quarta-feira, 11 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8259: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (3): O(s) discurso(s) feminino(s) (Luís Graça)



Guiné > Zona Leste > Sector L1  > Bambadinca >  1970  > Convívio no bar de sargentos, em meados de 1970 (ainda estávamos em lua de mel, os velhinhos da CCAÇ 12, e os piras do BART 2917, aqui representados pelo 2º Comandante, Maj Art Anjos de Carvalho, e o 1º Sargt Art Fernando Brito)... 


Quanto às senhoras: à direita do  1º Srgt Brito (hoje major reformado...), (i) a Helena, mulher do António Carlão, ex-Alf Mil At Inf, CCAÇ 12; à direita do Major Anjos de Carvalho (hoje provavelmente coronel, faço votos que esteja bem de saúde), (ii) a esposa do Major de Operações Barros Bastos (cujo nome lamento não me recordar); e à sua esquerda, (iii) a Isabel, a mulher do José Coelho, o Fur Mil Enf da CCS/BART 2917.


Não me parece que tivesse sido o jantar de Natal de 1970, ou coisa parecida: nessa altura, as relações com o major Anjos de Carvalho, a três meses de acabar a nossa comissão,  eram muito tensas... Inclino-me mais para uma festa de anos, logo no princípio da chegada do BART 2917 (1970/72) a Bambadinca, que veio render o BCAÇ 2852 (1968/70)... 


De qualquer modo,  o que é de registar é que na época havia três senhoras brancas, esposas de militares, a viver no quartel de Bambadinca... Ainda há tempos conversei com a Isabel, mulher do Coelho, ao telefone... O casal vive em Beja...  A Isabel guarda as melhores recordações do tempo de Bambadinca... (LG)


Foto: © Vitor Raposeiro (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados





Guiné > Zona Leste > Bafatá > "Foto tirada no dia 30 de Março de 1971 em Bafatá, onde o grupo foi jantar, para celeberar os meus 24 anos. Na foto, e da esquerda para a direita temos, do lado esquerdo: (i) Leão Lopes [Fur Mil, BENG 447, de origem cabo-verdiana, pintor e cineasta, futuro ministro da cultura da República de Cabo Verde] e a ex-esposa Lucília; (ii) Benjamin Durães; (iii) Fernando Cunha (Sold Cond Auto); (iv) Rogério Ribeiro (1º Cabo Enf); do lado direito, e seguindo a mesma ordem: (v) Braga Gonçalves [Alf Mil], de óculos,  e ex-esposa Cecília; (vi) Isabel e o marido José Coelho (Fur Enf); e (vii) 1º Cabo Condutor José Brás".

Foto (e legenda): © Benjamim Durães (2009). Direitos reservados.







Maia > Águas Santas > Cemitério > Talhão dos combatentes falecidos na guerra colonial > Campa do nosso camarada António Ferreira, 1º Cabo Trms, CCAÇ 3490 (Saltinho, 1972/74), morto em 17 de Abril de 1972 na emboscada do Quirafo.  Na foto, em primeiro plano, a Cátia Félix, e atrás a Cidália Nunes e alguns camaradas nossos   (o Álvaro Basto, o Zé Teixeira, o António Pimentel, o António Baptista - o morto-vivo do Quirafo-, o Paulo Santiago e outros). 

Recorde-se, sobretudo aos nossos leitores mais recentes, que a Cátia Félix apareceu na nossa Tabanca Grande em Abril de 2009, servindo de "elo de ligação" entre nós e a sua amiga Cidália Nunes, viúva do malogrado camarada António Ferreira que caiu em combate na tristemente célebre emboscada do Quirafo em 17 de de Abril de 1972. Foi ela que ajudou, como apoio de diversos camaradas nossos da Tabanca de Matosinhos, a resolver o luto patológica da sua amiga que durante durante quase quadro décadas se recusou a admitir a morte do seu marido e pai da sua filha que ele nunca chegou a conhecer em vida.
Foto tirada pela filha do Paulo Santiago, a Maria Luís.



Foto : © Maria Luís Santiago / Paulo Santiago (2009). Todos os direitos reservados.





Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1972 > A Gidelda junto do AL-III, com a respectiva tripulação, durante um alerta a operações, com base em Aldeia Formosa.


Foto:  © Giselda Pessoa (2009). Todos os direitos reservados





1. Em 4 de Fevereiro último, no portal Sapo Notícias, Inês Gens Mendes escreveu o seguinte sobre o novo documentário de Marta Pessoa, Quem Vai à Guerra (Portugal, 2011):

"Após ter filmado a prisão dos idosos lisboetas em Lisboa Domiciliária, a cineasta virou-se para as mulheres da Guerra Colonial… As que ficaram à espera dos maridos ou dos namorados, as que os acompanharam, as enfermeiras pára-quedistas, as que ficaram viúvas. Era o lado delas que Marta queria recordar e era o balanço das suas vidas que queria fazer hoje, precisamente no ano [, 2011,] em que se assinalam cinco décadas desde do início da [guerra].

