contemplar atento tão vastas áreas degradadas terá ocasião de meditar: - Sois vida! Mas também sois morte?! (...)
[Recomenda-se a ida ao blogue do A. Marques Lopes para ver as fotos que ilustram o texto aqui reproduzido].

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9 comentários:

Anónimo disse...

Camaradas

No nosso Destacamento de Cambor, o forno para cozer o pão era um "Baga baga " que foi adaptado para essa função.
Foi escavado e a tampa para o fechar era uma tampa de um bidon de 200 litros, que se escorava com um barrote de madeira.
E cozia bem o pão ...
Mantenhas

Luís Borrega

Anónimo disse...

Amigo Benjamim Durães

Não venho aqui legendar o bagabaga, mas tão somente, referir a poesia de
Artur Augusto da Silva:

Espectacular a demonstração do sentimento fraterno, grandiosamente sentido e transmitido, não só aos homens, mas à terra, à terra negra, onde crescem os irmãos negros, no meio do verde espantoso da esperança!
Obrigada pela inclusão deste poema oportuno, sempre oportuno e actual, sempre actual!
Obrigada, Artur Augusto da Silva!
Li e senti-me vaidosa dos seus sentimentos.

muito obrigada!

Um Abraço a todos os que são capazes de sentir assim.

Felismina Costa

Luís Graça disse...

1. Recordo-me do juízo (triste mas severo) que o bom muçulmano José Carlos Suleimane Baldé, quando cá esteve em Portugal, há uns meses atrás, fez sobre esse nosso amigo comum, e grande camarada, que foi o Umaru Baldé, o "puto"...
- Foi o álcool e o sexo que o mataram...

2. Gostava de perguntar ao Benjamim Durães onde foi exactamente tirada esta foto... Seguramente nas imediações de Bambadinca... Não consigo ver a sua exata localização, o que é compreensível, já lá vão 40 anos...

Luís Graça (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

Luís Graça disse...

Filomena, de fato, era, é, um grande guineense, um homem de grande sensibilidade, com grande amor à sua terra, este Artur Augusto Silva, de quem a nossa Clara Schwarz está viúva há quase três décadas... É um poema de antologia, esse, que eu de novo seleccionei e reproduzi no blogue... É um dos que mais gostamos, eu e a minha amiga Clara (que é outra força da natureza!).

Anónimo disse...

Caro Luís Graça

Eu já tinha lido e referido outro poema de Artur Augusto da Silva, mas, achei este extraordinário.
É lindo! intemporal!
Os sentimentos, são intemporais!
manifestam-se em todas as eras naqueles que são capazes de os sentir e expressar:
Quanto ignoramos do que de bom e mau sente o nosso semelhante?
Por isso fico tão feliz, quando descubro no poeta, no escritor, a expressão do sentimento grandioso como é o da fraternidade.
A Dra. Clara Schwarz, foi sem dúvida uma mulher feliz, e, deve continuar a sentir-se assim.
Quem ama desta forma a terra onde nasce e os seus irmãos, ama o mundo inteiro, tudo o que o rodeia, e é capaz de compreender e ser tolerante perante a intolerância alheia, porque, sabe,que nem todos são dotados dessa capacidade.
Por isso, é preciso mostrar a diferença entre o amor e o ódio.
Entre o construir e o destruir.

Sinto-me tão feliz, quando leio a paz, a alegria, a compreensão, a amizade, sentimentos que constroem, que enaltecem o ser humano, que o tornam grande, valoroso!

Através deste Blogue, tenho conhecido valores Humanos extraordinários, de homens do meu tempo, que, vivendo uma guerra longa e sem sentido, saíram dela, saudosos dos lugares que pisaram, da sua beleza, das gentes com quem confraternizaram... e até do próprio "inimigo".

Bem-hajam, todos os homens de boa-vontade!

Felismina Costa

Torcato Mendonca disse...

##BAMBADINCA GUARDIÃ DO FALO DA GUINÉ##


Versão suave:

- Menir em Bambadinca
ou
testemunho da passagem Sec I de Gaulesese e Axtérix pela Costa Ocidental Africana.

