segunda-feira, 13 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8412: Recordações dos tempos de Bissau (Carlos Pinheiro) (3) : Dia de Santo António de 1969

1. Mensagem de Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro* (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), com data de 8 de Junho de 2011:

Caro Carlos
Aqui vai mais um artigo recordatório. Desta vez a falar do Dia de Santo Anónio de 1969 em Bissau.

Deste assunto não tenho fotografias. Mas tu talvez consigas fazer o "milagre" de intercalares uma de Santo António e até quem sabe do Quartel do 600, do Quartel dos Bombeiros de Bissau e de alguma marcha popular.

Vê lá. Compõe à tua maneira, que ficará bem de certeza.

Um abraço
Carlos Pinheiro


RECORDAÇÕES DOS TEMPOS DE BISSAU (3)

Dia de Santo António de 1969 em Bissau

Era dia de 13 de Junho. Dia do Santo, como se diz em Pádua. Mas também era dia do Santo, mesmo em Bissau, onde a uma certa distância de Lisboa ou de Pádua, se vivia o clima da guerra.

Mas este dia estava a ser um dia igual a tantos outros, até que…

Eram 15 horas, 3 da tarde em ponto. Estava no Quartel-General, em Santa Luzia. O calor era abafador, próprio daquela terra. A humidade, como era hábito era elevada. A Parada cheia daquele pó encarnado, era um braseiro.

Mas àquela hora, ouviu-se um rebentamento enorme. Vê-se uma coluna de fumo por cima dos edifícios. Na Parada caiu qualquer coisa que de princípio não foi identificada. Mas a esse rebentamento seguem-se outros, cada vez mais fortes, cada vez mais repetitivos. Era a simpatia a funcionar.

Os operacionais que estavam de passagem no QG, fugiram. Alguns apareceram na cidade como estavam. Uns fardados, outros não e outros até em cuecas como estavam deitados em cima da cama, na chamada hora da sesta, como ali era habitual, sempre que possível.

Em pouco tempo soube-se que os rebentamentos vinham do “600”(1), o outro Quartel frente ao QG, onde estava instalada a Intendência que tinha vindo da Amura

Foi uma caserna que rebentou por inteiro. Mas não tinha sido atacada de fora. Foi tudo lá dentro e em pouco tempo não havia um tijolo em cima de outro tijolo. Mas havia fogo e os rebentamentos continuavam e já se começava a notar que eram cunhetes de munições a rebentar, para além de granadas de obus.

Os primeiros, foram bidões de gasolina que rebentaram e aquela coisa que caiu na parada do QG era o bujão de um bidão.

Ao lado estavam os depósitos subterrâneos dos vários combustíveis, especialmente muita gasolina que era o combustível das GMC, das Mercedes, dos jipes e até de alguns Unimogs.

Os Bombeiros Voluntários da cidade apareceram em pouco tempo e, destemidamente, à boa maneira dos Bombeiros, começaram a combater aquelas chamas imensas, para evitar que as mesmas se propagassem aos grandes depósitos e fizessem mais destruições.

Se eles rebentassem, quem sabe, até o QG poderia desaparecer como também a “Antula”(2) onde estavam as antenas das comunicações com o mato, com Cabo Verde e com a Metrópole.

A Policia Militar cumpriu a sua obrigação. Isolou aquele aquartelamento e a entrada em Santa Luzia passou a ser controlada como nunca se tinha visto. A tasca do Santos, logo ali às portas de Santa Luzia, nunca tinha tido tanta freguesia apesar da hora do almoço já ter passado há muito e ainda faltar muito para a hora do jantar.

Sentiam-se outras movimentações que nunca compreendemos. Depois veio-se a falar, especialmente na 5ª Rep (3), o Café do Bento, onde tudo se discutia e onde se trocavam informações, que aquela caserna tinha ali a Comissão Liquidatária de uma Companhia qualquer e, apesar de muitos boatos, nunca se chegou a saber como é que os rebentamentos começaram.

A tarde foi toda de uma confusão muito grande. As Repartições do QG mal funcionaram. Só os serviços essenciais é que não pararam. Mas as cantinas, nessa tarde, fizeram muito e bom negócio.


Os estragos bem visíveis após as explosões
Fotos gentilmente enviadas pelo camarada Manuel Carvalho da CCAÇ 2366, Jolmete, 1966/68

Com o aproximar da noite tudo foi acalmando.
E apesar de tudo, era dia de Santo António.
Estávamos longe de Lisboa mas a noite tinha que ser comemorada.