"Muita coisa ainda estava para ser resolvida, discutida, mostrada, explicou a realizadora, que depois da sua experiência na rodagem do filme diz, sem qualquer dúvida, que a guerra ainda não acabou, a Guerra Colonial ainda anda aí. Não se fez o luto, não se fez a catarse.

"O filme está neste momento [, à data da notícia, 4 de Fevereiro de 2011,] na mesa de montagem depois de uma rodagem dura e demorada que foi ao encontro de cerca de 20 mulheres, o número mínimo, diz a realizadora, já que para ser justa seriam milhares.

"Para Marta, Quem Vai à Guerra retoma o tema da invisibilidade para que Lisboa Domiciliária já olhava. Depois deste, a realizadora já tem planos para um filme que complete a sua trilogia neste tema. Embora não levante demasiado a cortina, assegura: já anda aí outro [documentário] com pessoas que não são muito visíveis. [Veja-se também o vídeo com
excertos da entrevista feita à Marta Pessoa]


2. Haverá até hoje um discurso exclusivamente (ou predominantemente) masculino sobre a guerra (colonial, de África ou do Ultramar) ? É só o lado deles que tem falado (ou que se tem escutado) ?


A nossa comunidade bloguística (leia-se: a nossa Tabanca Grande, o nosso blogue que é fundamentalmente um blogue de antigos combatentes, logo de homens) tem contribuído, à sua maneira e dentro das suas limitações, para dar mais visibilidade ao papel das mulheres neste período em que se desenrolou a guerra colonial na Guiné (1963/74 ou talvez mais correctamente 1961/74). 


Em cerca de meio milhar de membros registados na nossa Tabanca Grande, temos por exemplo duas camaradas de armas, as antigas enfermeiras pára-quedistas Giselda Pessoa e Rosa Serra... 


É bom recordar que, em toda a guerra (1961/74) e nos 3 teatros de operações (Angola, Guiné e Moçambique),  elas também não foram mais do que meia centena...Temos no nosso blogue outras tantas referências com este marcador (enfermeiras pára-quedistas). E criámos inclusive uma série, As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (já com mais de duas dezenas de postes).

E quanto às outras mulheres (mães, irmãs, namoradas, esposas, madrinhas de guerra, amigas...
) que directa ou indirectamente foram à guerra (, sem esquecer as voluntárias de organizações como a Cruz Vermelha Portuguesa ou o Movimento Nacional Feminino, a que pertenceram as mães e as irmãs de alguns de nós) ? 


Num total de 494 membros da nossa Tabanca Grande, as mulheres não são mais do que 30 (cerca de 6%), na sua maioria (n=21) tendo uma relação (directa ou indirecta, por parentesco ou amizade) com ex-combatentes... Eis a listagem alfabética:

(1) Adelaide Gramunha Marques (ou Adelaide Crestejo) [ irmã do ex-Alf Mil Gramunha Marques, morto em combate]

(2) 
Ana Duarte  [, viúva do nosso camarada Humberto Duarte, falecido em 2010]

(3) Ana Ferreira (ou Ana Paula Ferreira)  [filha de um ex-combatente, já falecido, o ex-1.º Cabo Fernando Ferreira da CCAÇ 617/BCAÇ 619, Catió e Cachil, 1964/66]


(4) Clara Schwarz [, a nossa Mulher Grande, de 96 anos, mãe do Pepito, co-fundador e professora do Liceu Honório Barreto, em Bissau]

(5) Cátia Félix [, a jovem amiga de Cidália Nunes, viúva do malografo 1º Cabo Trms, António Ferreira, morto em combate, e a quem ajudou a fazer o luto]

(6) Conceição Brazão [,irmã do ex-Alf Mil Cav Guido da Ponte Brazão da Silva, morto por acidente com arma de fogo] 

(7) Conceição Salgado [, esposa do nosso camarada Paulo Salgado]

(8) Cristina Allen [, ex-esposa do nosso camarada Mário Beja Santos, com quem casou em Bissau]

(9) Cristina Silva [, filha do nosso camarada Jacinto Cristina]

(10) Diana Andringa [, jornalista e cineasta, co-realizadora, com o guineense Flora Gomes, do filme As Duas Faces da Guerra, estreado em 2007]

(11) Dina Vinhal [, esposa do nosso camarada e co-editor Carlos Vinhal, namorada do tempo de tropa]

(12) Felismina Costa [ex-madrinha de guerra]

