quinta-feira, 28 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8177: Contraponto (Alberto Branquinho) (30): Teatro do Regresso - 5.º Acto - (Des)encontros imediatos

1. Mensagem do nosso camarada Alberto Branquinho (ex-Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 25 de Abril de 2011:

Caríssimo Carlos Vinhal
Neste "5º. Acto - (Des)encontros imediatos" do Teatro do Regresso a acção ("presente") passa-se no Café Bento ("5ª. Rep") em Bissau e "acção futura" no... mundo.

Um abraço
Alberto Branquinho


CONTRAPONTO (30)

TEATRO DO REGRESSO
(Peça em vários actos)

5º. Acto
(Des)encontros imediatos

Cenário

Guiné, nos tempos da guerra.
Esplanada da “5ª. REP.”, em Bissau.


Personagens

Vários furriéis e alferes milicianos, com a tez característica de quem fez muitas caminhadas por terras do interior.
Alguns fardados outros em traje paisano. Estão sentados à volta de três mesas juntas. Bebem e conversam.


Acção

Levanta-se um e diz:

- Eh malta! Eu e o Rodrigues vamos dar uma volta pela Europa. Há lugar para mais um ou dois. Aceitam-se voluntários. O carro já lá está à minha espera.

- Partes quanto tempo depois de a malta chegar?

- O tempo suficiente para conseguirmos o passaporte. O serviço militar já está cumprido…

- Ó Lopes, vamos?

- Não posso. Logo que chegue, vou começar a tratar dos papéis para ir para trabalhar para Angola.

Chegou um outro, vindo de fora de cena, encosta-se às costas de uma cadeira e, levantando os braços:

- Eh pessoal! Oiçam! Oiçam! O Uíge atraca amanhã logo de manhã. A gente deve começar a embarcar depois de amanhã pela fresquinha…

- Como é que tu sabes?

- O gajo é da PIDE… tem muitos informadores.

- P’ró c……!

- Porreiro. Amanhã ainda se pode fazer qualquer coisa.

- Zé! No primeiro Domingo depois de a gente chegar vou fazer-te uma visita a Vila Real.

- Não estou lá. Vou viver para o Porto. Casei-me nas férias e vou viver para o Porto.

- Este gajo vai para o Porto trabalhar com o sogro. Vai trabalhar por conta do sogro.

- É verdade? Vais mesmo?

- Vou trabalhar na fábrica do meu sogro.

- E vais fazer o quê?

O outro encolheu os ombros, como quem diz “não sei”.

- O gajo sabe lá! Tu sabes qual é o trabalho respeitante à profissão de genro.

- Fazer netos.

- Eu vou “meter o chico”. Quem me comeu a carne, agora que roa os ossos.

- Mal por mal, anda comigo para a África do Sul.

- Fazer o quê?

- Precisam de gajos com experiência de combate.

- Foda-se! Não estás farto?

O que foi interpelado levantou os braços e, acompanhando com um trejeito de lábios, concluiu:

- Não sei fazer mais nada.

As conversas continuaram, mas, a pouco e pouco, começaram a debandar: um a um, dois, depois outro e mais outro. Tal como iria a acontecer na vida (vida… finalmente!) que se aproximava.

(CAI O PANO)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8139: Contraponto (Alberto Branquinho) (29): Teatro do Regresso - 4.º Acto - Missa de Corpos Presentes

3 comentários:

JD disse...

Outro retrato interessante sobre as aspirações dos jovens mobilizados para a guerra.
Como é habitaul no Branquinho a descrição da peça cotou-se a muito bom nível.
E o final, sêco, peremptório, traduz a lei da vida, as diferenças de cada elemento do grupo quando desagregado, ainda que, cada um por si, possa recordar com maior ou menor frequência, e sentir saudades da camaradagem então vivida.
Um abraço
JD

Anónimo disse...

Camaradas
É engraçado, também fui convidado no fim da Comissão para ir para a Africa do Sul dar instrução.
Condições:
Ordenado : 30.000$00
Alojamento
Alimentação
Como já estava farto de Guerra e tinha o meu lugar guardado no BPA (Banco Português do Atlântico), pois já era empª. bancário antes de ir para a tropa, recusei.

Mantenhas
Luís Borrega
Mantenhas

Luís Borrega

Hélder Valério disse...

Caro camarigo A. Branquinho

Acredita que quando estava a ler o desenvolvimento da cena com as falas até parece que estava a ouvir realmente.
Se não foi assim, assisti a conversas desse género, mais coisa menos coisa, e não foi só uma vez.

Na verdade, nos momentos antecedentes da partida, quando já estava o regresso 'garantido', se haviam comportamentos típicos de quem queria 'libertar a pele' daquilo e se entregava a viver esses últimos momentos em estado de euforia, havia também quem, de facto, se interrogasse sobre o que iria encontrar e como enfrentar esses novos desafios, aliás também já aqui 'retratados'.

Portanto, uma 'peça' muito real.

Abraço
Hélder S.