Havia festa na “Meta”(4) e no “Chez Toi”(5). Mas a grande festa desta vez era no Bairro da Ajuda e durou até às tantas. Havia marchas, improvisadas é certo, mas eram marchas, com arquinhos e balões a lembrar a Avenida em Lisboa. Havia sardinha assada e, claro, vinho tinto para animar a malta.

Foi portanto mais um dia assinalado naquelas terras de África, que por vários motivos, nunca mais se esqueceu.

Notas:
1) Quartel que tinha sido construído pelo Batalhão nº 600. Daí o seu nome de guerra.
2) Centro emissor do Exército do STM (Serviço de Telecomunicações Militares) do CTIIG - Comando Territorial Independente da Guiné
3) 5ª Rep. Como o QG tinha quatro repartições e como aquele café era onde a malta mais parava, foi baptizado de 5ª repartição a que sinteticamente toda a gente alcunhava de 5ª Rep.
4) “Meta” era um bar na cidade que tinha pistas de automóveis eléctricos onde a malta passava algum tempo, normalmente de copo na mão.
5) “Chez Toi” era outro bar que sucedeu ao “Nazareno” que era uma Casa de fado vadio.

Carlos Pinheiro
08.06.11
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Junho de 2011 > Guine 63/74 - P8400: Efemérides (50): Penamacor inaugura Memorial evocativo dos antigos Combatentes da Guerra do Ultramar (Carlos Pinheiro)

Vd. último poste da série de 7 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8382: Recordações dos tempos de Bissau (Carlos Pinheiro) (2): Pedaços históricos perdidos na Guiné

8 comentários:

Manuel Carvalho disse...

Camarigo Carlos Pinheiro

Quando isso aconteceu a minha companhia tinha saido de Jolmete há uns dias e estava a aguardar outro lugar.As viaturas foram retiradas para Bissau e era ver quem mais depressa saltava para cima e as regras do R D M e da etiqueta foram esquecidas tanto saltava uma praça para a cabine e um Coronel para a parte de trás como o contrário e que agilidade que eles tinham. os rebentamentos eram muitos e não faltavam objetos a cair do ceu, eu estava debaixo de uma arvore e caiu um pedaço de G3 na cabeça de um amigo que estava ao meu lado. E verdade que nem toda a gente se fardou devidamente para ir para Bissau mas tsso parece que tambem não interessava muito.
Os bombeiros foram rapidos e corajosos.
E é isto um grande abraço

Manuel Joauim Carvalho
C caç 2366 Jolmete

Carlos Pinheiro disse...

Para o m
Manuel Carvalho.
Boa confirmação do sucedido. Boa descrição. Foi um dia para não esquecer por todos os motivos.
A guerra também tinha destas coisas, de vez em quando.
Um abraço
Carlos Pinheiro

Para o Manuel Jose Ribeiro Agostinho um abraço de agradecimento também pelo relatado que reconfirma o que se passou ali naquele dia. Quanto ao nome do Chez Toi ou Nazareno, isso pouca importa, mas de facto aquela casa primeiro foi Nazareno, mais casa de fados, e depois Chez Toi, mais boite ou imitação de cabaret, tendo chegado até a "importar", temporáriamente umas "virgens do Intendente" como bailarinas. Não me lembro bem da data de alteração do nome, mas desves ter razão.
Mas tudo isso aconteceu. Como diria o poeta:
Tudo isto é triste,
Tudo isto é fado.
Um abraço
Carlos Pinheiro

Carlos Vinhal disse...

A pedido do nosso camarada Manuel José Ribeiro Agostinho, ex-Sold Radiotelefonista/Condutor que exerceu funções de Escriturário na CCS/QG/CTIG, 1968/70, aqui fica o seu comentário (reformulado por o anterior conter incorreções):

Eu também estava lá e não saí em cuecas, mas em toalha, por ter acabado o banho depois da sesta. Estava na caserna da CCS/QG, quase em frente à parada e foi um saltinho para ver o que se passava.

Quando havia rebentamentos, voavam telhas, madeira, muitos papéis, etc., que subiam acima do edifício do QG.

Passados que foram os momentos de controlo, lá me fui vestir e trabalhar toda a tarde para a Secretaria do QG, era essa a minha ocupação, logo à entrada do edifício do lado esquerdo.

Quando estou já na área de entrada, depois de passar a porta da vedação da parada, olho em frente para a estrada que levava ao 600, vejo o nosso Comandante Chefe Spínola e o Comandante Militar do QG a caminhar para lá, no preciso momento em que nova e forte explosão se faz ouvir e que parece rebentar com o QG, partindo vários vidros. Ainda me apercebo, antes de entrar, que ambos os personagens da minha curiosidade (ainda não devia de ter passado 15/20 minutos das 15h) se mandaram para o alcatrão como se fosse mergulho na praia. Tudo passou rápido, pois logo de seguida já caminhavam em direcção às explosões do 600.