(13) Filomena Sampaio [, viúva do Manuel Castro Sampaio, ex-1.º Cabo TRMS que pertenceu à CCS/BCAÇ 3832 (Mansoa, 1971/73), entretanto falecido]

(14) Gilda Pinho Brandão (ou Gilda Brás) [, a órfã de Cató, filha de pai português, comerciante,  e mãe guineense, trazida aos 7 anos para Portugal, para uma família de acolhimento]

(15) Giselda Antunes Pessoa [, sgrt enfermeira pára-quedista ref, casada com o nosso Miguel Pessoa]

(16) Isabel Levy Ribeiro [, engenheira agrónoma, portuguesa, radicada na Guiné-Bissau desde 1975, co-fundador e técnica superior da AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau; esposa do Pepito]

(17) Júlia  Neto [, viúva do nosso camarada José Neto, falecido em 2007]

(18) Lia Medina [, socióloga, cabo-verdiana, de pai português]

(19) Manuela Gonçalves (Nela) [, esposa do Alf Mil Nelson Gonçalves, ferido em combate]

(20) Maria Clarinda Gonçalves [, viúva do Rosa Gonçalves, um camarada da CCAÇ 3566, Empada / Catió, 1972/74]

(21) Maria Joana Ferreira da Silva [, bióloga, a estudar nos babuínos da Guiné-Bissau]


(22) Maria Teresa Almeida [, técnica do Centro de Documentação e Informação da Liga dos Combatentes, nossa incansável colaboradora e admiradora do nosso blogue]

(23) Marisa Tavares [, canadiana de origem portuguesa, filha de Júlio Tavares, sold cond auto, que esteve em Catió]

(24) Marta Ceitil [, jovem cooperante, a viver  na Guiné-Bissau]

(25) Paula Salgado [, filha do nosso camarada Paulo Salgado, e que viveu na Guiné-Bissau com os pais, depois da independência]

(26) Regina Gouveia [, escritora, poetisa, esposa do nosso camarada Fernando Gouveia, que viveu em Bafatá]

(27) Rosa Serra [, ex-Alf Enf Pára-quedista]

(28) Susana Rocha [, filha do nosso camarada Florimundo Rocha]

(29) Tina Kramer [, investigadora alemã, etnóloga, a fazer trabalho de campo na Guiné-Bissau]

(30) Zélia Neno [, esposa do nosso camarada Xico Allen, e que já foi em tempos à Guiné-Bissau].

Umas são mais activas do que outras no nosso blogue. Uma ou outra foi herdada da tertúlia da I Série do nosso blogue (Abril de 2004/Maio de 2006). Algumas provavelmente já não nos acompanham com regularidade. E outras, muitas outras, têm passado episódica ou circunstancialmente, pelo blogue, como simples leitoras, estudiosas ou curiosas... Outras poderiam fazer já parte da nossa Tabanca Grande, se os critérios de inclusão/exclusão fossem diferentes (ou mais flexíveis)... 



Por exemplo, temos as nossas mulheres que nos acompanham, regularmente, em muitas actividades sociais do blogue (convívios, encontros, palestras, lançamentos de livros, iniciativas solidárias, viagens à Guiné...) e que nem sequer fazem parte da lista alfabética dos membros da Tabanca Grande. Algumas delas são totalistas dos nossos encontros nacionais, que se realizam anualmente, já desde 2006 (O próximo, o sexto, vai ter lugar em Monte Real, em 4 de Junho). 


E algumas delas têm seguramente boas  histórias para partilhar, do tempo de guerra (ou do pós-guerra), bem como fotos e  outros documentos (cartas, aerogramas, etc.). Só não o fazem, por escrito, neste espaço, por uma questão de reserva de intimidade, privacidade, pudor, recusa de exposição pública, motivação, ou outras razões que são inteiramente legítimas. Ou até pode ser que a culpa seja toda nossa, que não temos sido suficientemente sedutores e convincentes, levando-as a publicar no blogue... 


Algumas dirão que o conteúdo do blogue é chato p'ra burro, é só conversa de homens e p'ra homens... Estes, por sua vez, terão pouca sensibilidade e sobretudo paciência para acompanhar o fio da meada das conversas femininas... Afinal, de que falam eles ? E de que (não) falam elas ?


Convenhamos que não é fácil escrever sobre (e muito menos partilhar, num espaço público como é a Internet) coisas tão íntimas como as relações homem/mulher, o namoro, o enamoramento, o casamento, a vida a dois, a sexualidade, a família, a história de vida,  os sentimentos, as emoções, as atitudes e os comportamentos, a dor, o sofrimento, a morte, a guerra e a paz, ainda por cima com referência a um período doloroso e conturbado com o foi o período de 1960/70, o da nossa juventude, que foi também um período de grandes mudanças sociais, políticas, ideológicas e culturais, incluindo ao nível das relações de género...

