terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7839: Notas de leitura (208): Antologia Poética da Guiné-Bissau (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Fevereiro de 2011:

Queridos amigos,
Para sermos sinceros, a lírica da Guiné-Bissau carece de originalidade, faz muito recurso do óbvio, dos sons tonitruantes, bombásticos ou da rima apurada pelo menor denominador comum.
Manuel Ferreira, com cuidado, nesta edição de 1990, alertava para a necessidade de esperar pelos arroubos líricos da identidade da Guiné-Bissau. Resta saber o que há de verdadeiramente singular na poesia dos últimos 20 anos.
Quem tiver essa poesia disponível para nos emprestar, bem se agradece.

Um abraço do
Mário


Poetas da resistência e da luta, dos afectos e dos sonhos

Beja Santos

A “Antologia Poética da Guiné-Bissau”, com prefácio de Manuel Ferreira (Editorial Inquérito, 1990) é um importante documento sobre o estado da lírica guineense, cerca de 16 anos após a independência de facto do país. É uma lírica de combatentes com cultura superior e cujos temas nucleares são, regra-geral: a denúncia do colonialismo e a firme aposta na luta armada; a declaração política pela resistência ou a valorização das raízes africanas; a exaltação do amor e os sentimentos de saudade e nostalgia pelo ausente. É incontestável que os poetas mais velhos de modo algum enjeitam a raiz neo-realista, mesmo numa toada mais livre e solta; há, igualmente, o conhecimento dos clássicos e a busca (por vezes rebuscada) de manejar as palavras para fazer do estro um quase panfleto para animar os combatentes.

Já se falou de Amílcar Cabral e seguramente do seu poema mais interessante Ilha. Vasco Cabral, a quem já se dedicou aqui uma recensão a propósito do seu livro A Luta é a Minha Primavera, foi um dos fundadores do PAIGC e teve funções elevadas no aparelho partidário. O seu acervo poético tem três direcções pronunciadas: a exaltação heróica da luta; o cântico pelos humilhados e indefesos; a entrega dolente aos afectos e à mãe África. Vejamos o Vasco Cabral do panfleto e do chamamento à luta:

 Firmeza

Os carrascos torturaram-me.
Aumentaram as pancadas
os insultos
os requintes.
E eu disse aos carrascos:
Só amanhã trairei, hoje não!

No amanhã cresceram as torturas
os insultos
os requintes.
e eu disse aos carrascos:
só amanhã trairei, hoje não!

Noutro amanhã cresceram mais as torturas
os insultos
os requintes.
e eu disse aos carrascos:
jamais trairei. Talvez ontem, hoje não!

E ecoaram nas minhas entranhas
as gargalhadas da morte.
Depois, o resto é silêncio.
__________

Hélder Proença foi co-organizador e prefaciador da primeira antologia da poesia guineense Mantenhas para quem Luta! Exerceu cargos políticos no PAIGC. É um poeta do sonho e da esperança, sopra as trombetas do futuro, é um lirismo temperado pelo gosto de cantar a terra e a ternura da mulher, é um intimista bem singular no contexto desta poesia guineense. Vejamos

Epigrafe

Não há espaço que não caiba
no meu coração
não há Pátria que não desagúe lentamente
como flor, no meu peito.
Tenho em mim
o espaço igual
ao Homem que se ergue
nas pétalas das manhãs
que não cessam de nascer.
__________

Agnelo Regalla é também político e esteve ligado profissionalmente à comunicação. Usa a poesia como uma arma, uma palavra de ordem ou estribilho, isto a par de um gosto pronunciado pelo cultivo do amor numa estreita ligação às raízes africanas. Mas é a chamada à exaltação panfletária que comanda a sua toada heróica.

Quinhentos anos de história

Quinhentos anos de história
(Sem história…)
Quinhentos anos de escravidão e exploração,
Quinhentos anos sem luz.
Os transatlânticos
Não chegaram ao Pindjiquiti,
E os estivadores morreram…
De fome e de balas no Pindjiquiti.
Quinhentos anos de tormento
Em que as mães choraram
(E ainda choram…)
Em que os bombolons clamaram vingança,
Para que a Guiné acordasse
__________

António Soares Lopes Júnior é um homem de comunicação e é jornalista. O que o distingue é a paixão pelo homem novo, o libertado do colonialismo, embala-se no sonho e deixa-se guiar pelo lirismo puro, um português singelo que fala guineense.

Uma Lágrima

Na pétala
da flor
na dor
do tarrafe
do geba
soluçando

pousei
uma lágrima
do meu pranto

…e pindjiquiti
ardia
nas ondas
do meu coração.

(continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7819: Notas de leitura (206): Antologia Poética da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 21 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7834: Notas de leitura (207): Antologia Poética da Guiné-Bissau (António Tavares)

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