Foi de facto um dia, ou melhor, uma tarde de Sto. António, cheia de rebentamentos.

Do aquartelamento 600, quase tudo fugiu, mesmo os habitantes das tabancas próximas, à excepção do meu amigo Manuel Carvalho (Castanheira), que estava na sua sesta e sem nada para fazer aà tarde. Alguém o chamou para que fugisse e ele virou-se para o outro lado, só acordando ao fim da tarde, quando estava tudo no rescaldo, dizendo que não deu por nada.

Havia sido o paiol de armamento que explodiu, mesmo junto as bombas de abastecimento de combustível.

Outra recordação do relato do Carlos Pinheiro e do "Nazareno", não "Chez Toi", pelo menos nessa época e até final de 1969, sempre foi "Nazareno", local onde actuavam o Conjunto das Forças Armadas com o vocalista Fernando Milho e actuava também o Marco Paulo a fazer o fecho da noite.

Era uma casa típica onde se comia um caldo verde, um bacalhau assado, uma chouriça assada, se bebiam uns copos e eu quase todo o ano de 69, antes de acabar a comissão, controlava as entradas que eram só para quem tinha convite. Antes de mim tinha lá estado o meu amigo Alfaro, um aveirense, que me convidou para o substituir no fim da sua comissão.

O Conjunto das Forças Armadas tocava musica variada, e várias vezes saíamos de lá a cantar o "Bairro Alto aos seus amores tão dedicados, quis uns dia dar nas vistas..."

Um bem hajas Carlos Pinheiro...
Estávamos lá.

Ribeiro Agostinho

Terça-feira, Junho 14, 2011 11:54:00 AM

Manuel Carvalho disse...

Caro camarigo Carlos Pinheiro

Desculpa lá voltar ao assunto mas li o poste com mais atenção e, quando dizes «os operacionais que estavam de passagem no QG fugiram» não estou nada de acordo contigo.Quando muito fugiram e ficaram operacionais e não operacionais. Não é que tenha muita importancia mas assim fica melhor.Estive por lá mas junto a uma arvore enorme, mesmo assim um amigo que estava ao meu lado levou com um pedaço de G3 na cabeça, que veio pela arvore abaixo a bater de ramo em ramo.
Foi a sorte dele. Falas-te em fotografias do acontecimento tenho tres
mas não sei yrabalhar com isto so se pedir ao meu filho.
Não leves a mal este pequeno reparo e um grande abraço para ti e para todos

Manuel Joaquim Carvalho
C Caç 2366 Jolmete

Carlos Pinheiro disse...

Para o Manuel Carvalho
Estes relatos não passam disso mesmo e procuram retratar factos e locais sob o ponto de vista de quem os viveu, o que não quer dizer que não possam haver opiniões mais sustentadas visto que não estavamos toos no mesmo sitio apesar de estarmos todos mais ou menos dentro do mesmo raio de acção das explosõe.
Quanto a essa coisa de operacionais, a terminologia usada não tinha nada de ofensivo para ninguém. Aliás, operacionais eramos nós todos e o realto do Manuel Agostinho mostra bem esse pormenos. Afinal estavamos todos embarcados no mesmo barco da guerra.
Sobre as fotografias penso que seria uma boa ideia partilhá-las com o blogue. Tenta mandá-las para o Carlos Vinhal que ele dar-lhe-á o melhor tratamento e divulgação.
Um abraço
Carlos Pinheiro

Manuel Carvalho disse...

Camarigo Carlos Vinhal

Consegui por no face book tres fotos deste acontecimento e outras de Jolmete que se assim o entenderes podes usar a vontade aqui no blog.

Um grande abraço

Manuel Carvalho
C Caç 2366 Jolmete
e Tabanca Pequena

Carlos Vinhal disse...

Caro Manuel Carvalho
Muito obrigado pela gentileza.
Acabei de publicar as tuas fotos, como sugeriste.
Um abraço
Carlos Vinhal

Carlos Pinheiro disse...

Ao Manuel Carvalho e ao
Carlos Vinhal
Os meus agradecimentos.
Ao primeiro por ter disponibilizado estas fotografias históricas. Ao segundo por se ter dado ao trabalho de as ter colocado no post.
De facto aquele foi um dia como tentei relatar no escrito que nunca mais esquece a quem lá esteve. À boa maneira portuguesa, aquilo podia ter sido muito pior. Tivemos sorte todos. Até porque a sorte protege os audazes.
Obrigado aos dois camarigos.
Carlos Pinheiro