Em todo o caso, já produzimos alguns postes notáveis sobre estas temáticas, mas em que os autores continuam a ser predominantemente do género masculino (com uma ou outra  excepção notável: estou-me a lembrar, por exemplo, da Cristina Allen) ... 



Lembro aqui as séries As Nossas Mães, As Nossas Mulheres, As Nossas Madrinhas de Guerra (*)... claramente orientadas para o discurso no masculino, no pressuposto de que foram sobretudo os homens os actores da guerra (e alguns, muito mais do que isso, foram transformados em deuses da guerra)...

Alguns de nós contornam as dificuldades e os melindres da abordagem de temas mais intimistas através da linguagem poética ou do recurso à ficção literária... A verdade é que continuam (e continuarão) a faltar, no nosso blogue, a voz delas a falarem (neste caso, a escreverem) na primeira pessoa do singular, como mães, como irmãs, como namoradas, como esposas, como amantes, como amigas, como acompanhantes, como companheiras,  como confidentes, como madrinhas de guerra (incluindo as voluntárias de organizações femininas como o MNF),  etc., de combatentes de guerra, alguns dos quais morreram, ou foram gravemente feridos, ou são portadores de deficiência, ou ainda  são vítimas de sofrimento psíquico na sequência da guerra...



Será mais fácil pôr as nossas mulheres a falar noutros lugares e por outros meios como o cinema documental, perante outras mulheres, as suas filhas, as nossas filhas, que já não foram à guerra, nem sabem o que era um aerograma, nem podem imaginar como era  ser e sentir-se mulher no mato (em Bambadinca, por exemplo)... Ou que mal ouviram falar da existência de uma guerra em África, entre 1961 e 1974, e das suas implicações e sequelas... 


A cineasta Marta Pessoa, nascida em 14 de Março de 1974, pode ser que tenha a varinha de condão, o talento e o poder (mágico), a distância afectiva e efectiva, o saber, em suma,  de tornar visível a invisibilidade que, segundo ela, ainda hoje rodeia a guerra colonial, cinquenta anos depois do seu início... 


Vamos esperar pela estreia do seu filme Quem Vai à Guerra, sexta-feira, 13, às 21h30, na Culturgest, em Lisboa... Ela garante-nos que, com os meios necessariamente limitados de produção de que podia dispor,  procurou dar voz a 20  das nossas mulheres, incluindo uma meia dúzia de camaradas nossas, enfermeiras pára-quedistas (duas das quais são membros da nossa Tabanca Grande, a Giselda Pessoa e a Rosa Serra)... 


Tenho expectativas razoáveis em relação ao filme, sem no entanto pensar que dele vai sair o grande retrato sócio-antropológico da geração das nossas mulheres, daquelas que, de uma maneira ou de outra, foram connosco à guerra... Como noutros momentos da nossa história, há uma maioria silenciosa que este filme não interpela, não interroga, não mostra, não questiona... Até pela razão simples, prosaica, comezinha, destas mulheres serem um amostra necessariamente enviesada, de conveniência, da população feminina portuguesa que (também) foi à guerra, com a literacia, a informação e o conhecimento necessários para poderem aceitar sentar-se, em estúdio, em frente a uma máquina de filmar, e rodeados de toda a parafernália (tecnológica, humana, logística) indispensável ao making of de um filme (documental) de longa metragem (130')....


Dito isto, só espero que o filme da Marta Pessoa seja um sucesso, do ponto de vista técnico, artístico, historiográfico, mas também comercial (já que não há filmes grátis).
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Notas do editor:


(*) A título meramente exemplificativo, e sem a preocupação de fazer uma pesquisa exaustiva, vejam-se os seguintes postes  relativamente à série As Nossas Mulheres
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2 de Dezembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3662: As Nossas Mulheres (4): As que casaram com a...Guiné (Virgínio Briote)

24 de Dezembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3667: As Nossas Mulheres (5): De Bissau a Lisboa, com amor (Cristina Allen)


2 comentários:

j. eduardo alves disse...

É eu á muitos anos que li um texto, que disia mais desconhecia, que o soldado desconhecido é a esposa do soldado desconhecido; eu sei que tenho uma maneira brusca de abordar os temas, mas a minha esposa que já era naquele tempo de tropa e hoje é ativa em ajudar aquel povo da Guiné merece um grande abraço grande bem aja Conceição Alves

Luís Graça disse...

Eduardo:

É uma bonita confissão pública, de admiração e de homenagem, à tua Conceição ("que também foi à guerra")... Um Alfa Bravo. Luís