(A língua portuguesa é assim falem á vontade e legendem essa preciosidade...)

Luís Graça disse...

Torcato, o menir (no Alentejo) quando isolado, está associado ao culto da fecundidade... O bagabaga é "um produto" da "fecundidade" de milhões de térmites... Num caso, temos uma expressão (nobre e genial) da cultura humana; noutro, um monumento (vivo) da natureza (a que também, de resto, pertencemos; estamos senmpre a esquecer a nossa classificação zoológica, a nossa pertença à ordem dos Primatas...).

Obrigado pela tua legenda...

Luís Graça disse...

Torcato, só há um património, comum a toda a humanidade... O menir do Alentejo e o bagabaga da Guiné-Bissau provocam-me a mesma emoção... Tal como o cheirinho (e o gosto) das "Portuguese small female clams with coriander and garlic oil", vulgo Ameijoas à Bulhão Pato, que são, para mim, uma das maravilhas gastronómicas da humanidade... (Tenho o pequeno orgulho, eu e a Alice, de por os meus tabanqueiros da Tabanca de Candoz a gostar de coentros, há 30 anos atrás; diziam, no início, que sabiam mal, a "fedelho"...).

É também por isso que eu daqui a bocado vou até ao Intendente / Martim Noniz, tal mal afamado e estigmatizado, para dar uma vista de olhos pelo festival Todos - Caminhada de Culturas... e se calhar comer uma cachupa ou um chabéu de galinha...


Louvo e apoio a ideia e a iniciativa (que é da cidade de lisboa)... Já era no nosso tempo (e ainda hoje continua...)considerada um zona da cidade socioespacialmente segregada e estigmatizada... À semelhança do Pilão, em Bissau... Ora lá vive, come, respira, trabalha, dorme, ama, canta, sonha... gente de todos os quatro cantos do mundo... Gente como eu, como tu, como todos nós, amigos e camaradas da Guiné, gente que pertence á única "raça humana" que existe no planeta azul, a espécie "Homo Sapiens Sapiens"...Temos todos o mesmo genoma de há 100 mil anos... Só não sei se as térmites da Guiné-Bissau nos vão ganhar na luta pela sobrevivência... Acho que elas estão melhor posicionadas do que nós...

Que cada dia seja uma experiência nova e inovadora para ti!

Luís Graça disse...

Falo, logo existo, diria o Descartes, se fosse vivo e tivesse ido ao Festival Todos - Caminhada de Culturas... Pois eu, passei lá tarde toda, e só regressei a casa às 23h... Nada como andar a pé, ao fim de semana, para a gente descobrir a nossa cidade...Ando cá, há perto de 40 anos, há sítios em Lisboa ainda por descobrir ou para ver com olhos de ver... Por exemplo, a gente tem a mania que conhece os bairros populares de Lisboa, só por lá ir de vez em quando nos Santos Populares... Qual quê!... Já lá reconhecia o Intendente / Martim Moniz, a aldeia multicultural de Lisboa, onde as comunidades indianas (ou indo-portuguesas), paquistanesas, chinesas e, em menor grau, africanas, brasileiras... têm um crescente peso nas actividades empresariais e na habitação...

No Arquivo Fotográfico de Lisboa - Núcleo Fotográfico, fui encontrar, a tocar Kora, o nosso amigo Braima Galissa, do Gabu... Tirei fotos para mostrar no blogue...

Momento alto do dia foi a actuação, à noite, no Largo do Intendente a actuação da orquestra Todos, com músicos de diversas nacionalidades (incluindo a Guiné-Bissau), sob a direcção do maestro italiano Mário Tronco (que tem um projecto semelhante, em Roma)... Dei-me conta (ou reforcei a minha convicção de) quanto a música pode aproximar povos, culturas, comunidades, com muito mais rapidez e eficácia do que mil e um discursos muito bonitos...

Embora o festival já vá na sua 3ª edição, foi a minha estreia por estas bandas... Para o ano espero que haja mais, e que possa ir...

Prometo fazer um poste com vídeos e fotos sobre esta iniciativa que pretende reforçar a ideia de que "Lisboa é a cidade da tolerância"...